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O espaço sociocultural AMEMG

No documento DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (páginas 102-118)

2.5 Alguns espíritas do Brasil

3.2.2. O espaço sociocultural AMEMG

No grupo AMEMG, percebe-se (como já apontamos anteriormente) um direcionamento do Espiritismo para as questões científicas da doutrina, sem deixar de valorizar os aspectos filosóficos e religiosos. Por meio da observação das relações e inter-relações dos e nos grupos de atividades, é possível definir um campo de significados e delinear identidades próprias. Apesar das diferenças intrínsecas a cada grupo, e de expressões diferenciadas para a abordagem do processo saúde-doença, é possível perceber um repertório comum, que não dilui as diferenças, mas que caracteriza bem esses espaços socioculturais. A avaliação, enquanto constituição cultural, por intermédio da análise dos processos em que valores e atores sociais são observados em suas múltiplas e complexas inter-relações, possibilitou a leitura do espaço sociocultural desse grupo AMEMG, em um determinado tempo, em um determinado espaço, uma vez que essa construção de realidade acontece de forma bastante dinâmica.

Quando dizemos espaço sociocultural, pensamos na configuração cultural entre instâncias de socialização dentro do mundo contemporâneo. Para isso, é necessário resgatar os pensamentos de Peter Berger e Luckmann (1978) com os fenômenos de “objetivação”, “interiorização” e “exteriorização” da socialização como produção do indivíduo, e de Pierre Bourdieu (1983), com a teoria de habitus. O conceito de habitus já foi objeto de muitas interpretações e na leitura de Setton (2002: 63) é

“um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais específicas de existência), constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano”.

Entendendo que o habitus ocorre como uma subjetividade compartilhada, um sistema de disposição construído continuamente, aberto a novas experiências, integrando experiências anteriores e considerando biografias individuais, vemos as transformações individuais e institucionais da AMEMG. Berger e Luckmann (1978) construíram suas reflexões sobre socialização, dividindo-a em dois eixos: a primária e a secundária. A socialização primária, por serem os

primeiros conhecimentos do indivíduo (dados pela família, escola, etc.) implica sequências de aprendizado socialmente definidas; já na socialização secundária, “o presente é interpretado de modo a manter-se numa relação continua com o passado, existindo a tendência a minimizar as transformações realmente ocorridas” (1978: 215).

A partir dessas considerações, vemos a AMEMG como um território de socialização e de possibilidades, uma vez que alberga diferentes profissionais da saúde, com biografias individuais bem diversas, trajetórias religiosas diferentes quanto à origem primária das crenças. De qualquer modo, são pessoas que escolheram passar por uma re-socialização em relação ao foco espiritual e religioso. Há pessoas que, desde a infância, são adeptas do Espiritismo, e há aqueles que aderiram à religião já na vida adulta, como resultado de um processo racional de afinidades subjetivas e, há outros que fizeram optação por enfrentarem dificuldades com a manifestação mediúnica ostensiva. A transformação individual pela adesão à instituição implica um relacionamento com o pessoal socializador – membros cativos da instituição, possibilitando significativa troca e assimilação de novos signos e significados, que interagem com o reconhecimento de plausibilidade da filosofia espírita. As transformações para o universo da espiritualidade podem ser percebidas pela declaração:

[...] antes de entrar no Espiritismo eu era muito materialista. Muito assim, a coisa era matéria e pronto. Fiz minha formação na PUC, com Psicologia Analítica, Psicanálise. [...] cheguei no Espiritismo, por acaso. Não tinha a menor vontade, não tinha a menor atração. Foi quando uma pessoa me convidou, para participar e insistiu muito. Aí, um dia resolvi ir. Foi quando cheguei pela primeira vez, já fazendo perguntas. Por que me mandaram tomar passe, me mandaram tomar água fluidificada, e falei: “o que é isso?” (P2).

