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O ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS POR SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS

PROPOSTA PROVISÓRIA DE AGRUPAMENTO DE GÊNEROS Domínios sociais de comunicação

2. O ENSINO DE GÊNEROS TEXTUAIS POR SEQÜÊNCIAS DIDÁTICAS

É inegável que no atual panorama do ensino de língua materna no Brasil, existe uma relativa homogeneidade quanto à aceitação dos fundamentos filosóficos em que supostamente se deve pautar o ensino formal da língua portuguesa. Esse contexto só fez-se a partir da tomada de posição dos orgãos oficiais gerenciadores do sistema educacional do país, em que o modelo teórico sociointeracionista subsidia os referenciais teóricos para o ensino da língua e da linguagem, motivando professores e escolas a considerar o texto como eixo do ensino a fim de se desenvolver as habilidades discursivas dos alunos em suas práticas de linguagem dentro e fora do espaço escolar. Muitos avanços se verificaram e têm contribuído para sedimentar, tanto em termos teóricos quanto metodológicos, um novo perfil desse ensino na escolarização brasileira. Os novos paradigmas surgidos desde então convergem, inevitavelmente, para o que se denominou gêneros textuais, que têm seus postulados na teoria dos gêneros do discurso, de Bakhtin. Sendo a noção bakhtiniana de gêneros a chave para se entender que as relações humanas são necessariamente mediadas por esses eventos discursivos que se constituem em gêneros, passou-se a buscar na realidade escolar brasileira um ideário curricular que contemple o ensino de gêneros textuais, como forma de qualificar o aluno para o domínio de práticas discursivas e o uso efetivo das diferentes modalidades da linguagem verbal em contextos não escolares.

Entretanto, como apontam Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), embora esteja presente a idéia do ensino de línguas implementado por gêneros orais e escritos, este ensino ainda não atende por completo a algumas exigências que fazem da expressão oral e escrita o centro do trabalho com linguagem na escola. Basta para isso se fazer uma simples pesquisa exploratória em livros didáticos de língua portuguesa da alfabetização ao 3o ano de Ensino Médio para se constatar a opção declarada dos autores pelo trabalho com a língua mediado por diferentes gêneros textuais. Se esses autores/livros conseguem ter êxito nessa tentativa, questiona-se. E é exatamente nesse questionamento que se torna válida a análise dos autores citados quando pontuam alguns aspectos que não têm sido atendidos, tornando as tentativas de ensino por gêneros ineficazes, por este ensino carecer de determinados elementos de ordem conceitual e metodológica que assegurem sua eficácia e

sua viabilidade para uma didática de línguas. Os aspectos apontados pelos autores são assim sintetizados:

a) O ensino por gêneros textuais deve ser feito norteado por um procedimento metodológico que contemple simultaneamente semelhanças e diferenças nos encaminhamentos dados ao estudo de cada gênero em particular;

b) A escolaridade obrigatória, no caso específico do Brasil, a Educação Básica deve ser toda ela abarcada pela concepção de ensino de gêneros assumida;

c) O foco central do ensino por gêneros deve ser imprescindivelmente os elementos que asseguram a textualidade dos textos orais e escritos;

d) A grade curricular deve subsidiar o aluno com textos referenciais na modalidade escrita e oral, para que eles tenham um suporte para suas produções individuais;

e) O ensino deve dar-se por módulos, o que o tornará diferenciado de uma série/ciclo para outra(o);

f) Os gêneros textuais estudados devem estimular a criação de projetos didáticos pela classe.

A partir do que postulam como as exigências para a aplicação do ensino de gêneros na escola, os pesquisadores propõem a implementação de um procedimento didático, denominado por eles de seqüência didática, que tem por finalidade organizar as atividades escolares com relação ao ensino de línguas, sistematicamente em torno de um gênero textual oral ou escrito. As seqüências didáticas apresentam características determinantes que sinalizam como o ensino deve funcionar:

A primeira característica é que numa seqüência didática elege-se um único gênero para ser trabalhado. Esse gênero será estudado no que diz respeito às “diferenças e regularidades dos diversos textos circulantes na sociedade, baseado nas condições específicas em que são produzidos”. Além disso, essa característica traz a idéia de se lançar aos alunos desafios com relação à dimensão discursiva da linguagem, pois necessariamente se deverá ensinar gêneros que se apresentam fora do domínio do aluno, ou aqueles que eles dominam precariamente, os que eles têm pouco acesso espontâneo e sobre os gêneros públicos. Assim, uma seqüência didática possibilitará ao aluno o livro acesso a práticas de linguagem que não fazem parte de seu repertório corriqueiro ou que são difíceis para o seu domínio. Portanto, a proposta de Dolz, Noverraz e Schneuwly(2004) distancia-se da idéia de se ensinar apenas o que o aluno já sabe em termos de linguagem.

