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PARTE I CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

2.4. O ensino de técnica pianística no âmbito dos conservatórios de música

Nos inícios do século XX, a figura de intérprete e compositor começava a separar- se definitivamente. Chiantore (2001) menciona:

Os jovens solistas começaram a abandonar qualquer aspiração composicional e concentraram-se na sua atividade, descobrindo que a interpretação de obras do passado poderia ser transformada num verdadeiro ―ato criativo‖, mesmo sem recorrer às licenças textuais que marcaram o século anterior115 (p. 557).

Dada esta divisão entre intérprete e compositor, surge o conceito de interpretação, que Chiantore (2001) refere como:

uma arte independente, com as suas próprias regras e a sua própria dignidade, durante um processo marcado pelo fim da evolução do instrumento e pela definição de um repertório pianístico fechado116 (p. 558).

Um aspeto importante que contribuiu para o aparecimento desta nova componente, prende-se ao facto do piano se ter ―tornado perfeito e estudantes de todas as nacionalidades estavam a perseguir carreiras como pianistas e professores‖117 (Gerig, 2007, p. 287). Consequentemente, estes acontecimentos

influenciaram a forma como a técnica do instrumento era ensinada. Muitos dos pedagogos citados, bem como outros igualmente importantes, encontravam-se frequentemente em centros musicais/conservatórios. Estas instituições, em grande parte das vezes, estavam afastadas do país de origem destes mesmos pedagogos, devido ao rumo da internacionalização que o ensino de piano adotava (Chiantore, 2001).

Como expõe Gerig (2007), o ―protótipo de todos os conservatórios foi fundado em Paris em 1795: o Conservatoire de Musique‖118 (p. 287). Mais tarde, durante o

115

―Los jóvenes solistas empezaron a abandonar cualquier aspiración compositiva y se centraron en su actividad, descubriendo que la interpretación de las obras del pasado podía transformarse en un auténtico ―acto creativo‖ incluso sin recurrir a las licencias textuales que habían marcado el siglo anterior.‖

116

―La interpretación se definió como un arte independiente, con sus propias reglas y su propia dignidad, durante un proceso marcado por el fin de la evolución del instrumento y por la definición de un repertorio pianístico cerrado.‖

117―had fully come into its own and students of every nationality were diligently pursuing careers as performing pianists

and teachers.‖

118

primeiro quarto do século XIX, surgiram outros conservatórios em cidades como Milão, Nápoles, Praga, Bruxelas, Florença, Viena, Londres e Haia. Em 1843, aparece o Conservatório de Leipzig, fundado por Mendelssohn, e, em 1862, o Conservatório de São Petersburgo, fundado por Anton Rubinstein. Assim, ―traços nacionalistas começaram a ser evidentes e escolas definidas de interpretação do piano surgiram‖119 (Gerig, 2007, p. 287). No entanto, não está claramente definido

como é que estes pedagogos se diferenciavam na forma como abordavam, técnica e fisicamente, este instrumento. Particularmente sobre este assunto, Gerig (2007) afirma:

A técnica estereotipada da escola de Stuttgart pode ter sido um indicativo dos aspetos metódicos e meticulosos do caráter alemão, e a técnica de Anton Rubinstein mais provável a se desenvolver entre os povos eslavos caracteristicamente mais apaixonados. Embora a composição cultural certamente seja refletida num grau considerável de interpretação no teclado, uma catalogação étnica de diferentes tipos de técnica é impossível120 (p. 288).

Posto isto, apesar das inegáveis diferenças no que diz respeito ao posicionamento da mão e à gestão da utilização dos diversos recursos do corpo, ―muito poucos pianistas modernos estão caracterizados por uma técnica única e inconfundível‖121

(Chiantore, 2001, p. 559). Chiantore adiciona ainda:

Ao longo deste processo, a antiga identidade entre cada centro musical e uma forma específica de tocar foi-se dissipando pouco a pouco, e o conceito de ―escola‖ acabou por reduzir-se a uma série de critérios pedagógicos que muitas vezes não conseguiam conectar-se com uma tradição interpretativa (...) Mas a história do piano, um instrumento individualista por excelência, não foi feita por estas ―tradições‖, mas pelas ideias fortes de homens impossíveis de catalogar122 (p. 560).

Para terminar, e em modo de reflexão deste capítulo, é indiscutível que o percurso evolutivo da técnica pianística foi afetado por diversos fatores, desde o tipo de construção do instrumento, passando pelos métodos pedagógicos de vários

119Nationalistic traits began to be evident and definite schools of piano playing to emerge.‖

120 ―The stereotyped technique of the Stuttgart school may well have been indicative of the methodical, meticulous

aspects of the German character, and an Anton Rubinstein technique more likely to develop among the characteristically more passionate Slavic peoples. Although cultural makeup will surely be reflected to a considerable degree in interpretation at the keyboard, an ethnic cataloging of different types of technique is impossible.‖

121 ―muy pocos pianistas modernos están caracterizados por una técnica única e inconfundible.‖ 122

―En todo este proceso, la antigua identidad entre cada centro musical y una manera de tocar determinada fue desdibujándose poco a poco, y el concepto de ―escuela‖ acabó por reducirse a una serie de criterios pedagógicos a menudo incapaces de conectarse con una auténtica tradición interpretativa (...) Pero la historia del piano, instrumento individualista por excelencia, no la han hecho estas ―tradiciones‖, sino las idea fuertes de hombres imposibles de catalogar.‖

pianistas e pedagogos, e terminando no século atual, onde se pode verificar que não existe uma técnica única e exclusiva que o pianista deva utilizar. Pode-se concluir que a técnica que faz parte de cada intérprete é fruto do conhecimento adquirido através do contacto direto com professores e outros intervenientes no panorama musical e da reflexão pessoal por parte de cada um deles, que pretende encontrar uma técnica que se adapte às suas necessidades interpretativas. Não se deve considerar a existência de técnicas ‗erradas‘ e ‗corretas‘, pois, como se pode verificar após a leitura deste capítulo, foram várias as abordagens apresentadas e todas elas integraram aspetos positivos e negativos. Cada pianista deve procurar a sua técnica pessoal, tendo em conta que esta estará sempre baseada e será sempre influenciada pelo legado deixado pelos importantes pianistas e pedagogos, ao longo da história da evolução técnica.

Por esta razão, no caderno de exercícios que proponho nesta investigação, com o objetivo de explorar o desenvolvimento do legato, começo por expor, através de uma nota introdutória, a técnica pianística com a qual me identifico e que acredito que poderá facilitar a aprendizagem e compreensão desta articulação, por parte dos alunos. No entanto, não posso afirmar que é a técnica ‗correta‘ para se utilizar, pelas razões já referidas. As sugestões que apresento sustentam-se na minha reflexão pessoal sobre o meu percurso enquanto pianista e na minha observação, ao longo dos anos, relativamente à atividade pedagógica das diferentes escolas do ensino artístico. Para mim, estas sugestões contribuem ativamente para o aprimoramento da execução desta forma de ataque, que se fundamenta no capítulo que se segue.