Dentro de um sistema de disposições semelhantes, podemos encontrar uma homogeneidade relativa dos habitus, pois, além das mensagens e influências, os indivíduos se movem em uma rede de papéis e significados que faz com que a recepção e interpretação seja heterogênea. As mudanças pessoais em qualquer fase da vida implicam buscas pessoais, interpretações, e construção de uma rede de significações. A AMEMG, como qualquer instituição, é ao mesmo tempo produtora e promotora de valores, saberes, conhecimentos que permeiam ações, opções, escolhas e práticas, estimulando comportamentos. E

como um projeto de vida é passível de novas trajetórias, mesmo depois de uma carreira profissional já estabelecida e uma história biográfica importante que ele pode mudar. É o que ocorre com a entrevistada que, aos 35 anos de idade e já estabelecida profissionalmente, se permite uma nova dinâmica profissional e religiosa, seduzida pela plausibilidade encontrada nas significações do Espiritismo oferecidas pela AMEMG:

Em 1986 foi meu primeiro contato com o Espiritismo, fui ao Hospital André Luiz assistir a uma palestra sobre regressão. Eu estava trabalhando com isso, e fui assistir. No final da palestra [...] recebi o convite para vir trabalhar aqui (na AMEMG), porque tinha duas salas livres [...]. Nesse meio tempo, eu estava fazendo terapia com ele (psiquiatra espírita e palestrante), sentei um dia, olhei para ele e falei: você quer saber, eu acho que eu quero ser espírita, estou gostando disso. Era católica, mais não praticante. Ele disse: vou te encaminhar para um centro espírita que está reabrindo, um dos primeiros centros espíritas de Belo Horizonte [...] e comecei a frequentar, assistia às reuniões, depois fui estudando a doutrina [...] depois vim pra AMEMG, e fiquei aqui, mudei já faz vinte e dois anos, [...] deixei meu consultório lá no centro da cidade e fui fazendo a transferência dos pacientes pra cá [...]. (P3).

As mudanças exercidas pela facilitação da AMEMG não são somente no plano profissional, mas na vida religiosa. Em alguns casos, essas mudanças ocorrem pelo desabrochar de alguma habilidade e por se deparar com um problema que pede soluções e provoca escolhas, na situação de o indivíduo poder exercer sua autonomia para resolução do problema:

Eu me tornei espírita quando estava no primeiro ano de medicina. Eu trabalhava com mediunidade desde os quinze anos de idade, mas não era dentro do espiritismo, e me tornei espírita de dezoito para dezenove anos. Sou de família católica, fui coroinha, estudei em grupo de jovens católico. Eu falava que ia ser padre. Eu tenho uma formação muito arraigada, minhas primeiras professoras todas eram irmãs de caridade, estudei em escola que tinha a orientação católica, então, tenho uma formação totalmente católica. Dentro do espiritismo foi uma busca pessoal. (M3).

Quando trabalhamos com pessoas, estamos lidando com planos individuais dentro de um grupo em permanente mudança, o que Gilberto Velho (2003) irá chamar de “potencial de metamorfose”. Esse “projeto metamorfose” é que permite o trânsito dos indivíduos entre diferentes situações sem os ônus psicológico-sociais que teriam numa visão estática de identidade. O “projeto metamorfose” é característico da “sociabilidade contemporânea, que faz com que todos, potencialmente, possam participar de n códigos e mundos” (VELHO,

2003: 82). Toda essa complexidade exige um esforço para a compreensão da visão de mundo do indivíduo e do grupo. Deparamos com situações entre os membros da AMEMG que caracterizam transformações individuais com a segurança oferecida pelo contexto grupal. Há casos em que o indivíduo, desde sua socialização primária, aprendeu e significou a filosofia espírita, mas, ao entrar para a universidade, construiu um tempo de distanciamento do padrão religioso familiar. Talvez por receio de enfrentar preconceitos da sociedade com que passou a conviver, mas depois de encontrar a Associação, conseguiu estabelecer uma possibilidade de reconstrução de sua identidade religiosa e ganhou segurança para o trabalho profissional, reordenado na confirmação do Espiritismo. Dos profissionais entrevistados, 40% já tinham o Espiritismo como religião desde o nascimento por acompanhar a família, e a AMEMG serviu para um reforço ou retomada do caminho espiritual; os outros 60% se converteram para essa religião quando já adultos. O ambiente sociocultural AMEMG possibilita diferentes situações de adaptações, adequações, ajustes, dentro de uma configuração de vida bem dinâmica no mundo contemporâneo, a exemplo da declaração:

