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“RUPTURA” COM O LUGAR DE ORIGEM: A CONSTRUÇÃO DE LUGARES DE MEMÓRIA

3.2. O encantamento com a cidade nos primeiros anos

O desenho traçado nos relatos de Dona Elizete nos levou a um percurso narrativo, territorial e simbólico do seu encontro com Salvador.

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Dona Elizete: Ói, nós chegamos aqui em Salvador, o ano eu não me lembro, só

me lembro que nós chegamos à noite. Muito bonito, encantador! Chegamos ali na Baiana [porto da Companhia Baiana de Navegação – CBN]. Chegamos de

barco! E meu pai que fazia viage [sic] aqui pra Salvador, trabalhava, já

conhecia ali a Conceição da Praia. Tinha aqueles casarão que alugava pra famílias. Morava famílias também! [grifos meus]

No relato acima Dona Elizete enfatiza que ali também moravam famílias, que não era apenas lugar de comércio, boemia e de prostituição, como já se mostrava no imaginário da cidade. Mais adiante, observo que esta era uma preocupação dos seus pais, de uma forma ou de outra, desde o momento em que aportaram na cidade. Apesar de indicar no seu relato o esquecimento quanto ao ano de chegada a Salvador, – “o ano eu não me lembro” –, ao cruzar outros aspectos lembrados por ela, não é difícil inferir que seus olhos estão visualizando Salvador de finais dos anos 1950 e inícios dos 1960. Era um momento de transição da vida social baiana, marcada pela estabilização da reorganização política e econômica e, por outro lado, de profundas mudanças na organização do espaço urbano da cidade.236 Naquele tempo, nos finais dos anos 1950, a Baía parecia um jardim florido de barcos, saveiros, canoas e outros tipos de embarcações que atracavam para o derrame cotidiano de mercadorias e pessoas, provenientes de diferentes partes do Estado, em especial do Recôncavo Baiano.237

A despeito de já existirem caminhos e estradas de rodagem por onde se transitava de ônibus, carros e em lombos de animais para acessar a cidade da Bahia, era comum a travessia de barco pela Baía de Todos os Santos das pessoas que buscavam definitivamente a capital do Estado para fincar chão – fixar moradia, ter um lugar no mundo, uma casa – e das que mantinham deslocamentos permanentes de trabalho, comércio e serviços com a capital. Mais do que isso, no percurso dessas embarcações a interação e a sinergia geradas constituíam – e ainda hoje constituem – uma esfera social onde encontros, reencontros e despedidas, trânsitos e trocas (materiais, afetivas, cognitivas), papéis sociais e responsabilidades, práticas e regras, e experiências sensitivas se realizavam cotidianamente; em suma, constituía o espaço no qual parte da experiência do deslocamento era vivido.

236 Estas mudanças foram gerenciadas por Régis Pacheco, Antônio Balbino e Juracy Magalhães – governadores da época. Essa década e as duas seguintes caracterizaram o período de consolidação do aumento nos fluxos migratórios entre o interior e a Capital do Estado, como indiquei.

237 Sobre a movimentação e comercialização de mercadorias na rampa do mercado, ver os trabalhos fotográficos e etnográficos de Pierre Verger, em especial: VERGER (1980).

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Essas movimentações criaram e alimentaram trajetos entre Salvador e outras “veredas” da Bahia que foram de extrema importância para a conformação da Salvador “moderna”.

Imagem 09. “Uma vista da cidade de Salvador”

Fonte: Biblioteca Universitária Reitor Macedo Costa/Universidade Federal da Bahia/UFBA. Assunto: “Vista da cidade de Salvador, vendo-se do Elevador Lacerda”, ano: 1966; Série de Documentação: 318, negativo: 170-11A.

Na imagem 8. “Vista da cidade de Salvador”, em 1966, aparecem em primeiro plano algumas embarcações: à esquerda veem-se as antigas edificações da “Baiana” [em destaque]. “Chegamos ali na Baiana” – esse momento também apareceu reificado na trajetória de outros migrantes, a exemplo de Dona Alice, Dona Joselita e Seu Bitonho.

