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Jornalista Beletrista

2- O escritor revelação

Debates literários dos anos 20 do ponto de vista de João de Minas

Numa das crônicas de Jantando um Defunto, João de Minas encontra Aleixo, um guia sertanejo com a "mania feliz" de fazer versos sobre tudo, inclusive sobre as supostas atrocidades praticadas pela Coluna em Natividade (GO): "quero fazê uma puisia dessas mardade di seu Preste... U siôr mi pubrica a puisia?"182. O narrador se admira da "inteligência

desse sadio analfabeto, aliás de uma pontaria infernal no clavinote". O maior espanto repousava no conhecimento que Aleixo possuía da Academia Brasileira de Letras:

Era o seu sonho entrar para a Academia Brasileira, cuja existência ele conhecia minuciosamente, não sei como. Ele falava familiarmente em todos os acadêmicos, como se fossem seus íntimos. Era o sô Felix Pacheco para aqui, o sô Coeio Netto para ali, o sô Umbelto di Campo para acolá... (…) às vezes, ele me pregava rápidas mentiras inocentes, quase inconscientemente. Dizia, por exemplo: “... o sô Arberto di Olivêra me disse..., “... o sô João do Nolte mi iscreveu...”, “...quano eu istive no Rio, em casa do cumpadi sô Olavo Bilacre...”, etc.183

O texto aposta no contraste entre o parâmetro da cultura letrada, com sua aura de distinção, e a realidade interiorana de Aleixo, marcada pelo analfabetismo e cultura oral, expressa no sotaque que desfigura os nomes ilustres, além do despojamento material e violência. O poeta conhece o caminho a ser trilhado para alcançar o seu sonho: a "publicação" do poema, o que implicava não apenas a transposição do código oral para o escrito (este com maior peso simbólico) como a difusão (em jornal ou volume) para apreciação dos leitores. A insistência na publicação, que chega a irritar o narrador - "garanti ao meu valente camarada, pela milésima vez, que eu lhe publicaria todas as poesias" - evidencia o quanto Aleixo conhecia as vias para se tornar um poeta reconhecido ou, no limite, um "imortal".

A poesia de inspiração parnasiana, a qual justamente prezava o rigor da língua portuguesa culta, é dominada pelo sertanejo. Ele sabe compor sonetos, a forma poética de referência para os poetas parnasianos, alguns dos quais membros da Academia, da qual Aleixo almeja se tornar membro. Portanto, a comicidade do texto se deve ao conhecimento do

182Minas, João de. Uma puisia... ou um sonetu. Jantando um Defunto, p. 61. O título da narrativa é deslindado

ao final: quando João de Minas se lamenta pela trágica cena de uma criança ao lado da mãe morta pela Coluna Prestes, Aleixo é assaltado por uma dúvida "existencial", a de escrever sobre o caso "uma puisia... ou um sonetu".

183

circuito do campo literário - produção, edição/publicação, leitura, consagração institucional - por alguém distante, espacial e culturalmente, do local de referência desse circuito, o Rio de Janeiro no final dos anos 20.

Fundada em 1897 no Rio de Janeiro, a Academia Brasileira de Letras (ABL) angariou o prestígio intelectual de muitos dos seus fundadores e primeiros membros184. Ombreando-se

no meio intelectual brasileiro com os Institutos Históricos e Geográficos, Museus e Faculdades, mais dedicados à ciência, direito, geografia ou história, a Academia Brasileira, inspirada no modelo francês, buscou ser não apenas a instituição de referência em literatura e língua portuguesa no Brasil mas também um lugar refinado, aplaudido pela elite carioca e brasileira. A consagração não ocorreu sem dificuldades. No início, eram de ordem financeira, pois não possuía sede própria, não contava com o esperado apoio do governo republicano e não poderia ser mantida pelos membros. A estabilidade financeira veio aos poucos: em 1905 o governo cedeu uma sala no Cais da Lapa, em 1917 o editor Francisco Alves deixou sua fortuna para a instituição, e em 1923 o governo francês doou Petit Trianon ao governo brasileiro, que o cedeu ao funcionamento da ABL.