Eu faço meu trabalho, frequento os congressos médicos, estou sempre mantendo a vida acadêmica normal, nisso não modifiquei. E meus amigos médicos não espíritas sabem que sou espírita, e inclusive já foi motivo de casos engraçados, como me encaminharem pacientes falando: “esse caso é para você, está meio esquisito!”. Então, depois de conhecer e começar a participar da AMEMG ficou uma coisa bem saudável, e pensar que há 15 anos eu tinha medo disso; medo de falar que era espírita... (M5).

Buscando em Durkheim (1978: 211), veremos que as categorias, ou seja, as propriedades universais das coisas, como tempo, espaço, personalidade, gênero, dentre outras, são em essência produtos do pensamento religioso, “nasceram na religião e da religião”. Considerando, como já dissemos anteriormente, que a religião é um produto social e, portanto, representações coletivas, quando suscitamos a construção de categorias e de conceitos estamos diante de uma produção social. Dessa forma, se pensarmos os grupos religiosos, é relativamente facil perceber que a maneira de agir e de pensar os conceitos chave nasce no interior do grupo. Não é a religião em si a controladora, mas um pequeno núcleo que exerce a manipulação e provoca o controle sobre outros grupos. Podemos pensar essa condição na relação

maior, estabelecida entre a AME-Brasil e as outras AMEs, mas também nas relações internas da AMEMG, entre os grupos de trabalho e cada um dos profissionais.

Podemos perceber aqui o habitus como estoque de disposições incorporadas, postas em prática a partir de estímulos conjunturais, por meio de um sentimento de pertencimento ao grupo. Como diz Gilberto Velho (2003: 48), “a transformação individual se dá ao longo do tempo e contextualmente”, as pessoas mudam por intermédio de seus projetos e os projetos também mudam porque as pessoas mudam. Estamos pensando aqui os projetos pessoais segundo a perspectiva de Velho (2003), como “uma dimensão racional e consciente, com as circunstâncias expressas em um campo de possibilidades”, construída dentro da problemática antropológica da troca e da reciprocidade, mas resgatando sempre a unidade social.

Para Gilberto Velho (2003: 7), a metamorfose é uma “mudança individual dentro e a partir de um quadro sociocultural”, os indivíduos se fazem, são constituídos, feitos e refeitos, por meio de suas trajetórias individuais, mas sempre guardando algum sinal do estado anterior. Os habitus de Bourdieu (1983) são produto da socialização em diferentes trajetórias, classes sociais e espaços distintos como a família, a escola, o trabalho, os amigos, os recursos midiáticos (TV, jornais, livros, etc.), que promovem a metamorfose, a transformação individual dentro de um projeto de vida que também é um universo de possibilidades.

Desde o dia que entrei na faculdade de medicina, não tinha como levar a saúde em consideração sem pensar em vidas pregressas. Porque já era costume; avós médiuns; todos kardecistas; criados dentro do centro espírita; na evangelização; e entrei em contato comigo mesma, querendo a medicina para ser mais uma porta de entrada para ajudar a melhorar a minha reencarnação. [...] Durante o período da faculdade a gente fica mais distanciado da questão espiritual, porque a medicina e a parte espírita nem sempre combinavam, tinha diferença nas ciências; apesar de que lendo algumas coisas de André Luiz, via que existia alguma correlação. O Espiritismo é uma das religiões que mais traz correlação com a ciência, a saúde e religião, e obtive muitas respostas interessantes. (M5).