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Não parece difícil observar a configuração de um “lugar de memória” aí. Junto a outros elementos que constituem o cenário, forjava-se a primeira imagem da cidade, vista do mar. Era no porto da Baiana onde se encontravam os parentes que estavam à espera.238 Dentre as pessoas com as quais mantenho vínculos de trabalho e amizade que têm nas trajetórias de suas famílias a experiência vivida e narrada da migração, muitas indicavam, em nossas conversas, referências de familiares que já haviam migrado em períodos anteriores para a capital, formando ali uma rede de contatos e apoio, por meio dos quais conheciam pessoas, trocavam experiências, compravam e vendiam produtos produzidos nos mais diferentes recantos do Estado.

Trago, mais uma vez, outro fragmento do relato de Seu Bitonho, no qual ele enfatiza as motivações para migrar para Salvador e suas percepções ao chegar na cidade para estabelecer um contraponto com o de Dona Elizete ao olharem a cidade a partir do Porto:

Cheguei em Salvador trabalhando. Já cheguei em Salvador, já saltei na Baiana, que eu vim de navio. O primeiro transporte de lá [Santiago do Iguapé] pra cá [Salvador] é [era] o navio. Então, já saltei na Baiana e já vim para Feira de São

Joaquim vender quiabo.239 E boa parte do pessoal que trabalhava de lá do Iguapé vinha vender quiabo, caranguejo, uma série de coisas e vinha vender na feira. Então, eu vim vender quiabo na Feira e meu pai veio para Salvador

constituir outra família. Chegou uma hora que eu não queria mais trabalhar na

Feira... [grifos meus]

“Chegou um momento que todo mundo sonha com uma vida menos dura”. Aos 18 anos, Seu Bitonho procurou o “sonho” de crescer, melhorar de vida em Salvador. “Nessa linha, nesse pensamento”, ele migrou para Salvador e foi residir com o pai, que há quase

238 A antropologia, no percurso de sua história, constituiu uma tradição de estudos preocupada em compreender as formas de organização sociais constituídas pelos diferentes grupos humanos. Um campo se formou e fortaleceu envolto a inúmeras preocupações com o que se convencionou chamar relações de parentesco. As reflexões giraram entorno da família, da descendência e das linhagens, passando pelas formas de aliança e a importância do matrimônio e sobre as configurações das redes sociais. Nesse campo de reflexão, a noção de parente foi assumindo diferentes significados. No caso em questão, trabalho com a noção de “parente” nos sentidos atribuídos por meus interlocutores. O parente, desta maneira, é aquele que faz parte da família tanto por laços de consanguinidade quanto pela constituição de redes de aliança e dependência, assim como pela “consideração”. Nesta perspectiva, um amigo e um vizinho podem ser “parentes” desde que assim sejam considerados. Voltarei a tratar disso no capítulo seguinte.

239 A feira de São Joaquim é uma das feiras mais antigas e populares da cidade. Nela são comercializados os produtos que são produzidos no interior do Estado, especialmente os que chegam das localidades do Recôncavo. A Feira localiza-se numa área de porto, onde os barcos que atravessam a Baía de Todos os Santos desembarcam, todos os dias, diferentes produtos agrícolas, cerâmicas, couro, dentre outros. Esta feira foi instalada neste local para abrigar os feirantes de Água de Menino, localizada à frente do Porto, próximo ao Moinho Salvador, após o incêndio que a destruiu em meados dos anos 1960.

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sete anos, havia partido e deixado para trás sua mãe, ele e os seis irmãos, que sobreviveram de um total de doze, como dito no capítulo anterior. “Veio para Salvador construir outra família” – começar a vida em outro lugar e com outras pessoas: esposa e filhos.

Sua lembrança da Baiana apareceu aqui associada ao trabalho: “Já cheguei trabalhando. Já cheguei em Salvador, já saltei na Baiana (…). Então, já saltei na Baiana e já vim para Feira de São Joaquim vender quiabo”. A imagem e a representação da cidade que evidenciou Seu Bitonho não são apenas do encantado como apareceu, enfaticamente, no relato de Dona Elizete. Mas, sobretudo, do jovem amadurecido pelo sofrimento da labuta de quem, em seus termos, fazia em sua terra natal: um duplo, trabalhando na pesca e na roça, no transcorrer do dia, para chefiar a família que recebeu, em suas palavras: “com onze pra doze anos [quando] houve a separação dos meus pais e eu automaticamente passei a ser o chefe da família”, sobre isto, em outro momento, revelou que:

