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Al 4 Regulamentação do direito de pousada

C- FAZENDA Cl Aforamento

III. OFÍCIOS e OFICIAIS

3.1. A estrutura orgânica da administração régia

3.3.1. O Escrivão da Puridade

"...detecta-se a atribuição a este funcionário da preparação dos desembargos, da 'coordenação ' que tradicionalmente competiria ao Chanceler-Mor. "

"O titular deste cargo tende a tornar-se autêntico 'primeiro ministro do despacho ', fazendo tombar em relativa penumbra os cargos tradicionais... " .

Como se pode perceber pelas citações em portada, o cargo de Escrivão da Puridade, que desde meados do século XIV inicia a sua marcha ascensional, consolida ainda mais a sua primazia nos reinados de D. João I, D. Duarte e D. Afonso V, distanciando-se ainda mais do Chanceler.

Trata-se de um cargo eminentemente doméstico para o qual é escolhido alguém da absoluta confiança do soberano, daí que o seu exercício se circunscreva a um reinado. Por outras palavras, os elementos da nobreza que ocupam esta escrevaninha raramente sobrevivem à morte ou ao afastamento do monarca em cuja 'puridade' servem .

As Ordenações Afonsinas são omissas relativamente a este ofício, que conheceu a primeira regulamentação em 1450 por solicitação do então titular, Nuno Martins da Silveira que se queixava de o cargo "andar repartido, e espalhado por muitas partes" . D. Afonso V demandou informações acerca das funções do Escrivão da Puridade a um velho escrivão da câmara de D. João I, Álvaro Gonçalves348. Partindo da lista de

344 Armando Luís de Carvalho Homem, O Desembargo Régio (1320-1433), p. 111.

345 Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato, "Memória sobre os Escrivães da Puridade dos Reis de

Portugal, e do que a este officio pertence", in Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, t. XII, parte I, Lisboa, 1837, p. 163.

346 Antonieta Gonçalves de Freitas, "Teemospor bem e mandamos"..., vol. I, p. 96.

347 A síntese deste Regimento encontra-se em Conde de Tovar, Estudos Históricos, t. III, Lisboa,

Academia Portuguesa da História, 1961, pp. 161-164.

348 Os esclarecimentos dados por Álvaro Gonçalves acerca do funcionamento do ofício de Escrivão da

competências por este elaborada, foram acrescidas pelo Regimento de 1450 as seguintes prerrogativas:

• a posse do selo grande com que devia selar as cartas que eram da sua competência e as dos seus auxiliares (Secretários e Escrivães da Câmara); • receber as cartas e petições chegadas à Corte procedendo à sua distribuição

pelos Desembargadores a que pertencerem, guardando para si as que fossem da sua responsabilidade;

• indigitar dois dos seis Escrivães que compunham a Câmara, que ficariam na sua dependência pessoal, e para os quais é garantido mantimento.

Em suma, o Regimento de 1450 confere ao Escrivão da Puridade um poder tutelar e de supervisão sobre toda a actividade do despacho levada a cabo pelos seus auxiliares351.

Ao longo de três gerações a titularidade da Escrevaninha da Puridade pertenceu à família Silveira. O primeiro foi Nuno Martins da Silveira, fidalgo de linhagem, membro do Conselho e rico-homem; foi Escrivão da Puridade de D. Duarte, enquanto Príncipe (desde 1415) e após a sua ascensão ao trono (1433-1438). Depois de oito anos de vicissitudes ao lado da Rainha no conturbado período da Regência durante os quais se viu afastado das suas funções, é reintegrado em 1448 no seu antigo lugar para, em 1453, pedir aposentação voluntariamente, entregando o cargo ao seu filho primogénito, Diogo da Silveira352. Este, no entanto, esteve embrenhado no recrutamento de efectivos

militares para a campanha contra o turco, pelo que esteve quase ausente das tarefas burocráticas. Apesar da cruzada ter sido cancelada por falta de apoio de outros países europeus, os meios humanos e materiais foram orientados para expedições ao norte de África. Foi precisamente numa destas expedições quando, pela segunda vez, se tentava

