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Nesse cenário, a experiência desenvolvida anteriormente com as crianças, descrita em Dissertação de Mestrado por esta mesma autora, configura-se como um novo tipo de intervenção possível. Vem, agora, direcionada aos jovens com dificuldades de aprendizagem ou mesmo com certa recusa em relação ao saber (nomeado pelos educadores como desinteresse); e com sintomas de agressividade e indisciplina na escola (nomeados pelos educadores como violência). Trata-se de jovens que agem em detrimento da palavra e que, pelo mesmo motivo, não apreendem os elementos simbólicos da cultura, em circulação nos ambientes escolares.

Com base em tais argumentos, a aplicação do Teatro-Conversação, oferecida como uma das ações de pesquisa-intervenção do NIPSE, propõe de cinco a oito encontros, de duas horas de duração, com alunos do 3º Ciclo, realizados durante o horário das aulas, nas escolas, ou em horário alternativo a elas (por meio dos programas e projetos de tempo integral).

O número de encontros foi definido a partir de três aspectos objetivos: a oportunidade de se ver com os alunos durante uma quantidade razoável de tempo; espaços semanais entre os mesmos, de modo a colher-se o efeito de cada encontro; não interferir negativamente no andamento da rotina escolar, evitando-se prejuízos na carga horária e nas atividades.

Também teve como pressuposto a lógica que orienta a definição do número de encontros de Conversações. Partiu-se da aposta de que, cientes da delimitação do tempo, os sujeitos se mobilizassem para o trabalho. Desse modo, constituiu-se um recurso lógico para manejar o tempo, fundamentado na indicação de Lacan, extraída do texto Oàte poàl gi oàeà

aàasse ç oàdeà e tezaàa te ipada 58, onde o autor parte da análise de um sofisma para tratar da modulação temporal – [...]ào instante de olhar, o tempo para compreender e o memento

de concluir. Deve-se te po aliza a efe ia do eu aos out os e ua to tais, para,

dialeticamente, reduzir o momento de concluir o tempo para compreender, a durar tão pouco quanto o instante de olhar (LACAN, 1978:84).

A tensão do tempo, carregada de subjetividade, produz uma precipitação lógica que se transforma na tendência ao ato, provocando o sujeito a encurtar o instante de olhar para compreender e concluir.

Ao longo dos encontros, trabalharam-se jogos de expressão corporal, vocal, improvisação, bem como a abertura para a criação de esquetes a serem apresentados para a turma e/ou para a comunidade escolar. A proposta visou a um processo de jogo – para si, para o outro e diante do outro; que, embora não fizesse oposição à criação de um produto ao final do trabalho, também não o trouxe como meta. Portanto, não se configurou como uma Oficina de Teatro, muito embora se pudesse praticar o Teatro.

As atividades vêm elaboradas a partir das demandas direcionadas ao trabalho, oriundas da escola, dos psicanalistas e pesquisadores do NIPSE e, principalmente, dos próprios alunos – vinculadas às suas dificuldades escolares, no que tange à aprendizagem, ou no que se refere às condutas dentro do espaço educacional.

Desse modo, as Intervenções com Teatro-Conversação realizaram-se, inicialmente, com dois grupos de jovens – duas turmas regulares do 3º Ciclo: uma do 9º ano e a outra do 8º ano – em duas escolas da rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Com essas turmas realizaram-se seis encontros de duas horas de duração, uma vez por semana, durante horário de aulas. Com esses jovens, o trabalho foi demandado pelas instituições, realizado a partir do desejo dos alunos em participarem, e devidamente autorizado pelos respectivos pais ou responsáveis, uma vez que todos os alunos eram menores de idade.

Em seguida, na terceira escola, a Intervenção ocorreu junto a um grupo de pais de alunos do 2º e 3º Ciclo, a pedido de seus gestores. Tal Intervenção realizou-se como uma das atividades componentes de um projeto de aproximação escola-família, para o qual foram convidados a participarem. Nessa configuração, três encontros com duas horas de duração aconteceram durante três sextas-feiras no horário noturno.

Posteriormente, a partir dos resultados obtidos nesses três primeiros trabalhos, foi elaborada uma proposta de intervenção ofertada à escola onde ocorreram os episódios descritos no início deste capítulo – A Balança ; e Só os Demônios! . Diante dessa oferta, a escola indicou uma Turma Projeto, sem ano/série claramente definido/a, composta por alunos de diversas idades e de alguns, oriundos de outras turmas, convocados pela gestão, a fim de participarem da Intervenção. Com essa turma, por motivos que virão descritos no decorrer da Tese, onze encontros foram desenvolvidos em duas fases de trabalho; além do terceiro momento composto por entrevistas individuais, configurando, nessa fase, uma intervenção clínica de orientação psicanalítica59.