A autonomia intelectual almejada era difícil. Com o analfabetismo nacional em torno de 80%, o público e o mercado editorial brasileiros eram bastante exíguos, levando os escritores sem posses a possuir outra atividade - como Machado de Assis, que era funcionário público - ou se sustentar vendendo sua força de trabalho nos jornais e revistas ilustradas, que se modernizavam e se expandiam na virada do século. Viver da pena já era possível, mas no início do XX significava trabalho duro, como o de Coelho Neto, que se mantinha da publicação constante de artigos em periódicos e livros de ficção, tornando-se um dos escritores mais prolíficos do país. Até pelo menos os anos 30 e 40, o principal meio de difusão de textos, debate de ideias e remuneração intelectual era o jornal, comprometido com os gostos do restrito público, com interesses dos anunciantes e com os poderes políticos. Além disso, os literatos sofriam concorrência, seja dos autores e livros estrangeiros, seja de emergentes meios de comunicação de massa, como o cinema.

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Os quarenta membros iniciais foram Araripe Júnior, Artur Azevedo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Sousa, Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay, Coelho Neto, Filinto de Almeida, José do Patrocínio, Luís Murat e Valentim Magalhães, Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos de Laet, Garcia Redondo, Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero, Urbano Duarte, Aluísio Azevedo, Barão de Loreto, Clóvis Beviláqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Luís Guimarães Júnior, Magalhães de Azeredo, Oliveira Lima, Raimundo Correia e Salvador de Mendonça.

Também a legitimidade intelectual da Academia nunca foi unânime. A Academia encontrou oposição nos jornais no momento de sua fundação, por conta da busca do apoio governamental. Do mesmo modo, foram ironizadas pela imprensa as eleições permeadas pelo apadrinhamento e pela teoria dos expoentes (que levava em conta prestígio social dos candidatos), preterindo intelectuais com obra reconhecida. Por conta dos acadêmicos eleitos a despeito dessas críticas, consolidou-se o prestígio social da instituição, levando uma plateia sofisticada a frequentar as palestras de convidados nacionais e internacionais ou as cerimônias de recepção aos novos acadêmicos, e escritores de todo o país a ambicionar o prestígio e vultosos prêmios dos concursos literários185.

Nos anos 20 a Academia sofreu outras críticas. Inspirando-se nas estéticas europeias de vanguarda, os modernistas de São Paulo associaram a ABL ao conservadorismo literário e à manutenção de um europeísmo caduco, em meio à onda nacionalista que perpassava o país. Um desses ataques nos anos 20 causou repercussão por partir de um dos integrantes mais antigos da agremiação literária. Em 1924 Graça Aranha, um dos patronos da Semana de Arte Moderna de 1922, fez um discurso na Academia criticando suas práticas literárias: condenou sua pretensão de ser cópia da Academia Francesa, considerou-a descolada da realidade nacional e irrelevante para a literatura do país. Provocativamente propunha a demolição da Academia e sua reconstrução segundo a brasilidade e o espírito moderno. Ao ser aplaudido pelos jovens presentes, como Sérgio Buarque de Holanda, Rubem Borba de Moraes, Mário de Andrade etc., com gritos de "Morra a Grécia", foi contestado por Coelho Neto, que defendeu a Academia dizendo ser o "último dos helenos". A defesa empedernida da instituição e da cultura clássica tornou Coelho Neto símbolo de tudo que esse grupo de jovens criticava, associando-o ao europeísmo e à literatura descolada dos anseios nacionalizantes, pecha que lhe caiu até o final da vida186. Já Graça Aranha, reafirmando sua reorientação literária, pediu

desligamento da Academia, que nunca foi concedido.

A repercussão do discurso de Graça Aranha e a contestação de Coelho Neto, assim como os ataques que a este foram feitos, criou a sensação de divisão na intelectualidade entre os modernistas e os acadêmicos187 e, na literatura, entre as novas e vigentes concepções de

185As informações sobre a Academia Brasileira de Letras foram extraídas de EL FAR, 2000. 186EL FAR, 2000, p. 250 e ss. SALIBA, 2009, p. 240.

187"o debate iniciado por Graça Aranha provocou durante os anos de 1920 uma certa cisão entre os jovens

emergentes e o discurso acadêmico. Neste período, a Academia foi alvo de várias críticas acerca de seu tradicionalismo caduco descolado da verdadeira cultura brasileira e de sua influência nula no desenvolvimento literário no país". EL FAR, 2000, p. 258.

arte. A Academia, por seu lado, optou por reforçar o seu prestígio, mantendo os mesmos rituais:

O repente modernista evocado por Graça Aranha em nada modificou os preceitos acadêmicos. Através das sessões ordinárias e solenes, cada qual com suas particularidades, os imortais direcionavam seus esforços no sentido de cultuar o passado literário de seus integrantes, com o objetivo de reforçar a importância de uma certa tradição de letras no país e o papel incontestável da Academia na sociedade brasileira188.

