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Capítulo IV – O Período Pós-Independência

4.4. O Ensino Pré-Primário e o Ensino Primário

A reconstrução das escolas primárias teve início logo após os distúrbios de Setembro de 1999. Com o auxílio da UNICEF, de voluntários e dos professores primários foi possível começar o ano lectivo de 1999/2000. O ensino primário foi o primeiro nível de ensino a funcionar, não só por ser aquele em que existiam menos carência em número de docentes mas, também, porque a reconstrução das suas infra- estruturas era menos onerosa. Contudo, no ensino primário continuaram a persistir insuficiências a nível de apetrechamento das condições das escolas primárias e da falta de escolas em algumas zonas rurais.

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Notícias Lusófonas. 10 de Dezembro de 2007. Http://www.notíciaslusofonas (acedido em 10/12/2007).

Os professores timorenses deste nível de ensino foram submetidos a um teste de avaliação de competências, em Maio de 2000, realizado pela UNTAET e pelo CNRT: “Do total de professores que efectuaram o teste, 5000 demonstraram possuir as competências necessárias para dar aulas no ensino primário, embora nem todos tenham sido imediatamente contratados”203. O teste foi feito na língua indonésia, a língua de ensino obrigatória usada antes da independência e, por essa razão a mais conhecida dos professores (pelo menos na vertente do ensino).

No ensino primário verificou-se um acréscimo no número de matrículas em relação ao período anterior ao referendo: “No ano lectivo 2000/01, o número de crianças matriculadas nas 707 escolas primárias de Timor Leste era de 185180”204.

Estes valores devem-se a vários factores que actuaram sinergicamente: a obrigatoriedade de todos os alunos da primeira classe de 1999 repetirem essa classe em 2000, a abolição de taxas, de uniformes e a disponibilização, pela administração, de materiais de ensino provenientes de donativos internacionais.

Também no ano lectivo 2000/01 foi introduzida a língua portuguesa como língua de ensino na primeira e na segunda classes do ensino primário. Esta decisão constitui um desafio num país em que poucos eram os professores que sabiam falar em português: “Com vista a determinar quais os professores que dominam esta língua, cerca de 3000 professores foram sujeitos a um teste realizado pela Missão Portuguesa em Dili. Destes, apenas 158 (5%) obtiveram aprovação, a maioria dos quais vivia em Dili ou em Baucau”205. Em outros distritos, o número registado de professores com conhecimentos de Português era ainda menor, podendo comprometer o prosseguimento dos estudantes nos níveis de ensino seguintes nos quais será progressivamente usado o Português como língua de ensino. Contudo, o desconhecimento da língua portuguesa não se limitava aos professores do ensino primário mas de todos os níveis de ensino e, em última análise, a grande parte da população timorense.

Para colmatar este problema Portugal enviou professores portugueses para formarem os seus congéneres timorenses na língua portuguesa. Também através dos Serviços de Educação da Embaixada de Portugal em Timor-Leste foram disponibilizados cursos de língua portuguesa a professores timorenses. A implementação da língua portuguesa, não só no ensino mas em toda a sociedade

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Relatório do Desenvolvimento Humano em Timor-Leste 2002, p.52.

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Idem: p.53.

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timorense constitui uma tarefa imensa na medida em que é significativa a percentagem de timorenses que não conhecem esta língua.

Dificuldades semelhantes surgiram com a utilização da língua tétum no ensino que, tal como o Português são as duas línguas oficiais de Timor-Leste.