349 Este Regimento parece esquecer alguns privilégios que habitualmente recaíam sobre o Escrivão da

Puridade, nomeadamente a assistência às reuniões do Conselho, da Relação e da Fazenda. Como salienta Antonieta Gonçalves de Freitas, tal facto "pode traduzir a vontade do monarca de aclarar e circunscrever as esferas de competência de cada um dos sectores burocráticos", "Teemospor bem e mandamos"..., vol. I, pp. 97-98.

350 O rei reservava para si o selo pequeno (sinete), que apunha nas cartas da sua responsabilidade.

Guardava-o no seu cofre de noite e de dia para o ter "mais prestes e acerca de Nós" para, deste modo, selar o que aprazia. Cf. Conde de Tovar, Estudos Históricos, t. III, p. 162.

351 Antonieta Gonçalves de Freitas, "Teemospor bem e mandamos"..., vol. I, p. 98. 352 Conde de Tovar, Estudos Históricos, t. III, p. 124.

tomar Tânger, que morreu em combate na Serra de Benacofú, em 1464353. Ao perder a

vida, este Escrivão da Puridade deixou um filho de tenra idade, Nuno Martins da Silveira, o Moço, a quem D. Afonso V concedeu o cargo de Escrivão da Puridade, com a condição dele só o começar a exercer quando atingisse a idade de 20 anos . Ora, esta cláusula impunha a nomeação temporária de outro, ou outros oficiais para o desempenho do ofício. O cargo foi desempenhado por dois interinos: GONÇALO VASQUES de CASTELO BRANCO (1464) e D. JOÃO GALVÃO (1464-1475). Nuno Martins da Silveira assumiu a escrevaninha em finais de 1477 / inícios de 1478, acreditando-se que se tenha conservado no cargo até à morte de D. Afonso V, em 28 de Agosto de 1481355.

No ano em apreço o titular do ofício é, pois, D. JOÃO GALVÃO356, que acumula

pontualmente o cargo de Vedor das Obras. Foi provido no bispado de Coimbra em 1462 por ser considerado "prelado de grandes merecimentos" '51. Em 1471 intitula-se

Conde de Santa Comba numa provisão da sua autoria e em 1472 D. Afonso V faz-lhe mercê do título de Conde de Arganil para ele e para todos os seus sucessores em nome

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dos seus serviços, em especial pelos que prestara na filhada de Arzila e Tânger . Foi Vedor-mor das Obras do Reino, Alcaide-mor das Sacas das Comarcas da Beira e de Riba Côa em substituição de Diogo Soares de Albergaria, entretanto finado. Terá desempenhado o cargo de Escrivão da Puridade provavelmente até 1475, altura em que parte com o monarca para a expedição a Castela. Até à tomada de posse de Nuno Martins da Silveira em finais de 1477 / inícios de 1478 passaram pelo ofício D. João da Silveira, barão de Alvito (1475-1477) e Rui Vasques (1476).

À excepção de 1 carta datada do mês de Abril, as outras 6 são de Outubro, todas expedidas a partir de Lisboa, coincidindo o percurso deste oficial com o do monarca neste último mês. A tipologia das cartas é diversa: privilégio em geral - 2 cartas;

aposentação; defesa e regulamentação de encargos militares; licença para ter

353 Rui de Pina, "Crónica de D. Afonso V", in Crónicas de Rui de Pina, cap. CLVI, pp. 810-813.

354 A carta de provimento, que data de 1464. Abril. 05 encontra-se publicada pelo Conde de Tovar,

Estudos Históricos, t. Ill, pp. 165-166.

