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O escritor como persona

No documento A espetacularização do escritor (páginas 118-130)

Hoje, o autor não está morto. O escritor ganha a cena para dar vida ao autor, cada vez mais vivo justamente por se esperar dele que aja publicamente como um promotor de sua literatura por meio de sua imagem e também de sua biografia. As escritas de si marcam a tendência contemporânea da presença do escritor promovendo sua imagem de autor, sua persona, cuja função está presente em um sistema de marketing sobre sua própria imagem.

Tal sistema é movido por interesses mercadológicos e econômicos, subjugando o escritor às exigências dos mecanismos de mercado e também aos interesses do público-alvo. O interessante é que o foco estará também (talvez até mais) voltado para sua imagem pública do que para sua literatura propriamente dita.

A imagem do autor será construída tanto nos espaços digitais, a exemplo de perfis em redes sociais, blogues e páginas na internete, quanto pelos paratextos autorreferenciais, a exemplo de falas em eventos, participações em programas de televisão, feiras literárias etc. Tais elementos darão forma à persona presente na mídia e fora dela e, “de fato, está cada vez mais difícil identificar o que, atualmente, não passa pela mediação das tecnologias digitais! E há, nelas, uma poderosa série de estratégias e de meios para a construção de personas” (SANTOS, 2014, p. 17).

Para Barthes, em “Escritores e Escreventes”, publicado em 1960:

[...] o escritor realiza uma função, o escrevente uma atividade, eis o que a gramática já nos ensina ao opor justamente o substantivo de um ao verbo (transitivo) do outros. [...] o escritor é aquele que trabalha sua palavra (mesmo se é inspirado) e se absorve funcionalmente nesse trabalho. A atividade do escritor comporta dois tipos de normas: normas técnicas (de composição, de gênero, de escritura) e normas artesanais (de lavor, de paciência, de correção, de perfeição). [...] o escritor é um homem que absorve radicalmente o porquê do mundo num como escrever. (BARTHES, 2007, p. 33)

Então, enquanto o escritor tem uma função pela qual perpassam ideologias que vão além da gramática normativa que rege a linguagem escrita, o escrevente é aquele que desempenha uma atividade. É como se todo escritor fosse um escrevente, mas nem todo escrevente fosse um escritor, sujeito este que “absorve o porquê do mundo”, que questiona sobre o mundo, sobre qual o sentido das coisas que o rodeiam, que reencontra o mundo e que “concebe a literatura como um fim” (BARTHES, 2007, p. 33).

O escrevente, por sua vez, tem a linguagem como um fim, onde a palavra é um meio de comunicar-se e dizer sobre o mundo, não de questioná-lo. É como se o escritor tivesse um compromisso social, e não institucional no processo de escrita:

[...] a palavra do escritor é uma mercadoria entregue segundo circuitos seculares, ela é o único objeto de uma instituição que existe apenas para ela, a literatura; a palavra do escrevente, ao contrário, não pode ser produzida e consumida senão à sombra de instituições que têm, na origem, uma função bem diversa da de fazer valer a linguagem: a

Universidade e, acessoriamente, a Pesquisa, a Política etc. (BARTHES, 2007, p. 36) Barthes atenta também para o fato de que tais categorias não são formas puras, ou seja, há um movimento pendular entre esses dois papéis, o chamado “escritor-escrevente”: “os escritores têm bruscamente comportamentos, impaciências de escreventes; os escreventes se alçam por vezes até o teatro da linguagem. Queremos escrever alguma coisa, e ao mesmo tempo, escrevemos só” (BARTHES, 2007, p. 38).

O escritor, então, opera a escrita e produz a autoria, construindo sua imagem por meio do processo de escrita, ou seja, o escritor dá vida ao autor enquanto entidade literária. E, nesse sentido:

Queira ou não, o escritor constrói uma imagem de si através de uma multiplicidade de comportamentos verbais e não verbais mediante os quais nos mostra o que é, para ele, ser escritor. Mas, sua imagem de autor efetivamente se elabora, por uma parte, na interação entre esses comportamentos e as obras; e, por outro lado, na interação entre essas obras e as reações do público. (MAINGUENEAU, 2015, p. 23, tradução minha)61

Diana Klinger aponta estarmos experienciando o chamado “retorno do autor”, como vimos no capítulo anterior. Para ela, o autor não é apenas uma função porque, cada vez mais, ele é visto e percebido como uma celebridade, um sujeito mediatizado que “joga sua imagem e suas intervenções públicas como a estratégia do escândalo ou da provocação” (KLINGER, 2012, p. 30). O retorno do autor é também o retorno do escritor.