Seu Bitonho: Contrapondo a opinião de meu pai por que pai, meu pai achava

que pra ir trabalhar na roça não precisava de leitura, não precisava estudar que não sei o que, mas minha mãe, não, Minha mãe insistiu e eu com onze anos, com doze anos meus pais se separaram e aí é que eu não pude mais estudar mesmo eu tive que trabalhar, ser pai de família. E aí é o que eu digo a meu filho – meu filho está com doze anos. Eu digo a ele: ‘Olhe, na sua idade eu só quero que você estude. Procuro buscar todos os meios pra você estudar, faço sacrifício, mas na sua idade eu tinha que trabalhar pra ajudar a criar meus irmãos, trabalhar duro, trabalhar como pai de família, assumir a família’. Isso foi até dezoito anos, né? Quando eu vim pra cá pra Salvador em sessenta e oito, o primeiro serviço que eu fiz foi trabalhar na feira de São Joaquim vendia quiabo.240

A produção literária que tomou a cidade de Salvador como cenário, desde os anos 1930, produziu enredos em que diferentes personagens transitam pela Baiana, pela rampa do mercado e por todo o complexo que os envolvem, assim como pude registrar nas trajetórias e muitas pessoas desta pesquisa.241 Jorge Amado, com efeito, alimentou – alimenta ainda – nosso universo de representações com imagens da Salvador das primeiras décadas do século XX e de décadas posteriores. As imagens são evocadas nos diálogos de suas personagens – muitas delas deslocadas do interior – que costuravam lugares e sentidos a partir dos percursos que faziam pela cidade (AMADO, 1991). Foram nos “trapiches” da região portuária da capital baiana, nas primeiras décadas do século XX, por exemplo, que

240Acervo Documental sobre o Subúrbio Ferriviário de Salvador. Entrevista realizada em 23 de outubro de 2001.

241 A literatura é tomada aqui como “relato”, narrativa. No caso da literatura de Jorge Amado, evoco aqui apenas duas de suas obras, no leque tão amplo de sua produção, para sinalizar a possibilidade de diálogo.

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os jovens “Capitães de Areia” se recolhiam ao descanso nas noites sombrias e narravam suas aventuranças de “perambulações” pelas ruas do São Bento, da Chile, da Sé, da Piedade, da Gamboa de Cima, da Carlos Gomes, do Campo Grande e de tantas outras que formam as antigas áreas de ocupação de Salvador. Ou ainda, pela “cidade rica que se estendia do outro lado do mar, na Barra, na Vitória, na Graça”. 242

Apropriar-se da cidade, através das perambulações e criar sentidos e significados diante do que ela ia apresentando em suas avenidas, esquinas, ladeiras, praças, casas, casarões e monumentos foi o que experimentou Dona Elizete e seus irmãos. Além deles, o mesmo fez Seu Hélio, Seu Bitonho, Dona Railda e Seu Bimbau, personagens de um mundo vivido e criado nestes trajetos.

Ao conduzir sua narrativa pelos percursos de Quincas Berro D'água e do Comandante Vasco Moscoco de Aragão em “Os velhos Marinheiros”, Amado nos revelou, ainda, o interior da cidade (AMADO, 1961). Em “Comandante Vasco Moscoso de Aragão”, o escritor baiano, nos apresentou as ruas do bairro de Periperi. Nele nos deparamos com sobrados em cores vivas; casarios antigos, todos esses adornados em suas fachadas por mulheres sentadas a olhar o deslocamento das pessoas que iam e vinham; de homens que, entre um dançar e outro das pedras do dominó ou das cartas do baralho, também observavam os que passavam, dando sequência ao curso da vida. Ademais, esperavam o tempo passar. Bairro de brisa agradável que os ventos tranquilos faziam entrar pela Baía, Periperi envolvia-se entre as partes altas e baixas; de cotidiano tranquilo, de antigos vizinhos e de boas pessoas: funcionários públicos, aposentados, poetas, artistas – estes fixos no lugar –, mas também de pessoas que se fixavam por temporadas, ciosos por cura e descanso da vida agitada na cidade. Esta é uma imagem que aparece nas narrativas de inúmeras pessoas que afirmam ter escolhido morar e permanecer no Subúrbio, porque aí o clima é muito agradável, a paisagem do mar e dos morros e matas que ainda existem os reportam às imagens e memórias dos seus lugares de origem no interior.243 Entre as trajetórias analisadas encontramos os artistas, os funcionários públicos, aposentados e as donas de casa, descritos por Amado. Encontram-se, ademais, os operários, a empregada

242 Ibidem, p. 85.

243 Em outra oportunidade, tratei desta imagem e memórias de lugares “de cotidiano tranquilo, de antigos vizinhos e de “boas pessoas”: funcionários públicos, aposentados, poetas, artistas – estes fixos no lugar”. Cf. SOUZA (2002).