Como segunda característica deve-se entender que as seqüências didáticas apresentam uma estrutura-base que especifica as etapas em que se dá o processo da produção textual, sendo essas etapas representadas no seguinte esquema:

Apresentação da situação Produção inicial Produção Final Módulo 1 Módulo 2 Módulo n

(Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly, 2004:58)

A apresentação da situação refere-se à exposição da proposta em si. Esta parte constitui-se num degrau importante para o estudo dos gêneros, pois na concepção que temos de que as práticas de linguagem na escola devam ter por base a dimensão socio- interativa da língua, é imprescindível que se oportunizem em sala de aula situações didáticas que sejam mediadoras de um processo de interação verbal, ainda que estas situações sejam fictícias - em geral, situações simuladas são determinadas pelas próprias demandas da instituição escolar. As situações apresentadas poderiam funcionar como problematização inicial para a partir daí surgirem situações-problema que direcionassem as etapas posteriores da seqüência didática. Dessa maneira, o projeto de comunicação estaria se realizando desde sua etapa inicial sob um enfoque dialógico.

Esta etapa prepara o aluno para a produção inicial que é a primeira tentativa de produção do gênero a ser estudado nos módulos. É na apresentação da situação que os alunos devem construir uma representação da situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser executada e para facilitar esse processo, a seqüência didática deve distinguir dois momentos:

a. Apresentação de um problema de comunicação bem definido, em que conste o projeto coletivo de produção de determinado gênero (oral ou escrito) e que explicite claramente a situação de comunicação na qual os alunos devem operar. Para isso, este momento deve especificar: o gênero textual a ser trabalhado, os interlocutores visados, a forma de produção e os participantes desta.

b. Preparação dos conteúdos dos textos a serem produzidos para que os alunos percebam a relevância dos conteúdos e saibam com quais vão trabalhar. É importante frisar que esses conteúdos são relativos ao gênero escolhido e devem estar focados no cerne do que esse gênero apresenta como estrutura estável.

A produção inicial é o momento em que os alunos devem expor as representações que têm sobre a proposta, apresentando oralmente ou por escrito seus conhecimentos acerca do gênero e da atividade a ser desenvolvida em decorrência deste. Ainda que os alunos não dominem todas as características do gênero visado, esta primeira produção é indispensável como forma do professor avaliar capacidades e potencialidades de que os alunos dispõem e aquelas habilidades a serem desenvolvidas pelo ensino do gênero. A intervenção didática se dará nesse ponto, com o professor mapeando caminhos, escolhendo estratégias que facilitarão a aprendizagem do aluno no processo em que ele se envolverá.

Dizem os autores que “a produção inicial tem um papel importante central como

reguladora da seqüência didática, tanto para os alunos quanto para os professores” (Dolz

Noverraz & Schneuwly, 2004: 102), mesmo que essa produção não seja completa, pois nela define-se o que se precisa trabalhar para que o aluno aproprie-se dos recursos de linguagem que caracterizem o gênero, como também se envolver num procedimento de avaliação formativa que perpassará as diferentes etapas da seqüência.

O trabalho por módulos volta-se para os problemas detectados na produção inicial, dando aos alunos os recursos didáticos para que aqueles sejam sanados. É um trabalho gradual que deverá atender em separado os diversos elementos que se apresentam como problemáticos para o domínio de um gênero. Os módulos mostram que o trabalho com as seqüências didáticas vai do complexo para o simples; ou seja, tem início na produção inicial e chega aos módulos, retornando em seguida para o complexo, que é a produção final.

Dolz, Noverraz & Schneuwly(p. 104) apontam três questões para se proceder no encaminhamento de decomposição dos problemas que se apresentam:

a) Trabalhar problemas de níveis diferentes, que inevitavelmente surgem no processo de produção de textos orais e escritos de forma simultânea, mas considerando-se as suas especificidades. Com base na psicologia da linguagem, os autores distinguem quatro principais níveis na produção textual:

1. Representação da situação de comunicação: ajudar o aluno a planejar sua produção tendo em mente os elementos essenciais para a construção dela: o destinatário do texto, a finalidade deste, a sua posição de autor ou locutor, o gênero visado.

2. Elaboração dos conteúdos: deve-se orientar os alunos a conhecer e a utilizar técnicas de busca, elaboração ou criação de conteúdos, as quais podem variar em função dos gêneros.

