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3.1 O Cenário: uma nova demanda

3.1.3 O Elenco: um sintoma no 3º Ciclo

Há algo que acontece nesse tempo da trajetória escolar que vem configurando um impasse na educação. Vasconcelos (2010), em sua tese, revela uma estatística dramática em relação a esse tempo escolar na rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Aponta uma desinserção dos alunos, em relação à escola, quando revela dados que demonstram um número assustador de alunos que saem do 2º Ciclo, mas não se matriculam no 3º Ciclo. Além disso, aponta a constatação de que, mesmo com políticas de aceleração da escolarização dos alunos, surgidas, sobretudo, quando da implantação da Escola Plural, bem como projetos de reforços, o fracasso dos jovens na escola persistiu.

Várias ações e estratégias vêm sendo construídas para sanar esse impasse persistente. Turmas Projeto, Projetos de Intervenção Pedagógica, Escola da Juventude e Floração foram programas e discursos encontrados nas escolas alvo do Projeto de Intervenção do NIPSE.

Todos esses dados sugerem pensar problemas pedagógicos ligados a esse Ciclo, ou mesmo problemas relacionados à capacidade dos alunos. Entretanto, ao longo dos trabalhos já desenvolvidos pelo Núcleo, vem se constatando que, geralmente, se trata de jovens em pleno uso de suas competências cognitivas e capazes de dialogar e refletir sobre seus resultados alcançados. Demonstram, de fato, um desinteresse pelos conhecimentos escolares e, geralmente, indagam sobre a relevância dos mesmos, bem como do efetivo papel da escola na garantia de um futuro para suas vidas, quando adultos. A escola não consegue responder a essa indagação; e insiste na vaga resposta de que tais conhecimentos lhes serão úteis no futuro, sobretudo, no que se refere ao mundo do trabalho.

Entretanto, essa resposta não parece fazer um sentido visível para os jovens alunos. Esse fato, muitas vezes, vê-se interpretado pela escola como consequência da realidade social que abriga esses alunos. O discurso da escola – docentes e gestores – geralmente se apresenta articulado a partir de ideias cristalizadas que se expressam por meio de certezas, no que diz respeito à realidade cotidiana e ao futuro desses alunos. De modo geral, não aparece o tema miséria nesses discursos, mas surge de modo recorrente a violência, a família desestruturada, a sexualidade precoce e exacerbada, fruto da exposição cotidiana ao obsceno. Tais fatores acabam por configurar o grupo de alunos como pertencente a uma cultura muito distinta da dos docentes; que não valorizaria a escola, a assistência ofertada pelo Estado e não reunindo condições de permanecer dentro dos estabelecimentos escolares – seja por motivos relacionados à aprendizagem, ou ao comportamento inadequado. Por diversas vezes, encontra-se aàf ase:à áàes olaà oàest àp epa adaàpa aà e e e àesseàpú li o .

Mas, o que dizer dos jovens alunos da classe média, que não frequentam a escola pública, e que constam na queixa apresentada pelos novos professores que responderam à pesquisa41? Não são volumosas as pesquisas que focalizam esse público alvo como objeto, mas os dados do IDEB Brasil apontam que o problema não atinge apenas as classes populares. Pode-se construir uma série de hipóteses para o fato de que existem mais pesquisas referentes aos problemas nas escolas públicas. No presente trabalho, optamos pela hipótese censitária; ou seja: apoiamo-nos ao fato de o maior número de jovens brasileiros, pertencentes à faixa etária e modalidade de ensino foco desta Tese, estar matriculado na rede pública de ensino.

Podemos citar o livro Juventude de classe média e educação: cenários, cenas e sinais, organizado por Morgado & Mota (2006), que engloba um conjunto de trabalhos oriundos do G upoàdeàPes uisaà Edu aç o,à Jove sàeàDe o a ia ,à doàp og a aàdeàP s-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Os trabalhos, extraídos, em sua maioria, das dissertações de mestrado defendidas nesse programa, trazem como eixo principal de investigação os jovens de classe média.

