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CAPÍTULO 1. As tecnologias digitais e o envolvimento parental na aprendizagem no

1.1 O envolvimento parental na aprendizagem das crianças dos três aos seis anos

1.1.3 O envolvimento parental no jardim de infância

A educação pré-escolar é a fase em que as crianças podem beneficiar mais do envolvimento parental, seja em casa ou no jardim de infância, pela colaboração com a comunidade ou pelas expetativas educativas que os pais transmitem (Powell, Son, File, & Juan, 2010; Reynolds et al., 1992). Uma pesquisa de estudos sobre o envolvimento parental no jardim de infância reúne evidências dos efeitos positivos nas crianças a nível cognitivo, social, emocional, na aquisição de competências de literacia e matemática, na motivação para aprender, atenção, persistência na realização de tarefas e adaptação ao jardim de infância. Estes estudos analisam dimensões diferentes (envolvimento em casa, na escola, comunicação pais - educadores, perceção dos pais e educadores sobre o envolvimento parental, entre outros) e usam métodos e técnicas variadas (e.g. observação da interação entre pais e filhos, entrevistas e questionários a pais ou educadores, testes cognitivos ou emocionais a crianças). Apresentam-se em seguida, de forma particular, alguns estudos selecionados.

Uma investigação realizada numa cidade dos EUA, envolvendo 683 crianças do jardim de infância e do primeiro ano de escolaridade, com diversidade étnica e problemas sociais e económicos graves, pretendeu investigar os fatores que explicavam o ajustamento da criança à escola. Os dados foram recolhidos, em dois anos consecutivos, através dos professores e educadores, que utilizaram instrumentos para avaliar competências, comportamentos e desempenho na leitura e matemática das crianças. Também foram usados relatórios de assiduidade na escola, dados demográficos das crianças e relatórios dos professores sobre a participação dos pais na escola (reuniões, atividades), e qualidade percebida do envolvimento parental (relação e contacto entre pais e educador). Os resultados mostraram uma associação positiva entre o envolvimento parental e o ajustamento da criança à escola, em cinco vertentes analisadas - competências, comportamento, desempenho na leitura e na matemática, e assiduidade. A qualidade da

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relação entre educadores e pais surgiu como o maior indicador positivo das competências sociais e resultados académicos (Reynolds et al., 1992).

No Minnesota (EUA), outro estudo longitudinal recolheu dados de 187 crianças, desde o nascimento até ao terceiro ano de escolaridade, fazendo uso de entrevistas aos pais e professores, observação da interação entre mães e filhos em atividades de aprendizagem, e testes de inteligência às crianças, para tirar conclusões relativamente à influência do envolvimento parental nos resultados alcançados pelas crianças. Os resultados associaram positivamente o envolvimento parental na escola e as expetativas dos pais a melhores resultados no final do terceiro ano. A qualidade de instrução das mães, observada nas situações de interação em atividades de aprendizagem, teve efeitos diretos sobre o QI da criança e efeitos indiretos sobre as competências e o desempenho no primeiro e terceiro anos de escolaridade. Os autores concluem que pais que promovem experiências de aprendizagem em casa preparam melhor os filhos para a entrada na escola (Englund et al., 2004).

Uma outra investigação recolheu dados de pais e educadores através de questionários de envolvimento parental dirigidos aos pais, observação da interação entre educadores e crianças, e testes de avaliação social e cognitiva a 140 crianças em 13 instituições pré- escolares públicas, no Midwest, EUA. Os resultados também associaram positivamente o envolvimento parental na escola (voluntariado e participação nas atividades) às competências sociais, aos resultados na matemática e, negativamente, a problemas comportamentais. A perceção que os pais tinham da disponibilidade dos educadores para si (abertura a conversas, apoio) e para os seus filhos (afetividade, respeito, interesse) teve efeitos positivos nas competências sociais e académicas das crianças e na leitura precoce, em particular, na consciência fonológica e no conhecimento do nome das letras (Powell et al., 2010).

De forma semelhante, um estudo que envolveu pais de 307 crianças representando minorias étnicas (95% afro-americanos, 4% asiáticos, 1% latinos), a frequentar jardins de infância nos EUA, pretendeu investigar a relação entre diferentes dimensões de envolvimento parental e resultados académicos e sociais das crianças. Os pais responderam a um questionário de envolvimento parental (em casa, contacto com escola, barreiras); pais e educadores responderam a questionários sobre as competências sociais das crianças (brincadeiras e relações com colegas, cooperação, controlo, assertividade); e os educadores preencheram um questionário sobre competências académicas das crianças (leitura, matemática, motivação). Encontraram uma relação

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entre o envolvimento parental e melhores competências sociais, relações mais positivas com os educadores e com os pares, maior motivação para a aprendizagem, maiores competências académicas na leitura e na matemática. Por outro lado, baixos níveis de envolvimento parental na escola foram associados a problemas de comportamento das crianças (McWayne et al., 2004).

