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O ENQUADRAMENTO COMO PARTE DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA

A partir da compreensão de que enquadramentos encorajam um entendimento particular de uma questão e estabelecem os termos em que um debate ocorre, além de estarem presentes em todas as partes que integram um processo comunicacional, é comum ver os estudos de enquadramento na comunicação inseridos no marco das teorias sobre os efeitos de mídia (SCHEUFELE, 1999; PERSE, 2001; CASAGRANDE, 2017), principalmente relacionados à hipótese de agenda-setting (PORTO, 2004; AZEVEDO, 2004).

Contudo, os estudos com foco nos efeitos de mídia são apenas um modelo de pesquisas de enquadramento neste campo. Mendonça e Simões (2012), por exemplo, identificam, além desse, outros dois modelos: o primeiro inclui as observações de situações comunicativas e interações sociais; enquanto o segundo engloba os estudos que consistem em análises de conteúdo de enunciados e discursos. É neste segundo grupo que esta pesquisa se encaixa, buscando compreender “como discursos estabelecem molduras de sentido” e “pensar como o próprio conteúdo discursivo cria um contexto de sentido convocando os interlocutores a seguir certa trilha interpretativa” (Ibid., p. 193).

É a partir dessa característica que se estabelece a relação entre a teoria do enquadramento e, principalmente, a perspectiva metodológica dela, com a teoria da

construção social da realidade e, mais precisamente, com a linha interacionista das teorias construcionistas do jornalismo, as quais fundamentam esta pesquisa.

Tuchman (1978) foi, conforme mencionado no início do capítulo, uma das pioneiras na abertura do diálogo entre as teorias construcionistas do jornalismo e a teoria do enquadramento, ao apresentar a ideia de que as “notícias são as janelas do mundo” (p. 1), estabelecendo os quadros a partir dos quais os eventos noticiados serão discutidos pelos cidadãos. Conforme a autora, todas as características dessas janelas – assim como as de quem as construiu e as de quem observa o mundo através delas – afetam de alguma forma o que é visto e, consequentemente, a relação que as pessoas estabelecem com os acontecimentos do mundo. A ideia é reiterada por Gamson (1989, p. 158) e Gamson et al (1992), que comparam os enquadramentos ao enredo da história que está sendo noticiada – e consideram que há diferentes formas de narrar um mesmo evento.

Assim, os autores consideram que as notícias não espelham a realidade, mas sim contribuem para a constituição dela como fenômeno social. Nas palavras de Gadini (2007, p. 80): “o jornalismo implica, sempre, num recorte que redesenha o mundo social, a partir de um determinado enfoque”. Por consequência, o jornalismo está constantemente contribuindo para a constituição e reconstituição de fenômenos sociais a partir dos enquadramentos que estabelece – o que pode ser melhor avaliado a partir da transformação dos enquadramentos com o passar do tempo (GAMSON et al, 1992, p. 385).

Esse processo ocorre por meio da seleção e da saliência de determinados aspectos dos eventos noticiosos, conforme explicado anteriormente, o que, por sua vez, está relacionado aos diversos fatores que envolvem a produção de notícias, como os procedimentos jornalísticos, as questões organizacionais das empresas jornalísticas, os recursos culturais de jornalistas e leitores, e as negociações ativas que ocorrem entre atores sociais. Van Gorp (2007, p. 67), por exemplo, fala da limitação dos próprios repórteres para perceberem e relatarem um evento: “Mesmo que os repórteres sejam testemunhas pessoais de um evento, eles só conseguem perceber parte da realidade”. Essa incapacidade de perceber o todo acaba tornando a seleção e a ordenação de informações inevitáveis tanto para compreender o que está acontecendo quanto para noticiar os fatos.

A partir das reflexões de Gitlin, Shoemaker & Reese, Carragee & Roefs e Zald, o autor também explica que as rotinas jornalísticas fazem com que alguns

enquadramentos sejam mais comuns do que outros e que o conflito de interesses entre jornalistas e empresas jornalísticas afetam os enquadres, assim como as relações com outros atores sociais. Já Scheufele (1999) trata da relação entre enquadramentos individuais – aqueles que cada indivíduo constrói sobre determinados aspectos da realidade e que estão baseados na cultura e na relação com outros atores sociais, por vezes chamados pelos autores de “esquema” – e os noticiosos, afirmando que os jornalistas utilizam seu sistema individual para construir enquadramentos noticiosos, mas também que os enquadramentos noticiosos influenciam o esquema individual dos jornalistas.

Neste ponto, é importante destacar que o aspecto interacionista tanto da teoria do enquadramento quanto da de construção social da realidade faz com que ambas considerem a influência exercida pelo jornalismo como limitada. Considerando que a realidade é construída a partir da ação e do pensamento dos atores sociais, então ela é intersubjetiva, ou seja, surge a partir da interação e da comunicação entre os que fazem parte dela (BERGER; LUCKMANN, 2005). Se o jornalismo é um ator social, ele não é a principal fonte de influência sobre a realidade construída, mas sim uma delas – mesmo que, conforme Tuchman (1978, p. 208), ele corresponda a um dos atores sociais que possuem “mais recursos” para “criar, impor e reproduzir significados sociais”46.

Da mesma forma, embora haja autores, como McCombs e Shaw (1993), que relacionam os enquadramentos à hipótese de agenda-setting, a qual parte da premissa da causalidade (os temas debatidos pelos jornais são aqueles debatidos pelas pessoas), é importante lembrar que o conceito de enquadramento nasce na sociologia e tem a interação como premissa (VAN GORP, 2007). Essa questão é tão importante que, mesmo dentro do marco das teorias dos efeitos da mídia, os estudos sobre enquadramento estão incluídos na fase que McQuail chama de social construtivismo (SCHEUFELE, 1999, p. 105), ou seja, a que considera que a mídia provoca um grande impacto na construção social da realidade a partir da forma como enquadra fragmentos dela ao mesmo tempo em que esse efeito é limitado pela interação das mídias com a audiência, já que a audiência processa os enquadramentos ativamente.

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46 No original: “Some social actors thus have a greater ability to create, impose, and reproduce social

Também é relevante apontar que, considerando as inúmeras possibilidades de enquadramento e a interação entre atores sociais, ambas as linhas teóricas percebem o jornalismo como uma arena de disputas simbólicas entre indivíduos, grupos, instituições e culturas que promovem enquadres específicos e, assim, pretendem influenciar a construção da realidade (GAMSON, 1989; GAMSON et al, 1992; ENTMAN, 1993; VAN GORP, 2007). Conforme Gamson (1989, p. 158), esta promoção ocorre tanto de forma inconsciente quanto consciente, a depender da motivação. No primeiro caso, o objetivo seria unicamente utilizar o enquadramento “mais significativo” para tratar de determinada situação. No segundo, o uso de um enquadre específico está associado a interesses dos atores sociais, sejam eles de enaltecer ou desacreditar determinado grupo, causa ou entendimento e, geralmente, segue uma estratégia previamente estabelecida (VAN GORP, 2007, p. 68).

Desse modo, considerando os paralelos entre as duas linhas teóricas, é possível perceber que a aplicação de técnicas metodológicas para identificação de enquadramentos pode servir para a compreensão sobre a contribuição das notícias para a construção da realidade.

4.3 ISSUE-SPECIFIC OU GENERIC NEWS FRAMES: DO ESPECÍFICO AO