Mesmo com os ataques, e por conta da exiguidade do campo literário, a Academia continuava sendo a instituição de referência literária no país:

Ao chegar-se à década de 1930, a ABL era das instituições culturais mais importantes do cenário intelectual do país, fosse para o bem ou para o mal. O local mexia com o imaginário social, era notícia na imprensa, era combatida e/ou ambicionada, provocava tensões, comentários, análises ostensivas, expectativas calorosas, desprezos fatais e polêmicas que se arrastavam por anos a fio. Umas pueris, outras mais sérias. No mais, ainda era na Academia que eram recebidas as grandes personalidades culturais do mundo que passavam pelo país, num reconhecimento da instituição como parte do circuito oficial de entidades a serem visitadas em território nacional, presente nos trajetos das visitas dessas mesmas personalidades internacionais.

Um outro aspecto que marca a relevância conferida da ABL para o campo intelectual, girava em torno de sua representatividade, apesar de todo o teor das campanhas de depreciação por que passava, dia após dia. Era pensando em ser agraciado para uma das suas vagas num futuro próximo ou distante que muitos escritores dedicavam a sua carreira literária e artística, com o fim último de uma eleição para a Casa de Machado de Assis. Por essas e outras a Academia Brasileira de Letras tornou-se ao longo de um curto espaço de tempo, o templo sagrado, a “torre” responsável – ou que ao menos detinha esse poder – de consagração do campo intelectual brasileiro, de maneira legítima. A quase exclusividade dessa ação laudatória ao campo intelectual pode ser observada por conta da inexistência de outros espaços que dividissem essa finalidade, como um complexo de universidades, e/ou uma rede consolidada de grandes editoras ou ainda de órgãos governamentais tradicionais prontificados para esse objetivo, além de outros institutos culturais e literários no Brasil, capazes e com legitimidade para agir nesse sentido189.

Do alto dos chapadões do Triângulo Mineiro, das perambulações por Goiás ou já em sua atividade no Rio de Janeiro, João de Minas parecia acompanhar não só a vida intelectual como tomou parte nos debates mais candentes. Junto com seus artigos de teor político, João de Minas publicava crônicas e resenhas sobre livros e escritores brasileiros.

188EL FAR, 2000, p. 258. 189

Assim como na política, advogou o situacionismo literário, não ficando muito longe das posições da personagem sertaneja que representou, como vemos no comentário sobre sua relação pessoal com a Academia:

Eu tenho na Academia Brasileira de Letras alguns amigos, pela aproximação intelectual, tais como os eminentes srs. Coelho Neto, Humberto de Campos, Medeiros e Albuquerque, João Ribeiro, Alberto de Faria, Luis Carlos. Creio não ter na Academia nenhum inimigo. Nunca feri nenhum acadêmico. Considero o poeta Olegário Mariano o nosso divino Maciel Monteiro. Adelmar Tavares tem orvalhos de maio na sua poesia nacional, ou racial190.

É provável que ele fosse mesmo conhecido no interior do silogeu. Coelho Neto, na carta enviada ao autor em 1929, diz que já vinha acompanhando o jovem escritor, “contente de haver percebido na distância, mal o seu nome apareceu n'O Paiz, o vigoroso escritor que, a passos largos, nos chegava dos remotos sertões mineiros.”191 No ano seguinte, Gustavo

Barroso, numa reunião da ABL em outubro, “ofereceu, em nome do autor, para o qual teve palavras elogiosas, um exemplar do livro 'Farras com o Demônio', do sr. João de Minas”192.