Os organizadores abrem o livro, que aborda as práticas transgressivas de jovens da classe média, destacando que [...] é mais no noticiário policial que nas páginas acadêmicas

que os jovens da classe média podem ser localizados (pág. 23); comentam que os

levantamentos estatísticos apontam as idades entre 15 e 29 anos como a faixa etária dos jovens mais atingida pela morte por causas violentas: homicídios, acidentes e suicídios, acrescentando que os jovens de classe média vêm sendo incluídos nessas estatísticas.

Presentemente, mais do que presa da toxicomania, mais do que compelida à transgressão pela dependência química, fundamentalmente a juventude de classe média tem sido apresentada como um problema social, pois não há uma necessidade ou causa aparente para explicar, por exemplo, a frequentemente noticiada participação de jovens de classe média em crimes contra o patrimônio (Folha de S. Paulo, 15/02/2000, p. 1-4) ou, então, em crimes contra a vida dos próprios parentes, nos quais o componente financeiro também parece estar presente (Folha de S. Paulo, 9/11/2002, C-3). (MORGADO & MOTA, 2006:12)

No artigo42 de Janaína Cristina Marques Capobiano, ao enfocar a relação entre educação e comunicação, aborda-se o tratamento dado pela mídia às transgressões dos jovens de classe média em contraponto às já corriqueiras e comuns notícias sobre a juventude das camadas populares.

No artigo43 de Maria de Lourdes Sella, relacionado à indisciplina na escola, relata-se uma pesquisa realizada em uma escola particular situada na cidade de Cuiabá-MT. Ao levantar como se manifestava a indisciplina na escola, a pesquisadora colheu o seguinte relato dos entrevistados (diretor e 10 professores):

Como manifestação da indisciplina na sala de aula, os entrevistados apresentaram as seguintes ações: falta de respeito com o professor e os colegas, uso do celular dentro da sala de aula, agressão verbal, uso de palavrões, conversas paralelas sobre assuntos diferentes do discutido pelo professor, execução de atividades diferentes das propostas pelo professor; imitação de animais, assovios e cantigas durante as

42 Edu aç oàeà o u i aç o:àoàjove à oàjo alis oài p esso .à P g.à -136) 43 I dis ipli a,à elaç esàpedag gi asàeàp opostaàedu a io al .à P g.à -57)

explicações dos professores, andar pela sala durante as aulas sem pedir licença, tomar e jogar o boné do colega, atirar bolinhas de papel nos colegas e no professor, alunos dispersos e sem interesse pelas aulas. (Pág. 49)

Fatos e dados citados nesse conjunto de pesquisas, bem como em algumas outras disponíveis para consulta44, levam-nos a constatar que as queixas em relação aos jovens alunos não são peculiares às escolas que abrigam as classes populares, mas às escolas que abrigam a faixa etária adolescente. Entretanto, quando a manifestação juvenil de indisciplina ou de recusa ao saberes escolares manifesta-se nas escolas públicas, logo se atribuem os fatos à condição de vulnerabilidade.

Trata-se aqui de algo que parece ensejar consequências geracionais. O jornal O Globo publicou em 16/09/12 uma reportagem destacando resultados parciais do estudo Juve tude,à desigualdadesà eà oà futu oà doà Rioà deà Ja ei o ,à oo de adoà peloà p ofesso à Adalberto Cardoso, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Estes referiam-se aos dados relativos aos jovens brasileiros, entre 18 e 25 anos, que nem estudam nem trabalham nem buscam emprego45. Constatou-se, tomando por base o Censo Demográfico de 2010 (IBGE), que 19,5% dos 27,3 milhões de pessoas nessa faixa etária estão fora da educação formal e do mercado de trabalho.