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doméstica, o biscateiro, o músico, o ferroviário aposentado, o missionário e os petroleiros. Em alguns casos, trajetórias atravessadas por estas diferentes condições sociais.

Por essa época, a Baía era ainda a principal porta de entrada em Salvador e o ponto da “Baiana” uma figura importante nesse cenário. Dona Elizete, por exemplo, migrou da sua cidade de origem, ainda criança, com a família: “eram meu pai [Seu Erotildes], minha mãe [Dona Honorina], era cinco filhos: eu, Maria Eronildes [já falecida], Maria José,244 Maria Bernadete e José. Cinco filhos! Com meu pai e minha mãe sete – família com sete pessoas”. Seu pai “que fazia viage [...] pra [sic] Salvador, trabalhava, já conhecia ali a Conceição da Praia” e por isso mantinha uma rotina permanente de trânsito.

Diagrama 2.

Esta prática era bem comum. Os homens construíram relações na cidade, se apropriavam do sistema do lugar e, posteriormente, traziam suas famílias para lá viverem. É importante registrar outras formas de como acontecia estes deslocamento, como veremos através da vinda destas pessoas ainda crianças para viver no seio de outras famílias ou juntos de parentes. A mobilidade de mulheres jovens para o trabalho doméstico, como já sinalizamos, é uma característica comum do processo de deslocamento do interior para a cidade.

De fato a circulação através da Baía é uma prática que constitui a própria história de formação e desenvolvimento de Salvador, de sua região e, de certa forma, de outras

244 Em 2010, Dona Maria José foi para o Rio de Janeiro para passar “tempos” em companhia do filho, marinheiro, e sua nora, na missão de ajudar nos cuidados do neto recém-nascido, onde permaneceu até 9 de maio de 2012, quando faleceu vítima de um infarto. Durante o tempo em que esteve por lá, continuou mantendo a casa, onde hoje reside sua filha Eliana de 42 anos. Neste ínterim, Dona Maria José, retornou à Salvador algumas vezes para “ver a casa e as coisas”. Quanto a Dona Maria Bernadete, reside no Rio de Janeiro desde meados dos anos de 1990, quando foi “tentar a vida”. Dona Elizete lembrou que “Maria Bernadete num teve sorte no casamento, largou o marido, ela foi morar em Marechal Rondon. Aí depois ela se mandou pra o Rio [de Janeiro], mora no Rio até hoje. Minha mãe criou os dois filhos dela, depois ela veio buscar... Os filhos mora com ela”.

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regiões em seu entorno, que através dela se ligavam em redes e fluxos territoriais, sociais e culturais intensos, como demonstrei anteriormente. Nos trabalhos fotográficos e etnográficos produzidos por Pierre Verger, desde os anos 1930 até finais das últimas décadas do século XX, registra-se a intensa comunicação, trânsito de pessoas, coisas, práticas culturais, sentidos na “rampa do mercado”, na área mais ampla da “Baiana”, como podemos observar na série abaixo:

Imagem 10. A Rampa do Mercado. Coisas e pessoas que chegam e saem.

Fonte: http://www.pierreverger.org/fpv/index.php?option=com_wrapper&Itemid=176, acesso em 24 de abril de 2012. [seleção e composição minha]

Imagem 11. “Vista parcial da cidade de Salvador”

Fonte: Biblioteca Universitária Reitor Macedo Costa/Universidade Federal da Bahia/UFBA. Assunto: “Vista parcial da cidade

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de Salvador, vendo-se o Elevador Lacerda e a Igreja da Conceição da Praia”, ano: 1966; Série de Documentação: 241, negativo: 167-6A.