Estes resultados são reforçados noutro estudo, que associou maior envolvimento parental a competências de pré-literacia mais fortes no jardim de infância, tais como conhecimento de letras e fonemas, sílabas e rimas. Nesta investigação participaram 163 crianças, os seus pais e educadores de 19 salas de jardim de infância, em Nova Inglaterra. O envolvimento parental foi avaliado por um questionário dirigido aos educadores, e as competências das crianças foram avaliadas através da realização de testes individuais, em sessões de 45 minutos por criança. Os autores advertem que utilizaram o conceito de envolvimento parental de forma abrangente, como uma parceria colaborativa entre pais e educadores (Arnold, Zeljo, Doctoroff, & Ortiz, 2008).

Usando dados do Early Childhood Longitudinal Program (ECLS), com uma amostra representativa nacional norte-americana (864 escolas e 16.425 alunos), Galindo e Sheldon (2012) descobriram que os esforços de comunicação do jardim de infância com as famílias se associavam a um maior envolvimento parental na escola (participação em eventos e reuniões, voluntariado, entre outros). Os pais com maior envolvimento na escola tinham expetativas mais elevadas em relação à educação dos filhos. Em conjunto, o envolvimento parental na escola e as expetativas elevadas dos pais estavam associados a crianças com melhores desempenhos em matemática e leitura no final do jardim de infância, quando comparados com os colegas.

Mais específico, um estudo que pretendia distinguir os efeitos de diferentes dimensões de envolvimento parental nos resultados de aprendizagem atingidos pelas crianças no final do jardim de infância, através da resposta dos pais a um questionário de envolvimento parental, veio concluir que o envolvimento em casa estava significativamente relacionado com a motivação das crianças para aprender, a atenção e persistência na realização de tarefas, a compreensão e aquisição de vocabulário e baixos problemas de comportamento. Os respondentes foram pais de 144 crianças de jardins de infância Head-Start (Fantuzzo, McWayne, Perry, & Childs, 2004), um programa de intervenção que inclui educação, cuidados de saúde e nutrição para famílias em risco de pobreza. Os jardins de infância Head-Start são exemplares nos seus programas de envolvimento parental, defendendo a parceria com os pais e com a comunidade para o

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desenvolvimento saudável da criança e preparação para a escola (U.S. Department of Health & Human Services, 2018).

Em relação ao desenvolvimento psicológico e social da criança, a relação positiva com o envolvimento parental foi novamente encontrada num estudo que envolveu 200 crianças de quatro jardins de infância, desta vez associada à dimensão comunicação casa-escola. O desenvolvimento socio-emocional das crianças foi avaliado pelos educadores de infância usando uma escala desenvolvida pelo autor. Os pais preencheram o questionário para análise das diferentes dimensões de envolvimento parental. Os resultados mostram a importância de promover uma cultura de participação e criar boas relações entre pais e educadores (Gürşimşek, 2003).

Um estudo longitudinal que envolveu 3.000 crianças com idades compreendidas entre os três e os sete anos, para avaliar os efeitos da educação pré-escolar, recolheu dados sobre os pais e os ambientes de aprendizagem proporcionados em casa e concluiu que as atividades de aprendizagem em casa têm efeitos positivos no desenvolvimento cognitivo da criança (Sylva, Melhuish, Sammons, Siraj-Blatchford, & Taggart, 2004). Um ambiente onde os pais realizam com os filhos atividades que podem promover a aprendizagem, tais como ler, brincar com números, pintar e desenhar, cantar e aprender poemas, tiveram associações positivas ao desenvolvimento geral da criança, à motivação para aprender e ao seu autoconceito como aprendente e, simultaneamente, incutiram expetativas e valores relativamente à educação. O mesmo não aconteceu com tarefas de rotina, como brincar com os amigos, manter uma hora regular para dormir, fazer refeições em família, ver televisão ou ir às compras, que não tiveram relação com a aprendizagem das crianças (Melhuish et al., 2008).

Também em Portugal foi realizado um estudo, com 77 crianças de quatro anos, em ambiente de jardim de infância, que veio corroborar os resultados antes mencionados. As crianças fizeram testes de QI e os pais e mães foram observados a realizar atividades de aprendizagem com as crianças. Os resultados mostraram que a sensibilidade da mãe na realização de atividades de aprendizagem estava associada ao desenvolvimento cognitivo da criança. O estudo conclui que as mães passam mais tempo em atividades estruturadas, assumindo um papel de ensino e estabelecimento de regras, enquanto os pais passam mais tempo em atividades físicas e brincadeiras livres, podendo ter uma influência maior no desenvolvimento motor, na autorregulação emocional e comportamental (Figueiredo, Mateus, Osório, & Martins, 2014).