O professor pesquisador comenta46: A escola não consegue atrair o jovem, levando a

uma elevada evasão escolar. Em consequência, ingressar no mercado de trabalho vai ficando mais e mais difícil . Alguns desses jovens constituem hoje alvos das políticas públicas

administradas pela Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), criada em 2004. Vinculada à Secretaria-Geral, cabe à SNJ a tarefa de formular, coordenar, integrar e articular políticas públicas para a juventude, além de promover programas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados para as políticas juvenis47. Tais políticas, na maioria das vezes, visam a oferecer oportunidades para os jovens que se evadiram da escola antes da conclusão do Ensino Fundamental, após um período de fracasso persistente. Parece tratar-se, exatamente, do perfil de alunos que compõem o público alvo do

44 áài dis ipli aàpo àpa teàdosàalu osà àapo tadaà o oàp o le aàpo à %àdosàdi eto esàdasà es olas àestaduaisàeà %àdasà u i ipais. Nas pa ti ula es,àaà e la aç oà àdeà %àdeles .àDadoà e olhidoàaàpa ti àdeàestudoà ealizadoàpeloàI epà I stitutoàNa io alàdeàEstudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), sob a responsabilidade da pesquisadora Roberta Biondi, com base em questionários respondidos por diretores de todo o Brasil no Saeb, principal exame de avaliação da qualidade do ensino. (Matéria publicada oàjo alà Folhaàdeà“ oàPaulo ,àdeà 11/02/08)

45 Nomeados pelos pesquisadores de Geração Nem Nem.

46 Pág. 29 do caderno Economia do jornal O Globo. Rio de Janeiro, 16/09/2012. 47 http://www.juventude.gov.br/sobre-a-secretaria/view

estudo supracitado. Por que se desinteressam pela escola, recusam a aprendizagem e evadem-se?

As respostas são muitas e também as consequências, ao elencarmos uma delas; o que acaba por acirrar os conflitos e inviabilizar os processos educativos na escola.

Chama a atenção um ciclo de recusa: por parte dos alunos em relação à escola, ao saber, aos professores; por parte dos professores em relação aos alunos, à família, à comunidade; por parte da família em relação à escola.

A recusa (Verleugnung), a partir da psicanálise, significa um mecanismo psíquico de relevante importância na estrutura do sujeito. Gustavo Martins, em sua Dissertação de Mestrado intitulada O que o sujeito recusa quando recusa a escola? , apresenta um estudo extenso em relação ao conceito nos textos de Freud.

A palavra aparece na obra freudiana desde o início. Toma maior corpo conceitual no texto sobre o Fetichismo [1927], onde Freud estabelece o mecanismo de perversão em frente à castração. Amplia o conceito a partir de seus textos posteriores, embora sem uma finalização de caráter conclusivo.

Segundo Martins (2012), partindo de Freud, o que o sujeito recusa, antes de tudo, é a castração à qual, aliás, já foi submetido. Assim, pode ser pensada como um mecanismo que possibilita ao sujeito não admitir a interdição. Consequentemente, tornando-se alheio às trocas e aos laços sociais que se poderiam ali estabelecer.

Martins (2012) recorre a outros atores que avançam em relação ao estudo de Freud e apresenta uma sistematização a partir da leitura destes.

Em primeira instância, o que se recusa é a representação da diferença entre os sexos. Trata-se de um mecanismo que, na estrutura neurótica, funciona de maneira acessória e não necessariamente contraditória ao recalque, operando a cisão do eu. Assim, o sujeito se defende das ameaças – a rigor, a castração simbólica ou algo que remeta a ela – por meio de mecanismos distintos. O recalque funda o inconsciente, para onde as representações são forçadas. Por sua vez, os afetos ligados a elas retornam de maneira cifrada. Na recusa (Verlengnung), a defesa incide sobre a própria representação esvaziando o sujeito da possibilidade de se inscrever em uma cadeia de significações. Esse tipo de mecanismo, em alguma medida, pode operar em qualquer estrutura psíquica. (p. 71)

Assim, a ideia da recusa sai do campo da patologia para integrar o rol das possibilidades dos sintomas neuróticos. Desse modo, constituindo uma operação distinta do recalcamento,

não traz como consequência o desconcertante retorno do conteúdo recalcado. Mas apresenta, por sua vez, como implicação, a carência simbólica e um retorno de manifestações cotidianas de excesso, sem sentido, e que se opõem a possibilidades de organização subjetiva (MARTINS, 2012). Pode-se dizer, a recusa mantém um não-investimento específico de certas representações do mundo exterior, mediante a retirada de sua possível significação.