As imagens que temos dos escritores de hoje, e de suas personas, estão muito melhor construídas e divulgadas se comparadas

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Lo quiera o no, el escritor construye una imagen de sí a través de una multitud de comportamientos verbales o no verbales mediante los cuales muestra lo que es, para él, ser escritor. Pero su imagen de autor efectiva se elabora, por una parte, en la interacción entre esos comportamientos y las obras; y, por otra parte, en la interacción entre esas obras y las reacciones de los públicos.

com períodos anteriores às tecnologias digitais. O retorno do escritor estaria, então, relacionado com a publicização de sua imagem que dá legitimidade à sua produção, mas que tem como foco principal os elementos autorreferencias, os paratextos, presentes dentro e fora da rede. O escritor, agora também sujeito mediático, precisa “ser percebido”, expressão de Christoph Türcke (2010) e que irá constituir sua imagem de autor.

A mediatização da imagem explorada pelos ambientes virtuais, e corroborada pelo nome da capa de seus livros, faz a imagem do escritor difundir-se de forma ampla. Passamos a ter muito mais do que o nome próprio nas capas dos livros. Hoje, temos corpos, vozes, imagens e identidades veiculadas, tudo em função desse espetáculo que garante ao escritor propagar sua imagem que não é mais uma imagem apenas “imaginária” ou presa ao papel.

As “intervenções públicas” dos escritores, sejam elas nos meios digitais ou não, garantem a eles a consolidação de suas imagens, de suas personas expostas e espetacularizadas, em constante contato com o público.

As consequências desse espetáculo de Eus não se observam apenas na literatura, uma vez que elas estão presentes em nosso cotidiano, como se pode observar entre os usuários da internete. Os usuários prezam pela autopromoção de sua imagem cujo sucesso se mede pelo número de acessos, comentários ou “curtidas” que essas plataformas podem contabilizar – hábitos que a antropologia e a psicologia já estudam com mais atenção por representarem novos rumos para comportamentos sociais.

Assim como apontou Türcke sobre a necessidade de “ser percebido” para que se possa ser notado, a sociedade contemporânea parece caminhar cada vez mais para as forma de exaltar seus Eus, autoafirmando-se enquanto pertencentes a uma sociedade conectada. De uma forma ou de outra, isso gera a sensação de uma obrigação em fazer- se presente para o “outro”, registrando acontecimentos banais, cotidianos, mantendo a rede de relacionamentos sempre ativa e em expansão.

Os comportamentos sociais, então, são medidos pelos feedbacks do outro e as redes sociais vieram com uma avassaladora força sobre os processos de autoexibição de identidades e sobre nossas formas de sociabilidade. A vida em rede permite ao indivíduo construir-se a partir da relação que tem com o “outro”, ou seja, a partir da identidade ali demonstrada, a exemplo da persona criada pelos escritores.

A persona constrói-se mediante as necessidades do sujeito que se expõe, por isso se fala em múltiplas identidades assumidas por uma mesma pessoa quando presente no Facebook, no Twitter, na entrevista dada ao suplemento literário, na coluna que publica no jornal, no blogue que mantém atualizado diariamente. São identidades que se moldam de acordo com a forma de interação entre o Eu e o “outro”.

