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O ENSINO DE MATEMÁTICA E AS ‘PROVAS INFORMAIS’

No documento LEÔNIA GABARDO NEGRELLI (páginas 65-69)

PROCEDIMENTOS DEDUTIVOS E INDUTIVOS

2.9 O ENSINO DE MATEMÁTICA E AS ‘PROVAS INFORMAIS’

Do ponto de vista pedagógico, a boa definição, a boa demonstração, são aquelas que o aluno compreende.

Blanché

Atualmente, para que uma demonstração seja aceita pela comunidade matemática é necessário obedecer rigorosamente as regras da lógica subjacente, assegurar- se da validade dos resultados utilizados como premissas e formular cuidadosamente a afirmação a ser demonstrada, explicitando-se as hipóteses e o que se deseja provar a partir delas, tornando-a, desse modo, precisa e inquestionável. E é, em boa parte, devido às características desse procedimento que a matemática é valorizada pelo “[...] caráter irrefutável de suas conclusões[. ..] (BRASIL, 1997, p. 26).

Um exemplo recente da importância da observação desses critérios é a análise da demonstração do último teorema de Fermât11, contendo aproximadamente 130 páginas que

11 Tal teorema afirma que não existe solução não trivial para a equação xn + yn = zn no conjunto dos números inteiros, para n maior do que 2. Uma prova para tal fato teria sido encontrada pelo matemático francês Pierre de Fermât, porém este não a teria redigido em função do pouco espaço que possuía na margem do livro que lia no momento de sua inspiração. Dînante mais de 350 anos muitos matemáticos tentaram encontrar a prova de tal relação, sendo ela elaborada recentemente por Andrew Wiles e publicada em 1995 (SINGH, 1999).

foram minuciosamente examinadas por vários matemáticos e lógicos, para então ser finalmente aceita. (SINGH, 1999).

Mas, quando se trata de demonstrações na escola, e até mesmo nos cursos de graduação, sabemos que o que foi exposto no primeiro parágrafo não é o que se faz. Nem mesmo os matemáticos o fazem exatamente, em muitos casos. A rigor, poder-se-ia dizer que somente lógicos e matemáticos servem-se deste recurso em seus trabalhos e ainda com restrições.

No contexto do ensino, e mesmo em vários estágios de uma pesquisa em matemática, explora-se muito mais uma idéia informal de prova, no sentido que SUPPES(1957) expõe. Para ele, uma prova informal é uma prova formal com “brechas”, ou seja, uma prova na qual não se faz menção às regras lógicas de inferência utilizadas. Nela,

somente os axiomas específicos são mencionados e em muitos casos, recebem um “nome”. Além disso, várias passagens são omitidas, sendo que a ausência delas não impede a compreensão da prova e muitas dessas ausências nem chegam a ser percebidas pelo leitor. Esse tipo de prova pode ser encontrado comumente em livros utilizados nos cursos de graduação e é também o que os matemáticos em geral fazem. Como já possuem familiaridade com a lógica e algumas formas de demonstração, procedem guiados pela intuição fornecida pelo considerável conhecimento de seu campo de pesquisa.

Mas para LAKATOS (1987) isto não constitui uma prova informal, trata-se de

[...] uma prova em uma teoria matemática axiomatizada que tem adotado a forma de um sistema hipotético-dedutivo, mas que deixa de especificar sua lógica subjacente. No estágio atual de desenvolvimento da lógica matemática, um lógico competente pode compreender em muito pouco tempo qual é a lógica subjacente necessária de uma teoria, e pode formalizar qualquer prova deste tipo sem esforçar demais o cérebro (Id ib id ., p.93).

Lakatos considera informal aquela prova que não faz referência a um sistema de axiomas e a uma lógica subjacente bem definida. O que se faz em uma prova desse tipo, salienta ele, é mostrar intuitivamente que um teorema é verdadeiro. “Essa classe de prova está sempre exposta a certa incerteza a respeito da explicação das possibilidades não previstas até o presente.” (Id., ibid., p. 102).

Se esse for o tipo de prova a ser explorado no ensino, deve-se atentar para o fato de que ele propicia o uso de procedimentos indutivos, o que sugere que uma compreensão de tais procedimentos pode ser tão importante para o professor de matemática como o conhecimento que se espera que ele tenha acerca dos dedutivos.

No ensino de matemática, a relação com o mundo físico é uma forma comumente empregada para convencer o aluno da verdade de um teorema. Por exemplo, ao buscar descobrir ou verificar a relação existente entre o número de faces, vértices e arestas de um poliedro regular o professor pode utilizar modelos manipuláveis (confeccionados com cartolina ou outro material semelhante) ou mesmo figuras desses sólidos. Essa atitude pode ser suficiente para despertar nos alunos a crença no teorema de Euler12.

Um outro caso seria convencê-los que em qualquer paralelogramo as diagonais interceptam-se no ponto médio, mostrando uma série de exemplos que confirmem tal proposição. Em uma situação como essa, o aluno pode fazer deduções, encadeando seus raciocínios de acordo com regras que ele conhece. Mas, provavelmente, será um raciocínio indutivo, desencadeado pela observação dos diversos exemplos, que lhe possibilitará chegar ao ponto de acreditar na proposição em questão.

Em níveis mais avançados de estudos, por exemplo, nos cursos de graduação, uma demonstração das duas relações seria pertinente. Mas, em níveis elementares, esses

procedimentos empíricos e indutivos de comprovação são importantes, como sugeriu Polya, e necessários como mostrarão nossas abordagens teóricas posteriores acerca do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem humanos.

Entretanto, no estudo de matemática, o grau de confiança em uma proposição, fornecido pela análise de alguns casos particulares nos quais ela foi verificada, pode não ser suficiente para que ela seja aceita como verdadeira sempre. O desprendimento da verdade material, ou seja, da relação do conteúdo com a realidade, com o observável, o manipulável, mostrar-se-á necessário. Mas nem todos conseguem prosseguir em seus raciocínios sem esse apoio. Seria isso algo surpreendente? Deveria o indivíduo ser sempre capaz de atingir um maior nível de abstração em seus raciocínios e chegar a perceber que em matemática pode-se tratar de relações que fogem do alcance da nossa intuição e nem por isso deixam de ser verdadeiras? Vários estudos e nossa própria experiência com o ensino, sugerem que não. O apoio à realidade concreta é um componente necessário a muitos alunos em diversos níveis de ensino quando se solicita a eles que elaborem uma demonstração.

Por isso, uma reflexão acerca dos procedimentos de prova, (não somente as demonstrações, mas os procedimentos indutivos também), mostra-se fundamental para a discussão sobre o ensino de matemática, principalmente quando não se pretende somente mostrar verdades ao aluno e exigir dele que as memorize. Quando se pretende explorar os próprios processos de produção do conhecimento, permitindo assim, que o aluno avalie e participe da construção dos seus, a promoção daquilo que GARNICA (1995) chamou de contexto da crítica acerca desses procedimentos, toma-se necessário.

12 O teorema de Euler afirma que, em um poliedro regular convexo, somando-se o número de faces com o número de vértices e subtraindo-se o número de arestas obtém-se 2. (V + F - A = 2)

O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

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3.1 RELAÇÕES ENTRE A LÓGICA E AS OPERAÇÕES DO PENSAMENTO

No documento LEÔNIA GABARDO NEGRELLI (páginas 65-69)