Nesse sentido, supomos um ciclo de recusa por parte dos atores da escola, o que, muitas vezes, culmina em situações de conflito; e estas, dificilmente, poderiam ser sanadas apenas pela via da norma ou da correção de comportamentos.

A partir do Projeto de Intervenção realizado pelo NIPSE, um volume considerável de jovens que encontramos nas escolas chama a atenção pela postura desorientada em relação aos laços possíveis com o simbólico – a cultura. Paira uma atmosfera de desilusão que se manifesta de diversas formas na escola – da apatia à violência – configurando o fracasso. Uma posição desenlaçada que acaba por angustiar os docentes, que parecem mais nada poder fazer, a não ser queixarem-se desses alunos e, por vezes, nomeá-los com o pior.

Percebeu-se, após algumas Conversações com os docentes, uma repetição: as queixas em relação aos alunos do 1º ano do 3º Ciclo se referem à agitação; aos alunos do 2º ano, se referem à agressividade (também nomeada como violência); e aos alunos do 3º ano, se referem à apatia e desinteresse. Pode-se dizer, esse quadro apresentou-se, de certa forma, em todas as escolas que solicitaram a intervenção do NIPSE, muito embora o alvo das intervenções, como já dito, residia nas crianças com dificuldades na fase de alfabetização.

Os impasses com os jovens, muitas vezes, configuram situações de conflito que acabam por interferir na função maior da escola: a transmissão.

E, pode-se dizer, de modo geral, esses conflitos são de natureza pouco explícita para os atores. Não existe uma causa aparente para tal, nem mesmo para quem atua. Esses casos geram as suposições que, muitas vezes, levam os educadores a atribuírem o fenômeno a algo externo aos sujeitos, numa causalidade (causa-efeito) reducionista que acaba por tamponar algo da subjetividade, impedindo que os atores se mobilizem para o enlaçamento do desejo com o ambiente escolar, nesse sentido, desconsiderando o conflito como algo da ordem de um sintoma.

O sintoma pode ser pensado como uma solução singular que o sujeito encontrou para dar conta de seu lugar no mundo dos falantes. Algumas vezes, essa solução se vê mal sucedida,

inviabilizando certo curso da vida do sujeito; e, nesses casos, verifica-se a demanda de uma oportunidade para sua retificação.

Trata-se de um conceito fundamental na teoria psicanalítica, elaborado de forma não linear nas obras de Freud e Lacan, passando por diversas modificações. Talvez o sintoma possa muito mais ser observado do que precisamente definido.

Pode-se dizer, Lacan acrescenta, à ideia de sexualidade, a de sujeito do inconsciente e, sobretudo e principalmente, a estruturação do inconsciente como linguagem; ou seja, por elementos materiais simbólicos – os significantes, que não portam em si o sentido constituído, mas que se definem como constituintes do sentido. Assim, partindo de Lacan, o inconsciente freudiano seria um sistema de elementos materiais articulados como cadeias, desprovidos, em si mesmos, de significação, estas passíveis de serem produzidas pelo sujeito uma vez constituído. A falta estrutural do Outro da linguagem precisa ser tratada pelo sujeito que, para isso, faz uso do sintoma. Logo, a pulsão, resultante então de uma o tage àg a ati al ,à confere às propriedades físicas da língua o poder de determinar nosso destino, sintomático em todos os casos.

Não constitui intenção deste trabalho construir uma definição acerca desse conceito a partir da psicanálise, mas sim compreender um impasse vigente no campo da educação, considerando-o como um sintoma contemporâneo. Desse modo, apontando-se aqui um sintoma escolar em relação aos jovens, verificado no 3º Ciclo de aprendizagem.

Partindo desse viés, uma proposta de mediação não deveria visar apenas à obediência às normas e à pacificação das divergências, mas promover a oportunidade de se posicionar o sujeito enlaçado com o Outro da escola – e esta consiste em uma proposta de mediação orientada pela Psicanálise.