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Um estudo realizado com o objetivo de validar uma versão curta do FIQ em instituições pré-escolares urbanas Head-Start veio relacionar as três dimensões de envolvimento parental presentes no questionário (envolvimento em casa, na escola e comunicação escola-casa) com resultados diferentes. Participaram 590 famílias de 40 jardins de infância Head-Start. O desenvolvimento cognitivo das crianças foi avaliado com testes individuais, em sessões de 30 minutos. Os pais preencheram uma escala de satisfação com a experiência de jardim de infância (satisfação no contacto com o educador, no contacto com a sala de jardim de infância, no contacto com a escola/instituição) e a versão curta do FIQ. Os resultados indicam que todas as dimensões de envolvimento parental estavam relacionadas com a satisfação face à experiência de jardim de infância. O envolvimento na escola associou-se mais à satisfação com a sala de jardim de infância e com a instituição. O envolvimento em casa estava mais relacionado com a satisfação face ao contacto com o professor. A par, o envolvimento em casa foi a única dimensão associada ao conhecimento da criança, nomeadamente, em áreas de vocabulário, alfabeto e matemática. Os autores concluem que o feedback e as recomendações dos educadores podem servir de apoio a experiências de aprendizagem em casa, que contribuem para a aprendizagem no jardim de infância (Fantuzzo et al., 2013).

Uma outra intervenção em três jardins de infância Head-Start pretendeu verificar a influência do envolvimento parental sobre a literacia precoce, nas três dimensões – envolvimento em casa, envolvimento na escola e comunicação escola-casa. Participaram 26 pares de pais e crianças, 13 no grupo de intervenção e 13 no grupo de controlo. Os pais do grupo de intervenção receberam sessões de formação durante nove semanas, para realização de atividades promotoras de consciência fonológica e aprendizagem do alfabeto com os filhos. Os pais do grupo de controlo tiveram uma formação de 20 minutos e receberam brochuras sobre a importância de ler com os filhos. As competências pré- literácitas e o envolvimento parental foram medidos no início e no final da intervenção. A intervenção aumentou o envolvimento em casa, mas não teve relação com as outras dimensões (envolvimento na escola e comunicação escola-casa). De salientar dois resultados: este aumento do envolvimento em casa manteve-se estável ao longo do tempo, após terminar o projeto; o envolvimento em casa aumentou não só na realização de atividades de literacia, mas também em atividades de matemática, no aumento da interação com os filhos e noutras atividades, como levar o filho à biblioteca.

Foi também realizado um estudo da perceção de pais e professores, relativamente à mudança de envolvimento parental ao longo do tempo e verificou-se que quanto mais

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nova era a criança, maior o grau de envolvimento dos pais na escola. Participaram 1.205 escolas nos EUA, do pré-escolar ao 1.º CEB. Em três anos consecutivos, os professores responderam a dois questionários: um sobre a adaptação das crianças à escola, que incluía questões sobre competências académicas, sociais e emocionais; outro sobre o envolvimento dos pais na educação dos filhos, com questões sobre a frequência de contacto entre pais e professores, qualidade das interações, participação dos pais em atividades na escola e participação dos pais em atividades educativas em casa. Verificou-se que a frequência e a qualidade de interações entre pais e professores e a participação dos pais em atividades na escola diminuiu no decorrer dos três anos. No entanto, a participação em atividades de aprendizagem em casa não diminuiu, e foi a dimensão que mais se associou ao desempenho na matemática, na leitura e na assiduidade. Os autores concluem que as atividades de envolvimento parental que exigem a presença dos pais na escola são as mais difíceis de manter ao longo do tempo (Izzo et al., 1999).

O sucesso numa fase posterior da vida, em particular no emprego, é estabelecido nos anos pré-escolares, que são a base para adquirir competências de estudo e trabalho. Estudos longitudinais já citados apoiam esta corrente. É de destacar uma investigação que acompanhou 123 indivíduos durante 25 anos. Participaram crianças com baixos rendimentos e testes de inteligência com resultados baixos. Metade aderiu ao programa Perry Preschool, a outra metade constituiu um grupo de controlo sem programa curricular. O programa Perry tratou os pais como parceiros, que eram visitados uma vez por semana pelos educadores para discutir o progresso e orientar na realização de atividades em casa. O grupo do programa Perry teve maior sucesso na escola, melhores resultados de literacia, mais anos de escolaridade. Na adolescência refletiu-se em mais responsabilidade social e maior sucesso económico. Aos 19 anos tinham taxas superiores de emprego (50% vs. 32%) e de finalização do ensino secundário (67% vs. 49%), e taxas inferiores de anos em ensino especial (16% vs. 28%) e de prisão (31% vs. 51%) (Schweinhart & Weikart, 1992).

A importância do envolvimento parental é reconhecida nas diretrizes governamentais da educação pré-escolar em diversos países (EACEA/Eurydice/Eurostat, 2014). Em seguida, expõe-se o caso português.

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