João de Minas procurava cultivar as graças da Academia, utilizando a mesma linguagem sacralizante que usava para a política. Em seus artigos, referendava a aura e o poder de consagração da instituição, afirmando que a nata da inteligência estaria nela, não no Congresso Nacional, por causa da dificuldade e rigor em se fazer parte da agremiação: “a Academia de Letras eu sei que é justa, ponderada e severa. Ela acolhe sob medida os valores. O candidato deve entrar com o recheio de luz bastante à imortalidade. Menos, nem um pingo, ou um centímetro...”193. Reafirma seu papel na sociedade, através da crítica literária e da

modelagem da língua:

A Academia, em verdade, não existe apenas como monumento morto, como sepultura imortalizante. Não. A Academia também vive, em função, em obras, modelando a língua, honrando-a, agindo, combatendo vastamente o analfabetismo. A Academia devassa a prodigiosa mas escura gleba nacional, com o seu holoforte de belos pensamentos. É isto também uma espécie de

190Minas, João de. Em Menotti Del Picchia, no Silogeu, a grandeza paulista. A Gazeta, 14/06/1930, p. 3. Outro

artigo no qual tece comentários sobre a academia foi publicado no mês seguinte: Minas, João de. Maria Cecília e outras histórias de Veiga Miranda. A Gazeta, 11/07/1930, p. 5. Ver também idem Em torno a Coelho Neto e Alberto de Faria – apontamento de literatura O Paiz, 23/09/1928, p. 6.

191In: Farras com o Demônio, p. XXIX.

192ACADEMIA Brasileira de Letras. Resumo das sessões realizadas no mês de out./1930 Revista da Academia

Brasileira de Letras, v. 34, ano XXI, n. 107, nov. 1930, p. 371

193Minas, João de. Maria Cecília e outras histórias de Veiga Miranda. A Gazeta, 11/07/1930, p. 5. Ver também

o comentário sobre a eleição de Alberto de Faria: Em torno a Coelho Neto e Alberto de Faria – apontamento de literatura O Paiz, 23/09/1928, p. 6.

desanalfabetização moral. A Academia prestigia o belo, tirando-lhe o cunho carrança da inutilidade194.

A deferência à Academia por João de Minas não implicava necessariamente que ele não opinasse sobre os rumos da instituição, desde campanhas pela eleição de candidatos de sua preferência, como Menotti Del Picchia em 1930195, até a inusitada sugestão, feita na

imprensa, de elevar o número de cadeiras imortais de 40 para 100, por causa do aumento de pessoas valorosas nas letras brasileiras, tendo em vista que "a Academia é que é pouca, e os artistas da palavra, dignos da imortalidade, é que são muitos"196.

Além da defesa da instituição, João de Minas tratou individualmente dos acadêmicos. Fez a resenha elogiosa ao livro Mauá de Alberto de Faria e elogiou sua entrada para a Academia197, dedicou uma de suas crônicas ao “espírito fulgurante de Humberto de

Campos”198, e também defendeu Coelho Neto dos ataques: "em uma coluna e meia, um

larápio ou arrieiro qualquer assinava umas irreverências a Coelho Neto, a título de crítica literária. O maior escritor da nossa língua era ali mordido pelo menor cachorro brasileiro"199.

O único criticado foi o (ex) imortal Graça Aranha, por conta do livro "A Viagem Maravilhosa"200. Escreve que não gostou do livro, indagando ironicamente se Graça Aranha

era mesmo o autor que escreveu Canaã, lido muitas vezes pelo escritor mineiro em sua juventude. Aparentemente foi a guinada modernista de Graça que desagradou João de Minas: "Graça Aranha, tendo pregado de começo bons sermões futuristas, parou de repente, e desceu da tribuna sagrada, com as mãos ardentes nos bolsos, remexendo os níqueis. Em seguida, o mestre dobrou uma turva esquina, no fim da rua, e sumiu." Essa desconfiança da sinceridade de Graça Aranha e outros defensores do modernismo, como Paulo da Silveira, teriam feito época na intelectualidade brasileira, mas não se perpetuariam:

Houve até aquele escândalo na Academia. Os jornais apitaram. Graça Aranha empunhara o pau da rebeldia poética. O pau subira, descera, tornara a subir, descera... Coelho Neto espalhara-se, na sua irresistível capoeiragem. Era a hora de ver quem tinha garrafas vazias para vender. Depois apareceu o 194Minas, João de. Em Menotti Del Picchia, no Silogeu, a grandeza paulista. A Gazeta, 14/06/1930, p. 3. 195Minas, João de. Em Menotti Del Picchia, no Silogeu, a grandeza paulista. A Gazeta, 14/06/1930, p. 3. 196

Minas, João de. Maria Cecília e outras histórias de Veiga Miranda. A Gazeta, 11/07/1930, p. 5.

