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Capítulo 2. O Processo de Folclorização em Penha Garcia

2.5 O “Novo” Rancho Folclórico de Penha Garcia (2010)

2.5.1 O ensaio do Rancho Folclórico de Penha Garcia

As apresentações públicas do Rancho Foclórico de Penha Garcia são a parte visível de uma imensa e continuada atividade desenvolvida pelo grupo ao longo de ensaios. Estes momentos, invisíveis para o público, são contextos cruciais para a sua existência e manutenção pois é nestes encontros que se discutem propostas, se preparam apresentações e se tecem vínculos entre os elementos. Apesar de o ensaio estar por detrás da maior parte das apresentações públicas de grupos institucionalizados, não só no âmbito do folclore como de outros domínios da música, não encontrei no The New Grove Dictionary of Music and Musicians, uma edição coordenada por Stanley Sadie (2001), um entrada sobre o assunto. Na verdade, apesar da importância na vida musical da sociedade moderna ocidental, este contexto parece continuar invisível em obras de referência como a que acabo de referir.

O ensaio é um dos acontecimentos essenciais na preparação do Rancho Folclórico de Penha Garcia. As apresentações são antecedidas de ensaios que têm uma peridiocidade irregular (semanalmente, mensalmente, ou até apenas quando está alguma saída marcada em agenda, umas semanas antes). No caso do Rancho Folórico de Penha Garcia, não há uma periodicidade fixa relativamente aos ensaios, os elementos juntam-se quando têm alguma saída ou apresentação próxima, decidindo os momentos de encontro com a antecedência que acham devida. O ensaio obriga a Presidente do Rancho ou o Ensaiador a contactarem o acordeonista e os restantes elementos. Apesar de ser invisível para a maior parte dos espectadores, o ensaio é onde confluem todas as participações dos vários intervenientes, ensaiador, dançarinos e músicos. É também um espaço de debate e troca de ideias e impressões, onde todos têm lugar e todos contribuem para preparar a actuação pública De acordo com Pestana e Ribeiro (2013),

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As apresentações públicas são preparadas com muita antecedência ao longo de ensaios semanais realizados regularmente. Consistem em momentos de encontro, com a duração de pouco mais de uma hora e meia, aos quais comparecem acordeonistas, ensaiador, elementos da tocata e do grupo de dança (Pestana e Ribeiro 2013 45)

No dia 9 de Janeiro de 2016, assisti ao ensaio do Rancho Folclórico de Penha Garcia no salão da Junta de Freguesia. Pretendia observar e documentar o ensaio e conversar com alguns intervenientes, assim como averiguar quando começaria a prática de cantar as Janeiras. Depois de conversas informais com a presidente Anabela Gaspar e o ensaiador Manuel Panão,soube que no fim-de- semana seguinte iria acontecer esta prática pela primeira vez este ano.

Quando cheguei ao salão da Junta de Freguesia cerca das 21 horas, já se fazia sentir algum frio mas, cá fora, estavam algumas pessoas reunidas em pequenos grupos que desafiavam a temperatura, uns a fumar e outros apenas a conversar. O ensaio ainda não tinha começado. Perguntei pela D. Anabela Gaspar, a presidente e indicaram-me que estava lá dentro. Entrei e fui recebido pela mesma, que prontamente me disse que o ensaio iria começar dentro de pouco tempo e que poderia gravar o que quisesse e que depois no fim falaríamos melhor. O salão, um espaço com cerca de 40 metros quadrados, estava já composto pois a maior parte dos elementos do rancho já estava presente, a tocata ensaiando e afinando os seus instrumentos em frente ao palco e os dançarinos também conversando em pequenos grupos. Alguns dos elementos trouxeram os filhos que brincavam e corriam pela sala, não ligando aos seus avisos para se sentarem e sossegarem. Cedo percebi que já todos tinham reparado em mim e provavelmente perguntavam-se o que fazia e quem era, eu era a novidade. Sob alguns olhares curiosos, escolhi o meu lugar do lado esquerdo do salão, virado de frente para o grupo que se preparava. Montei o tripé, coloquei a câmara, e liguei o gravador. Reparei logo quem era o ensaiador, Manuel Panão, através da sua linguagem corporal e da maneira como tentava organizar as pessoas para dar início ao ensaio.

Pude observar que o grupo de dançarinos tinha sete pares e o grupo de músicos era constituído por 15 pessoas (dois deles Manuel Panão e Idalina

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Gameiro, respectivamente, o ensaiador e a cantadeira que canta ―à maneira da Ti Chitas‖, cinco tocadores de adufe (um deles um homem, o ensaiador), um acordeonista (neto do último tocador de viola beiroa de Penha Garcia, ―ti‖ Moreira) e uma tocadora de pandeireta. Com exceção do acordeonista, todos os elementos cantavam.

Fig.3 Tocata a ensaiar (fonte: Arquivo Pessoal António Ventura)

Quatro membros mais novos que estavam a aprender a dançar ficaram algumas músicas sem dançar, observando atentamente os passos e as movimentações dos elementos mais experientes.

O ensaio teve a duração de aproximadamente uma hora e meia tendo sido tocada, cantada e dançada, com algumas repetições com vista ao aperfeiçoamento da performance, uma série de canções coreográficas do repertório tradicional do concelho de Idanha-a-Nova (entr. Manuel Panão).

Após o ensaio realizei uma entrevista ao ensaiador. Falámos sobre a importância que Catarina Chitas teve e tem para o rancho, tanto o anterior como o actual, sobre as rivalidades com a freguesia de Monsanto e com o toque do adufe. O ensaiador, depois, insistiu que eu gravasse as Janeiras (―as novas e as velhas‖) cantadas e tocadas por ele, integrado num pequeno grupo de nove pessoas (oito tocadores de adufe e o acordeonista) que permaneceram a tocar

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mesmo depois de o ensaio já ter terminado. Segundo o ensaiador Manuel Panão, é comum a vários ranchos folclóricos, o acordeonista ser o único contratado, ou seja, o único que é pago para tocar nos ensaios e nas actuações do grupo.

Depois dessa entrevista, os elementos do rancho que permaneceram na sala, ainda estiveram mais de uma hora depois do ensaio a tocar e a cantar para que eu gravasse tudo o que Manuel Panão considerou ser representativo da música tradicional em Penha Garcia (―As Desfolhadas‖, ―Toma la dá cá‖, ―Contradança‖, ―Baile Corrido‖, ―Antoninho Olha o Gaio‖, ―O Manjerico‖).

No fim, o ensaiador Manuel Panão relembrou mais uma vez a hora do cantar das Janeiras no fim de semana seguinte e cada um seguiu para suas casas.

Fig.4 Ensaio (Fonte: Arquivo Pessoal António Ventura)