Ao falar de identidade como mecanismo de construção de uma imagem autoral, estou me referindo também ao fato de que o escritor precisa constituir-se como autor, definindo posicionamentos que lhe permitirão ser reconhecido dentro e fora do campo literário. O autor não existe sem o escritor, logo, aquele não existe enquanto este não for reconhecido como tal. Sua “existência” está atrelada a essa capacidade de se fazer notar, de se fazer ver, de criar uma persona que seja reconhecida pelo “outro”, pelo público:

A noção de imagem de autor apresenta, assim, dois lados muito diferentes, segundo remete a gestão de um Thesaurus por parte dos participantes exteriores, ou a um processo que se funde com a elaboração de uma obra por parte do escritor. Uma vez que o produtor acede à notoriedade, sua "persona" é frequentemente absorvida pelo "escritor". Esta gestão da carreira literária pode realizar-se através de trajetórias muito diversas. Mas, alguns produtores precisam de muito mais tempo que outros para conseguir isso. Esse "atraso" pode ser explicado por razões muito distintas: o produtor começa a escrever tarde, escreve, mas não consegue que o publiquem, publica sem aceder à notoriedade. (MAINGUENEAU, 2015, p. 23, grifos do autor, tradução minha)62

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La noción de imagen de autor presenta así dos caras muy diferentes, según remita a la gestión de un Thesaurus por parte de participantes exteriores, o a un proceso que se funde con la elaboración de una obra por parte del escritor. Una vez el productor ha accedido a la notoriedad, su “persona” es a menudo absorbida por “el escritor”. Esta gestión de la carrera literaria puede realizarse a través de trayectorias muy diversas. Pero algunos productores necesitan mucho más tiempo que otros para conseguirlo. Este “retraso” se puede

Podemos dizer ainda que o processo de espetacularização do escritor, na “cenografia autoral”63, nos permite perceber que é difícil tornar-se um renomado escritor sem a encenação mediática, sem a (auto)promoção da imagem de si mesmo que, por certo, alimenta o espaço autobiográfico em função de sua obra:

Temos aí mais uma chave que busca abrir o mistério da exploração mediática após a denominada morte do autor. Seria, pois, o cenário contemporâneo, de curiosidade e valorização da vida real, que nos apresenta a chave para aquilo que ousamos chamar de retorno do autor. Estaria também na curiosidade do leitor, que busca preencher as lacunas pelas quais os autores se tornam presentes na obra, um combustível possível para a atual exploração mediática daquele que escreve. (BEZERRA, 2013, p. 190) A cenografia autoral se dá também por meio da mediatização da imagem do escritor, de sua persona, e tem relação com o modo como o escritor se porta, se molda, se representa por meio dos paratextos autorreferenciais, adotando uma postura que irá construir sua imagem, sua máscara, seu ser escritor. É como se o escritor estivesse em um palco, encenando a si mesmo.

O cenário autoral contemporâneo, assim como o espaço autobiográfico, estão na mesma seara, ou seja, ambos representam territórios nos quais o autor interpreta seu papel. A exploração mediática do escritor como marca, no cenário contemporâneo, acaba por reforçar a ideia do retorno do escritor, exploração esta que também revela um leitor curioso que está sempre procurando preencher os espaços nos quais os autores se fazem presentes nas narrativas sobre si.

A postura voyeurista do leitor em relação ao escritor é possível em função de um meio plural como o espaço biográfico que permite ao

explicar con razones muy distintas: el productor empieza a escribir

tardíamente, escribe pero no consige que lo publiquen, publica sin acceder a la notoriedad

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Termo de José-Luiz Diaz em L'Écrivain imaginaire. scénographies

escritor desvelar-se e constituir-se como um sujeito que pode assumir múltiplas personas. Tal postura também permite ao leitor explorar a imagem que se tem de si mesmo de forma interativa, por vezes, não só em livros impressos, mas também na internete, com os paratextos ali presentes:

[...] não é somente o universo das correspondências que acusa o impacto da internet, mas a totalidade do espaço biográfico, que se abre à existência virtual: sites, páginas pessoais, diários íntimos, autobiografias, relatos cotidianos, câmaras perpétuas que olham – e fazem olhar –, experiências on line em constante movimento, invenções de si, jogos identitários, nada parece verdade do corpo e do espírito. [...] A internet conseguiu, assim, popularizar novas modalidades das (velhas) práticas autobiográficas das pessoas comuns, que, sem necessidade de mediação jornalística ou científica, podem agora expressar livre e publicamente os tons mutantes da subjetividade contemporânea. (ARFUCH, 2010, p. 149)

O que temos hoje é um cenário atual caracterizado por práticas voltadas ao Eu e ao “outro”. Experiencia-se um período de exacerbação da imagem, do espetáculo mediático da vida, da imersão de identidades que fomenta o grande interesse pelo “outro” e pela espetacularização de si.