O Tétum é efectivamente a língua mais conhecida e falada em Timor-Leste. Contudo, o Tétum tem de ser adaptado ao vocabulário específico do ensino. Isso implica, “dotar a língua de terminologia necessária para a transmissão de conceitos científicos e tecnológicos indispensáveis para que o tétum venha a funcionar como língua de ensino das diferentes matérias (Matemática, Ciências, Física, Geografia, etc., etc., etc.)”206. O Tétum não é a única língua materna ou primeira língua de Timor-Leste. A ONU, a UNESCO e muitos peritos realçam a preponderância do uso da língua materna no ensino: “A resolução da UNESCO de 1953 sobre a educação primária argumentava que: «O melhor meio para ensinar é através da língua materna do aluno”207. Seguindo as recomendações desta organização, em Timor-Leste seria necessário começar por alfabetizar as crianças na sua língua materna para, depois, ensiná-las a dominar o Tétum e o Português. Uma opção destas coloca problemas, sendo o primeiro ligado à produção de materiais e de conteúdos didácticos nas cerca de trinta línguas e dialectos identificados em Timor-Leste.

Nos anos lectivos de 1999/2000 e 2000/01, utilizaram-se manuais escolares em Português na primeira e segunda classe, enquanto que nas seguintes quatro classes do ensino primário, se continuou a usar a língua e o currículo indonésio, “que nas 4ª e 5ª classes se limita à matemática e às ciências da natureza, com o português como segunda língua. Os 3º e 6º anos curriculares têm matemática, ciências da natureza e ciências sociais”208.

Referimos anteriormente o aumento das matrículas no ensino primário para o ano lectivo de 2000/01. Contudo, o número de crianças matriculadas na segunda classe diminuiu substancialmente. Esta diminuição é passível de várias interpretações nomeadamente a taxa de reprovações na primeira classe. Um fenómeno que marcou os primeiros anos do ensino após o referendo foi o abandono escolar. Em Maio de 2001, fez-se um estudo destinado à UNICEF e à Oxfam no qual, por meio de entrevistas feitas

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COSTA, Luís – O Tétum, Factor de Identidade Nacional Leste-Timorense. In Diversidade Cultural na Construção da Nação e do Estado em Timor-Leste. (Orgs.) Paulo Castro Seixas; Aoone Engelenhoven. Porto: edições Universidade Fernando Pessoa, 2006, p.101.

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HULL, Geoffrey – Timor-Leste: Identidade, Língua e Política Educacional. Ministério dos Negócios Estrangeiros, Instituto Camões, 2001, p.51.

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a professores, no quadro de um inquérito, se descobriu que, “nalgumas escolas, até cerca de 20% dos alunos haviam frequentado algumas aulas mas tinham posteriormente deixado de o fazer”209. Vários factores podem ser avançados como hipóteses de explicação deste abandono escolar destacando-se dois: a pobreza e o facto de os pais, por não terem ido à escola, não incentivarem os filhos para a frequência da mesma.

No tocante às habilitações dos professores do ensino primário salienta-se que, a esmagadora maioria, possui as habilitações conferidas pelo sistema de ensino da Indonésia que incluía estabelecimentos do ensino superior, especializados na formação de professores. Poderiam ingressar nestes estabelecimentos de ensino os candidatos que concluíram o nível inferior do ensino secundário.

A ONU sugere que o analfabetismo é uma das causas principais do subdesenvolvimento. As autoridades timorenses, no seu Plano de Desenvolvimento Nacional de 2004, estabeleceram a Educação como uma das prioridades da governação, a fim de erradicar o analfabetismo até ao ano 2020. Nesse sentido foi criada, pelo MECJD uma Plataforma Política Educacional, na qual o governo timorense definiu as suas estratégias e objectivos a médio prazo (2008/2012) no sector da Educação. Para concretizar esses objectivos foi criado o Programa de Investimento Sectorial (doravante PIS) para Educação e Formação no qual são identificadas as prioridades programáticas a realizar até 2011. De entre essas prioridades destacam-se: primeiro, a promoção do ensino primário universal; segundo, a efectiva e célere reintrodução das línguas portuguesa e tétum nas escolas; terceiro, a racionalização do ensino superior.

O ensino primário constitui a primeira prioridade educativa, procurando-se melhorar a sua qualidade. A reintrodução da língua portuguesa foi reforçada através da adopção de um Plano Nacional de Educação no qual esta língua foi confirmada como língua de instrução e como património cultural de Timor-Leste.