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CAPÍTULO 1. As tecnologias digitais e o envolvimento parental na aprendizagem no

1.1 O envolvimento parental na aprendizagem das crianças dos três aos seis anos

1.1.4 O envolvimento parental no jardim de infância em Portugal

Em Portugal, o envolvimento parental e as parcerias escola-família têm ganho uma importância crescente, favorecida pela legislação pós 25 de abril, que veio enquadrar direitos e deveres dos pais na educação dos filhos. Um importante marco de viragem foi a lei n.º 7/19772 que legitima as Associações de Pais. Posteriormente alterada pela lei

29/20063, define os direitos dos pais “enquanto membros dos órgãos de administração e

gestão dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e respetivas estruturas de orientação educativa” (artigo 1.º), para defesa dos seus interesses no que respeita à educação e ensino dos filhos. Com as Associações de Pais, as suas federações e a CONFAP, os pais começaram a intervir em órgãos dos Agrupamentos (como o Conselho Geral), nos Conselhos Municipais da Educação e no Conselho Nacional de Educação (CONFAP, 2018). Em 1986, a presença da família na escola é consagrada na Lei de Bases do Sistema Educativo4, que introduz como um dos

princípios organizativos do sistema educativo, a “… adoção de estruturas e processos participativos na definição da política educativa, na administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no processo educativo, em especial os alunos, os docentes e as famílias” (artigo 3.º, alínea l). Novamente, nos princípios gerais da administração do sistema educativo é referido que o “sistema educativo deve ser dotado de estruturas administrativas (…) que assegurem a interligação com a comunidade mediante adequados graus de participação dos professores, dos alunos, das famílias…” (artigo 43.º, n.2). Volta a mencionar a participação da família em diferentes vertentes do ensino. Um dos objetivos do ensino básico é “Participar no processo de informação e orientação educacionais em colaboração com as famílias” (artigo 7.º, alínea h). No âmbito e objetivos, a educação especial “integra atividades dirigidas aos educandos e ações dirigidas às famílias, aos educadores e à comunidade.” (artigo 17.º, n.2). Ainda, “é reconhecido pelo Estado o valor do ensino particular e cooperativo, como uma expressão concreta (…) do direito da família a orientar a educação dos filhos” (artigo 54.º, n.1). O tema torna-se uma componente mais forte quando remete para a Educação Pré- escolar. A Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar5 define esta etapa de educação como

2 Lei n.º 7/77. Diário da República n.º 26/1977, Série I de 1977-02-01 3 Lei n.º 29/06. Diário da República n.º 127/2006, Série I de 2006-07-04 4 Lei 46/86. Diário da República n.º 237/1986, Série I de 1986-10-14 5 Lei 5/97. Diário da República n.º 34/1997, Série I-A de 1997-02-10

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“complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita relação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança” (artigo 2.º). O artigo 4.º, sobre a participação da família, decreta que cabe aos pais participar de várias formas, desde a eleição da Direção dos estabelecimentos, ao parecer sobre o horário, à participação em atividades educativas. Um dos objetivos apresentados é “incentivar a participação das famílias no processo educativo…” (artigo 10.º, alínea i). Embora a legislação promova a integração de parcerias entre escolas, família e comunidade, a realidade portuguesa avança mais devagar. O primeiro estudo sobre envolvimento parental em Portugal, com entrevistas a uma amostra nacional de pais e professores do pré-escolar ao ensino secundário (Davies, 1989), traça um retrato desanimador do país. Da análise de conteúdo das entrevistas dos pais resultou que os pais não participavam muito na escola, só lá iam quando eram chamados, mostravam uma atitude passiva e sem interesse em atribuições políticas de poder na escola. Em casa, tinham falta de tempo ou de conhecimento para ajudar os filhos, embora alguns supervisionassem o estudo e impusessem regras. Relativamente a problemas com a educação dos filhos, alguns assumiam uma atitude crítica, culpando a escola e os professores, mas a maioria culpava-se a si própria e às suas condições de vida. Os resultados das entrevistas dos professores denotaram uma atitude negativa relativa aos pais de baixo estatuto socioeconómico, principalmente no 1.º CEB. Atribuíam a responsabilidade aos pais pela falta de envolvimento e viam a escola como uma instituição isolada e não baseada na comunidade. Uma diferença nítida e promissora verificou-se nos educadores de infância, “marcadamente mais positivos acerca dos pais e dos seus papéis na vida e educação dos seus filhos e na escola” (Davies, 1989, p. 109). Comparativamente com os outros graus de ensino, tinham muito mais contacto com os pais e os contactos que tinham eram mais informais. Numa comunicação posterior, Villas- Boas (2009) afirma que as escolas em Portugal mantêm a dificuldade de interação com as famílias, porque os professores têm uma imagem negativa do papel parental e receio que interfiram na sua função profissional. Num estudo exploratório que realizou na região de Lisboa teve resultados em parte consistentes com a investigação anterior de Davies, encontrando nos educadores de infância, mas também nos professores do 3.º CEB, uma maior preocupação de contacto e colaboração com os pais. Num estudo mais recente, Veloso, Craveiro e Rufino (2013) analisaram relatórios de avaliação externa de 298 escolas do ensino básico entre 2006 e 2009, para identificar aspetos da participação dos pais e da comunidade local nas escolas. Sobre o envolvimento dos pais, resulta que estes participam em atividades organizadas pela escola, como a festa de Natal ou a