197

Minas, João de. Uma grande figura do império – Mauá, do sr. Alberto de Faria O Paiz, 29/07/1927, p. 1 e 4;

idem, O congresso nacional e um livro. O Paiz, 04/12/1927, p. 1; idem Em torno a Coelho Neto e Alberto de

Faria – apontamento de literatura O Paiz, 23/09/1928, p. 6.

198Minas, João de. “A escalada maternal da bem-aventurança” O Paiz, 26/12/1929, p. 1.

199Minas, João de. Em torno a Coelho Neto e Alberto de Faria – apontamento de literatura O Paiz, 23/09/1928,

p. 1.

200

perfil taumatúrgico de Medeiros e Albuquerque, com sua mansidão hindu, a catar os piolhos do "objetivismo dinâmico". Agora, vem a serenidade, talvez o esquecimento. Tudo passa...201

As posições de João de Minas em relação aos modernistas foram ambíguas. Em 1928 ele partiu para o ataque cerrado no artigo "A Velha Arte Nova", no qual se vale dos argumentos dos críticos do modernismo, veiculados por alguns acadêmicos, por Tristão de Athaíde e por Mário Guastini, o mais violento de todos. Na imprensa, após a visita de Marinetti em 1926, Guastini publicou uma série de artigos, depois reunidos em livro, contra o futurismo e o modernismo. Defendendo que "nas lições do passado se deve buscar estímulo para o futuro, procurando chegar a realizações brilhantes sem deturpar o belo", denuncia as mudanças linguísticas dos próceres do modernismo como pilhéria e como igual cópia de modelos europeus: "levados pelos decretos do ilustre intelectual italiano, alguns patrícios nossos, poucos felizmente, meteram os pés na sintaxe, na pontuação, no advérbio, no adjetivo, proporcionando-nos páginas de irresistível ridículo. Isso na prosa e no verso." Isso não significava para Guastini um retorno ao estilo empolado nem um combate à modernidade literária, como mostra o elogio a Antônio de Alcântara Machado: "o brilhante autor, sem ser futurista, do programa de Marinetti observou a velocidade, sem sacrificar a língua. E essa velocidade é compreensível na vida tumultuada e agitada que os povos hoje vivem"202.

Na mesma linha, João de Minas também critica a tábua rasa de todo passado artístico e dos grandes mestres, aponta falta de originalidade na cópia de um estilo estrangeiro, a desmontagem da língua no uso de um estilo livre que joga com as palavras, e defende uma concepção artística na qual os estilos reflitam as emoções que evocam e a beleza que inspiram. Tendo como modelo poético Olavo Bilac, critica a poesia dos modernistas que, apesar de "otimamente bem intencionados, repletos de bom comportamento etc., asseguram tolices loucas, ou banalidades tremendas, apavorantes ingenuidades". Para contestar a validade da liberdade literária, não perdeu a oportunidade de parodiar o estilo:

Oh, os trilhos, os trilhos! O gafanhoto preto do trem lhes finca nas ancas a volúpia do estupro das distâncias. Depois, o trem é passado no engenho de cana no fundo da horta. Sai uma cerveja de aço derretido, para a bebedeira dos arranha-céus. Os olhos dela chupam os soldados negros da ronda. Vamos todos, montados em Floriano Peixoto, para a casa de jogo da Independência ou Morte, nas ventas do cel. Ipiranga. D. Pedro I cozido com pés de porco. Encontrei a orelha dele na feijoada. A marquesa de Santos grelhada, com dos ovos por baixo. Bife a cavalo, no cavalo de Napoleão. O 201A Velha Arte Nova. O Paiz, 07/10/1928, p. 6.

202

corpo da Luíza tem portas, entradas e saídas. O coração dela é minhas polainas. O azul é uma linguiça. O sal dos teus olhos nos ponteiros dos meus bigodinhos (...)

Sim, tá chegano a horinha... Ouço acender a ponta verde do olho do rabo do demônio, o Dr. José Lúcifer, operador e parteiro da lua, porque a encheram no último carnaval, embaixo de uma escada. A barriga do português da esquina se abre. De lá descemos, e a barriga continua a rolar para o municipal. Leopoldo Fróes é o Casanova. Mais finório, um bicho cacau da

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