O espaço biográfico, como apontou Arfuch, permite ao escritor representar-se em suas múltiplas personas, ou seja, ao mesmo tempo em que publica livros, dedicando-se a escritas sobre si, pode assumir outros papéis. A cena literária contemporânea, marcada pelas experiências online onde se inventam outros Eus e onde se pode forjar verdades, é um espaço propício para a exposição de si e de seus outros Eus. O escritor de livros pode também ser o cronista de um jornal, pode ter um blogue pessoal dedicado às suas experiências cotidianas, como um

diário, ou mesmo utilizar o espaço para publicar textos de outros gêneros.

Nesse mesmo espaço, pode-se assumir uma identidade que não a sua, a exemplo de perfis falsos, do uso de pseudônimos e de outras estratégias que já existiam antes. Os blogues exploraram muito essa identidade falseada de alguém por detrás das publicações, o que, para o jornalismo, por exemplo, já não era interessante em função dos gêneros ali publicados como crônicas ou colunas semanais nas quais a autoria é fundamental para esse tipo de texto.

O Twitter, por exemplo, é um repositório de falsos Eus que, hora ou outra, procuram trazer à tona personas, a exemplo do perfil assinado pelo nome de Autran Dourado, já falecido, cujo perfil dedica- se a uma “homenagem tecida com fragmentos do autor: textos e entrevistas; também menções e atualidades literárias”64, segundo consta na descrição da página. Há também alguns perfis com nome Jô Soares que não correspondem ao real artista, como ele várias vezes declarou em seu programa de televisão. Inclusive, em função de tais perfis falsos de celebridades, o Twitter, alguns anos atrás, começou a “validar” os perfis de usuários “famosos” colocando uma espécie de marca de autenticidade ao lado do nome do usuário. Isso legitimaria a real autoria do indivíduo por detrás do perfil.

Nessa esteira, outros escritores, artistas e jornalistas, vivos e atuantes, utilizam esse espaço para exporem ali suas impressões políticas, suas opiniões sobre temas diversos ou mesmo para fazerem autopropaganda. O espaço biográfico, dedicado às narrativas e reflexões sobre si, relacionam-se à capacidade da performance do escritor ao moldar sua imagem pública:

O escritor do novo milênio se faz menos pelo que escreve e mais pelo que diz nos media, porque a arte está obrigada a aparecer – ou a resistir, dirão alguns, como Sarlo – “diante da abundância obscena do mundo audiovisual”. Os contatos se estabelecem entre esse intelectual e um público formado audiovisualmente. As idéias acabam ficando fora do livro, nos media. Os media

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Disponível em: < https://twitter.com/autrandourado>. Acesso em 22 jan. 2016.

prevalecem sobre outras instâncias da sociedade como determinante de postura, de lugar de avaliação da obra (total, e não apenas o texto narrativo), de esfera solitária de difusão de idéias. Assim, o prestígio está estreitamente relacionado à capacidade individual para a performance. O escritor é convocado a falar no lançamento do livro. Concede entrevistas, ganha resenhas. Muitas vezes, troca resenhas com os pares. Mas não são mais esses, os companheiros de ofício, os interlocutores preferenciais. O intelectual escritor de prosa em ficção. (ARAUJO SÁ, 2007, p.17)

A menção ao espaço biográfico representado por biografias, autobiografias, confissões, memórias, diários íntimos, correspondências, entrevistas, perfis, retratos, relatos, talk shows etc., representa a “obsessão por deixar impressões, rastros, inscrições” de nossa identidade e de nossa singularidade nessa sociedade do espetáculo. Para Arfuch (2010, p 17), “no horizonte mediático, a lógica informativa do 'isso aconteceu', aplicável a todo registro, fez da vida” contemporânea o tema central de algumas narrativas e também colabora com a construção da imagem que se pretende ter de si para o público. São nesses espaços que o escritor encena seu papel, explora sua persona e aparece, sempre buscando estar nos holofotes, chamando a atenção para si, mesmo que o foco não esteja voltado para suas publicações literárias. Aparecer é muito importante, “ser percebido” é essencial.