355 Conde de Tovar, Estudos Históricos, t. Ill, pp. 130 e 137.

356 Consultar biografia no II vol. deste trabalho: Catálogo Prosopográfico n° 8, vol. II, pp. 39-47.

357 Pedro Álvares Nogueira, Livro das Vidas dos Bispos da Sé de Coimbra, Coimbra, Publicações do

Arquivo e Museu de Arte da Universidade de Coimbra, 1942, p. 168.

358 Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra., L. III, p. 296-297 e Pedro Álvares Nogueira,

subalterno; privilégio comportando escusa de determinações gerais e segurança a mercadores, com 1 exemplar cada. À semelhança do que acontece no ano seguinte,

também em 1471 os provimentos de besteiros do Conto e besteiros da Câmara, cuja subscrição está tradicionalmente adstrita ao Escrivão da Puridade, recaem sobre o monarca.

A constatação mais evidente é a manifesta ausência de D. João Galvão da Escrevaninha superior da Câmara, sem que haja outro oficial em sua substituição; esta situação manter-se-á no ano seguinte359. Para o ano de 1471, uma das justificações

poderá ser a participação nas expedições ao norte de África, onde dizem que esteve com muita gente à sua custa a aí gastou muito dinheiro360. Contudo, a sua presença nestas

campanhas nunca é atestada na primeira pessoa, uma vez que não subscreve nenhum diploma a partir desses lugares. De qualquer maneira, a expedição confinou-se, grosso

modo, aos meses de Agosto e Setembro não podendo, portanto, explicar o seu 'eclipse'

durante o resto do ano.

3.3.2. O(s) Secretário(s)

[Os Secretários ocupam o] "segundo lugar da escala entre os Escrivães da Puridade, e

os da Câmara, pois àquelles devido obedecer, e cumprir seus mandados, e a estes tinhão huma certa superioridade, servindo-se já para bem cumprirem seu officio de Escrivães que lhes erão apropriados. "

O estatuto do Secretário era o de subordinado do titular da escrevaninha, aparecendo frequentemente para outras cronologias nos diplomas de subscrição régia. Na parte escatocolar da carta, a seguir ao nome do escrivão, aparece a fórmula "E eu F.

secretário do dito Senhor Rei a fiz escrever por seu mandado e aqui subscrevi", cabendo-lhes o papel de intermediários na feitura e redacção dos actos .

359 Isabel Bárbara de Castro Henriques, Os Caminhos do Desembargo: 1472..., vol. I, p. 120. 360 Pedro Álvares Nogueira, Livro das Vidas dos Bispos da Sé de Coimbra, p. 170.

361 Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato, "Memórias sobre os Secretários dos reis portugueses",

in História e memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 2a série, t. I, parte I, Lisboa, 1843, p.

35.

362 Eugenia Pereira da Mota, Do "Africano" ao "Príncipe Perfeito"..., vol. I, p. 43 e Antonieta

As competências cometidas a estes oficiais não se encontram explicitamente regulamentadas nas Ordenações Afonsinas; é pelo Regimento do Escrivão da Puridade de 1450 e pelo Livro de Apontamentos (1438-1489)363 de ÁLVARO LOPES [de

CHAVES]364 que se conhecem algumas das funções inerentes ao ofício. Pela leitura

deste códice pode entrever-se a conformidade de acções dos Secretários e do Escrivão da Puridade. Pelo que atrás foi dito, não se pense que estes dois ofícios se excluem mutuamente; na verdade, eles coexistem e a similaridade de funções pode ser um indício do processo de descentralização dos serviços burocráticos que conduz ao aumento e especialização do número de oficiais .

Para o ano de 1471 não há qualquer referência ao Secretário no protocolo final dos diplomas revelando desta forma que o Escrivão da Puridade, muito "apagado" da subscrição, não foi substituído por esse oficial.

Apesar da omissão do nome do titular desta dignidade no ano em estudo, o seu detentor seria muito provavelmente Duarte Galvão, Cronista-mor, Secretário e Conselheiro de D. Afonso V e de D. João II366, que desempenhou o cargo entre 1465 e

1479.