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semana cultural, vão a reuniões para saber do progresso do filho e vão a sessões de formação para pais. Através dos relatórios, concluem que a importância dada ao envolvimento dos pais nas escolas é crescente e mediada por mecanismos de autoavaliação e avaliação externa, resultantes de políticas inovadoras, como a descentralização do ensino e maior autonomia dos agrupamentos de escolas.

Voltando ao pré-escolar, um incentivo importante à participação das famílias no processo educativo dos filhos que frequentam o jardim de infância é enunciado nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE), do Ministério da Educação (Silva et al., 2016). Este documento apresenta um conjunto de princípios para ajudar o educador de infância a organizar a componente educativa pré-escolar. Como pontos-chave para o envolvimento parental, as OCEPE apontam:

 Comunicação – A comunicação com as famílias é importante para recolher informação sobre as crianças, de forma a construir um currículo adequado, um ambiente estimulante e aprendizagens significativas, adaptadas ao contexto. O educador deve criar situações de diálogo, para os pais exporem as suas ideias, opiniões, dúvidas e expetativas, seja em reuniões, conversas informais, entrevistas ou questionários. A comunicação com a família é importante para a integração da criança e apoio aos pais, nas etapas de transição, não só na entrada para o jardim de infância, como na passagem para o 1.º CEB.

 Participação/Colaboração - “Os pais/famílias, como principais responsáveis pela educação dos filhos/as, têm também o direito de participar no desenvolvimento do seu percurso pedagógico, não só sendo informados do que se passa no jardim de infância, como tendo também oportunidade de dar contributos que enriqueçam o planeamento e a avaliação da prática educativa” (Silva et al., 2016, p. 16).Os pais devem compreender o trabalho realizado no jardim de infância e participar no planeamento e avaliação, com o seu conhecimento sobre a criança, o meio familiar e as experiências que já viveu, para ajudar a tomar decisões sobre a criança e sobre o grupo. O educador deve também promover a participação dos pais em ações que possam enriquecer as situações de aprendizagem e trazer um maior conhecimento sobre a família e sobre a criança.

 Relações – É importante criar relações de confiança com os pais, reconhecendo que a aprendizagem e o desenvolvimento da criança se dão não apenas no jardim de infância, mas também no meio familiar. A relação pode ser individual (entre educadora e cada família) e coletiva (com todos os pais). Na relação individual,

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deve conhecer-se melhor a família e pensar em formas de participação que sejam convenientes. O educador deverá também promover a relação de grupo e o encontro entre famílias, para apoio mútuo nas decisões sobre educação dos filhos e participação conjunta na construção do projeto curricular.

A educação de infância em Portugal tem sido influenciada pelas alterações familiares e sociais dos últimos anos. A família alargada tem vindo a ser substituída pela família nuclear, enquanto aumentam as famílias monoparentais. Se, por um lado, existe agora um elevado índice de mulheres com atividade laboral, a tempo inteiro, por outro lado, também se reconhece e valoriza o papel da criança na sociedade e na família. Assim, verifica-se um aumento da classe média, progressivamente mais educada, com maiores expetativas sobre a educação dos seus filhos (Vasconcelos, 2000). Isto tem implicações no atendimento educativo e no envolvimento parental. Embora não estejam presentes na vida dos filhos durante o horário de trabalho, os pais da classe média investem na educação dos filhos, acedem a informação para escolher os estabelecimentos de ensino, ganham conhecimentos para poder estimular as competências dos filhos (Nogueira, 2010), e conhecem a importância dos tempos livres, de ler, jogar e brincar (Villas-Boas, 2009). As atuais mães das crianças portuguesas são bem mais escolarizadas do que as suas avós e bisavós e isso permite-lhes não só entender melhor o universo escolar, como acompanhar de maneira mais próxima os próprios percursos dos filhos na escola (Almeida & Ramos, 2018).