Parece haver uma grande parte de narrativas literárias do século XXI que está marcada pelo discurso em primeira pessoa, pelo discurso da memória e do Eu65, e tal tendência tem relação com a espetacularização dos escritores da qual trato aqui, uma estratégia fundamental para sua constituição mediática enquanto autor. Lejeune

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Ver “A onda e a praga da autoficção” (2009), publicado por Luís Antônio Giron, na revista Época. Disponível em: <http://goo.gl/BKasuk>. Acesso em: 19 jun. 2015.

em “A imagem do autor na mídia” salienta um novo espaço do autor diretamente ligado ao sujeito-outro voyeur66:

O autor é, por definição, alguém que está ausente. Assinou o texto que estou lendo – não está presente. Mas se o texto me lança perguntas, sinto-me tentado a transformar em curiosidade por ele e desejo de conhecê-lo a inquietação, a incerteza ou o interesse engendrados pela leitura. É o que denominarei ilusão biográfica: o autor surge como “resposta” à pergunta feita por seu texto. Ele detém a verdade: gostaríamos de lhe perguntar o que quis dizer... Ele é a verdade do texto: sua obra “se explica” por sua vida. (LEJEUNE, 2014, p. 224)

O autor ainda carrega consigo o mistério e o poder provocador que consegue gerar pela linguagem e, consequentemente, pela leitura. A mídia, até certo ponto, proporciona e alimenta esse “desejo carismático” que inspira o escritor e que insere o autor no cenário da literatura atual; ou seja, se antes os livros e escritos de determinado escritor já deflagravam o interesse dos leitores, atualmente essa postura voyeurística também é alimentada pela espetacularização na mídia, que gera o efeito de proximidade, de interatividade e de interesse não só pela produção escrita, mas também pela sua persona.

A imagem do escritor na mídia, sua espetacularização e seu envolvimento no emaranhado “espaço biográfico”, está diretamente associado a gêneros discursivos autorreferenciais, ao discurso em primeira pessoa, aos relatos pessoais e, consequentemente, à consentida invasão de privacidade e exposição da intimidade que tornaram o “autor contemporâneo acessível a todos” (LEJEUNE, 2014, p. 229). Arfuch vai dizer ainda que vivemos um “auge” do exercício da autoficção e do falar sobre si contagiado pelas tecnologias digitais:

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O voyeur, palavra que significa "aquele que vê", neste caso, está sendo utilizada no sentido em que há uma invasão da privacidade consentida por aquele que é e quer ser observado, uma prática imanente dos ambientes digitais.

[...] assistimos a exercícios de "ego-história", a um auge de autobiografias intelectuais, à narração autorreferente da experiência teórica e à autobiografia como matéria da própria pesquisa, sem contar a paixão pelos diários íntimos de filósofos, poetas, cientistas, intelectuais. E, é preciso dizê-lo, às vezes não ha muitas diferenças de tom entre esses exercícios de intimidade e a intrusão nas vidas célebres ou comuns com as quais nos depara diariamente a televisão. (ARFUCH, 2010, p. 61)

As narrativas autorreferenciais, como as memórias, autobiografias e autoficções, que prezam pelo Eu como eixo norteador da narrativa67, foram significativamente impactadas pelas tecnologias digitais porque o Eu transportou-se também para o espaço virtual. Uma vez ali, as possibilidades de invenções de si foram favorecidas pelas ferramentas disponibilizadas, permitindo que se criassem outros tipos de jogos de identidade passíveis de uma maior interação no processo de interlocução com os leitores. Novamente, aqui, opera o espaço biográfico aliado à construção de uma persona em um processo cujo leitor é fundamental. É por meio dele que o escritor se fará presente.

Outro impacto das tecnologias nas narrativas do Eu tem relação com a atribuição de autoria expressa no texto, direta ou indiretamente, como apontou Lejeune ao falar do pacto autobiográfico. Este é um fator determinante na constituição da narrativa como um todo:

No documento A espetacularização do escritor (páginas 118-130)