Na imagem 10. “Vista parcial da cidade de Salvador”, em 1966, a partir de outro ângulo nos mostra mais à frente, o prédio da Alfândega [em destaque: local que abriga o Mercado Modelo, na atualmente], logo à frente a Praça Cairu – nessa época ainda ornada por arvoredos muito comuns a muitos lugares da região central da cidade –, ao lado, vê-se o Mercado Modelo, na época,245 edifícios e casarões; à direita observamos as edificações da Marinha.246 Mais à frente, num plano intermediário, tem-se o Elevador – o Elevador Lacerda; ao lado, à sua direita, os outros casarões e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição [em destaque]. Mais acima, num segundo plano, aparecem o Palácio Rio Branco e o bairro da Sé com suas edificações religiosas. Nela, seguindo as evocações das lembranças de Dona Elizete, aparece em relevo azul o casarão onde ela residiu nos primeiros anos com a família, em Salvador. Esses lugares são evocados por ela para constituir e dar sentido às próprias memórias das experiências dos primeiros anos na cidade. No fragmento abaixo pude extrair os motivos que levaram a família a Salvador:

Dona Elizete: Foi a situação financeira de meu pai, que tava muito ruim. Não

dava pra viver mais no interior e ele viajava muito pra Salvador, eu num me

lembro que trabalho era que ele fazia, eu num me lembro. Eu sei que ele viajava

pra Salvador. Aí ele achou melhor trazer a família pra Salvador. [grifos meus]

Essa itinerância era bastante onerosa e difícil de garantir em muitos aspectos: administrar pouco ou quase nenhum recurso, as saudades e os cuidados cotidianos com os filhos. Ao que tudo indica, “trazer a família pra Salvador” pareceu a Seu Erotildes a melhor alternativa, naquele momento. Na cidade foram residir no bairro da Conceição da

245 O Mercado Modelo foi inaugurado em 9 de dezembro de 1912. Na época, era o principal centro de abastecimento de Salvador. “Nele eram comercializados os gêneros alimentícios, frutas, verduras, carnes, aves, peixes, farinhas, os camarões salgados, as pimentas recém-colhidas, charutos do Recôncavo e cachaças de alambiques de toda Bahia”. Estes produtos chegavam do Recôncavo, nos saveiros, e das pequenas roças ao redor da cidade. O primeiro prédio que abrigou o Mercado Modelo localizava-se entre a Casa da Alfândega, prédio atual, e a Escola de Aprendizes de Marinheiro, em frente à rampa do Mercado. Em 1971, após um dos muitos incêndios que marcam sua história, ocorrido em 1969, que destruiria completamente o antigo prédio, o Mercado Modelo foi transferido para Casa da Alfândega. A Alfândega foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN em 1966. Informações disponíveis no site:

<http://www.mercadomodelobahia.com.br/Mercado/historia.asp>, acessado em 11 de maio de 2013.

246 Nos acervos consultados, me deparei com inúmeras fotografias antigas de Salvador que tem como foco essa parte da cidade, porém, muitas delas sem datação. Entre essas, a que mais se aproximava do período de chegada e permanência de Dona Elizete nessa área da cidade datava de 1966.

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Praia, na Rua da Ladeira da Preguiça. A Conceição, área portuária, uma paisagem de velhos casarões, era um lugar de efervescência na cidade em séculos anteriores – o centro comercial.247 As edificações e monumentos, além de outros sinais, fazem incidir sobre o lugar, ainda hoje, uma aura de antiguidade, dos tempos de prosperidade.

Na Conceição habitavam, à época, uma infinidade de tipo[s] de pessoas, como enfatizou Dona Elizete, no trecho abaixo:

Não sei nem como é que eu devo dizer! Esse povo assim, como é!? Prostituta!? Era prostituta que morava. E aí meu pai levou família pra morar ni um casarão desse [sic]. Eu me lembro que minha mãe chorava. Ela diz[ia] que não queria criar os filhos dela ali. Eu num intindia [sic], porque eu gostava de tudo, achava bunito, vinha do interior! A gente passeava, eu tinha na base de seis anos, seis pra sete ano; e meu irmão caçula tinha – era mais novo do que eu – tinha cinco anos. Aí nos vivemos ali.

A presença [d]“esse povo assim! Como é? Prostituta” apareceu como ponto de articulação das memórias de Dona Elizete ao lembrar de sua mãe nesse contexto. No jogo da memória de Dona Elizete – das lembranças e dos esquecimentos, ao pensar sobre esses tempos –, sua mãe apareceu abraçada, primeiro, com seu pai (imagem 12) em frente a casa

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