3. Planejamento do texto: a estruturação do texto pelo aluno deve ser feita a partir da finalidade ou do destinatário visado.

4. Realização do texto: os alunos serão orientados a selecionar os recursos de linguagem mais eficazes para a composição de seu texto (vocabulário adequado à situação, variação dos tempos verbais em função do plano do texto, utilização de organizadores textuais que estruturem o texto ou que introduzam argumentos).

b) Variar as atividades e exercícios para enriquecimento do trabalho e para que o aluno tenha acesso por diferentes modos às noções e aos instrumentos com os quais está lidando. Os autores distinguem três grandes categorias de atividades e de exercícios:

1. As atividades de observação e de análise de textos, que devem colocar em evidência alguns aspectos do funcionamento de determinado texto para uma aprendizagem eficaz da expressão oral e escrita.

2. As tarefas simplificadas de produção de textos, as quais devem permitir aos alunos destacar certos problemas de linguagem que ele deve administrar simultaneamente conforme os níveis de produção.

3. A elaboração de uma linguagem comum a fim de se ter parâmetros para uma avaliação criteriosa e precisa dos textos produzidos.

c) Capitalizar as aquisições sintetizando numa lista-resumo os conhecimentos técnicos adquiridos sobre os gêneros nos módulos.

A produção final dá ao aluno a possibilidade dele aplicar os conhecimentos que foram construídos separadamente nos módulos. Possibilita também ao professor a realização de uma avaliação somativa, porque com essa produção este poderá:

1. Investir nas aprendizagens do aluno, ao indicar-lhes os objetivos da produção textual e permitir-lhe o controle sobre seu próprio processo de aprendizagem. Também a síntese da produção final funciona para o aluno como instrumento regulador e controlador de sua performance como produtor de texto, no decorrer da revisão e da reescrita deste; permite-lhe igualmente avaliar os avanços obtidos no campo trabalhado.

2. Avaliar de forma somativa, escolhendo como instrumento da avaliação a lista de constatações feita durante a seqüência ou elegendo um outro que se enquadre no projeto desta, devendo qualquer forma de aferição basear-se nos critérios avaliativos, pautar-se pelos elementos trabalhados em classe para se evitar julgamentos subjetivos que muitas vezes são incompreendidos pelos alunos, embora se deva preservar sempre uma parte subjetiva. A avaliação somativa pressupõe a observação das aprendizagens efetuadas bem como o redimensionamento do trabalho efetuado em diferentes linhas.

Independentemente das opções didáticas da escola, os gêneros fazem parte de nossa realidade lingüística, cultural e social. Retirá-los de sua realidade concreta, transpô-los para o universo escolar e transformá-los em objeto de estudo exige observar o desenvolvimento global dos alunos em relação às suas capacidades de linguagem. E, além disso, exige proceder a uma seleção dos gêneros que mais interessam aos objetivos da escola e pensar numa progressão curricular e em seqüências didáticas que viabilizem aos alunos o contato, o estudo e a apropriação dos gêneros.

Sendo as propostas de Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004) sobre agrupamento de gêneros/progressão curricular através das seqüências didáticas, que mais de perto nos interessam neste trabalho, por, em nosso entender, apresentarem alternativas viáveis de aplicação dos princípios sociointeracionistas em todos os níveis de escolaridade, colocamos em relevo também alguns fundamentos desse aspecto da teoria.

Para os autores, os agrupamentos feitos delimitam os conjuntos de gêneros suscetíveis de serem trabalhados para se atingir as finalidades gerais do ensino e favorecem ao aluno o domínio de bens culturais gerais para a produção textual. Assim, a escolha de certos gêneros dentro dos agrupamentos é feita a partir de uma progressão por ciclo ou série.

Como os autores entendem que a aprendizagem da expressão oral ou escrita não deve ter um procedimento único, propõem um ensino adaptado para cada gênero trabalhado para o alcance de aprendizagens específicas quanto a esses gêneros, ainda que esses gêneros sejam agrupados a partir de certas regularidades lingüísticas e de transferências possíveis: os agrupamentos propostos baseiam-se, portanto, em três critérios indispensáveis para a construção de progressões, sendo estes critérios assim discriminados:

1. O atendimento às grandes finalidades sociais do ensino;

3. A homogeneidade possível das capacidades de linguagem referentes aos gêneros agrupados.

Esses critérios podem ser vistos nos agrupamentos que constituem o seguinte quadro o qual traz nova composição gráfica do quadro apresentado nas páginas 43 e 44.

ASPECTOS TIPOLÓGICOS