Todos os encontros, nas quatro escolas, foram devidamente registrados a partir de anotações realizadas pela própria pesquisadora/interventora, coordenadora do trabalho, bem como com a ajuda de uma estagiária, bolsista de Iniciação Científica, graduanda em Pedagogia ou Psicologia. Portanto, a análise do trabalho flui a partir de tais registros, bem como de alguns depoimentos colhidos da escola e dos alunos.

Os recursos utilizados foram adquiridos pela pesquisadora, tais como, bastões, revistas, cartazes com imagens, quadro branco, canetas, lápis de cor, instrumentos musicais, CDs, DVDs e alguns objetos cênicos. As escolas disponibilizaram o espaço físico da sala de aula ou auditório, recursos de som e imagem. Assim, as intervenções podem ser explicitadas do seguinte modo:

CENA ESCOLA GRUPO ENCONTROS

1 A Alunos de uma turma de 9º ano/3º ano do 3º Ciclo 6 2 B Alunos de uma turma de 8º ano/2º ano do 3º Ciclo 6

3 C Pais de alunos do 2º e 3º Ciclos 3

4 D Alunos de uma Turma Projeto/3º Ciclo 11 -1º Ato – 7 encontros -2º Ato – 4 encontros

2 - Epílogo – encontros de entrevistas Quadro 3

59 A intervenção clínica de orientação psicanalítica consiste em realizar uma ou duas entrevistas com crianças (jovens)-problema. Em alguns

casos, os pais são convocados também para uma entrevista. Parte-se da queixa dos professores sobre os problemas da criança (jovem). O objetivo da entrevista, no caso de o sintoma se manifestar sob a forma de uma inibição ou da angústia, é buscar localizar uma identificação mortífera. Para o caso de sintomas que se caracterizam pelo ativismo, sua contenção depende da nomeação do modo de satisfação. A elaboração extraída da teoria psicanalítica a respeito da relação da sexualidade com atividade intelectual serve de guia na abordagem dessas formas de inibição intelectual. Deve-se assinalar que o espaço escolar é privilegiado para a realização dessa investigação clínica, uma vez que, para além do tempo de duração da entrevista, tem-se a oportunidade de testemunhar uma série de situações experimentadas pela criança (jovem) na sala de aula, na relação com as outras crianças (jovens). (SANTIAGO, 2011:98)

As intervenções realizadas ocorreram a partir das queixas oriundas do corpo docente e gestão das escolas, as quais se referiam a elementos da aprendizagem e do comportamento dos alunos; além da falta de participação dos pais e do desinteresse em relação ao cotidiano de seus filhos. Realizou-se a preparação do trabalho a partir da seleção de jogos, sobretudo os sistematizados por Augusto Boal, alguns deles utilizados na prática do Teatro do Oprimido; teve-se em vista o coletivo, os efeitos pedagógicos, embora com atenção às singularidades.

Durante os encontros aplicaram-se atividades de vivência de Jogos Teatrais durante cerca de uma hora, precedidas de uma conversa, em roda, de caráter introdutório, e complementadas por mais uma conversa como encerramento, de caráter conclusivo. Desse modo, o trabalho constituiu-se de três etapas:

• 1ª etapa. Conversa inicial (duração em torno de 30min): roda inicial, onde cada participante pôde expor fatos ocorridos durante a semana (em casa, na escola, no lazer), suas novidades, suas sensações e seus aprendizados. Essa conversa também significava um momento de observação dos temas e comentários trazidos pelos participantes; apresentando-se como demanda, eles poderiam ser trabalhados nos jogos durante aquele encontro.

• 2ª etapa. Vivência dos jogos (duração em torno de uma hora): as atividades cênicas, coletivas, propriamente ditas. As propostas foram elaboradas previamente, a partir das demandas apresentadas e das queixas oriundas dos educadores e gestores.

• 3ª etapa. A) Conversa final (duração em torno de 10min): verbalização das opiniões em relação às propostas vivenciadas durante cada encontro, isto é, o de que gostou, ou não, e as razões. B) Atividade de conclusão do encontro: definida pelo grupo.

Para além dos objetivos pedagógicos, a intervenção visa a oferecer recursos para que o sujeito possa dizer de si quando a palavra (por motivos variados) lhe falta. Portanto, oferece a possibilidade de tanger elementos da subjetividade, muitas vezes envolvidos nos sintomas escolares; tais sintomas podem se relacionar ao conteúdo das queixas oriundas das escolas em relação aos alunos, configurando um dispositivo mediador nesse cenário conflituoso que vem contribuindo para a produção de uma crise na educação. Com relação a tal crise, localizam-se queixas recorrentes no que se refere aos grupos de jovens do 3º Ciclo.

A seguir, vêm descritas quatro cenas – quatro experiências com grupos de trabalho

(três grupos de jovens do 3º Ciclo e um grupo de pais) – em que houve intervenção a partir do

Teatro-Conversação em instituições escolares.

4.2 Cena I: Romeu, Julieta, o Fantasma e o Mosquito: o drama dos alunos incapazes – A