Também é o que eu conheço, eu nasci espírita, então eu não conheço como que as outras religiões fazem essa condução, eu conheço realmente o que a minha fez comigo, me conduziu para ser

mais humana, enquanto pessoa. [...] Dentro da faculdade eu às vezes criava polêmica, polemizava muito pela visão espiritualista que tinha. (P1).

Ser espírita, estar como espírita na AMEMG pode representar algo já plausível para o entendimento da vida, e lembrando-se das colocações de Concone (2008: 236) de que “o entendimento de sofrimento/enfermidade não se faz deslocado do entendimento da vida e do ser-vivente”; sempre para “todas as populações, em todos os tempos, os Homens preocuparam-se com o sofrimento e com a morte e buscaram modos de superá-los”. Essa condição se dá dentro do contexto sociocultural, considerando que para o indivíduo, desde a infância, não existe uma experiência social que não tenha passado pela marca da sua cultura. Tudo tem um significado, que de alguma forma já nos foi construído pelo grupo de origem ou o grupo ao qual pertence na atualidade, ou mesmo de uma instituição da qual faça parte, tais condições foram apreendidas e disseminadas por meio de uma “teia de símbolos significantes”, como diria Geertz (1989: 233).

Entrar para a AMEMG implica participar de um conjunto de estudos, reflexões, atividades, que geram remodelagem do projeto de vida profissional no modelo clássico. Atuar em alguns momentos de forma voluntária, sem honorários, estar em constante aprimoramento dentro dos preceitos da doutrina espírita, participar de um espaço onde atuam profissionais de diferentes formações em frequentes discussões de pontos de vista, participar de equipe multiprofissional no atendimento aos clientes da AME. Essa conjuntura constrói certa homogeneidade frente às explanações sobre a saúde na visão espírita, mas também mostra as diferenças pessoais. As relações interpessoais, as discussões e estudos temáticos desenvolvidos na Instituição pelos membros dos grupos de trabalho, os estímulos mútuos, tudo colabora para que as visões individuais se transformem em visões de grupo. Essa possibilidade não descarta muitos momentos de tensões e de calorosas discussões no interior do grupo durante as reuniões de estudos, seja referente à doutrina ou às discussões da Arte Médica. Há no interior dos grupos muito diálogo, interações, que estimulam os novos integrantes a participar de várias atividades, até que eles melhor se identifiquem com um dos grupos e fixem aí seu exercício profissional:

[...] foi quando entrei para a Associação. Aliás, entrei para o departamento de psicologia e logo após fui para esse grupo para fazer o meu desenvolvimento mediúnico. Eu entrei para minha casa, era aqui o meu lugar, não tinha dúvida. E fiquei piolho da Associação. Tudo o que tinha e que eu podia, eu participava, [...] tinha uma reunião que antecedia o meu horário da reunião de desenvolvimento, que era a reunião de discussão de casos clínicos, e comecei a participar. (P4).

Para além das construções referentes aos profissionais, a AMEMG também serve como ambiente cultural e de transformação para seus clientes. O cliente que busca a AMEMG provavelmente está à procura de uma dupla explicação: uma que diz respeito ao corpo físico e aos suas manifestações de desconforto, dor, mal estar; ele espera do terapeuta um diagnóstico e uma terapêutica. Outra explicação ele espera no plano religioso ou sobrenatural: os motivos últimos do adoecimento. Essa situação de busca de ajuda de médicos, mas também dos terapeutas religiosos, é para que seja compreendida a natureza do problema e haja a construção, ou reconstrução, de seu significado. A mensuração objetiva do médico a visão centrada na fisiopatologia, o mecanicismo do corpo com a metáfora de uma máquina, a dualismo na relação corpo/mente, a ênfase no diagnóstico e tratamento sobre o doente desprezando a participação da família (de origem ou constituída) são algumas das condições que distanciam o médico da “medicina convencional” da realidade do doente e do entendimento de seus sintomas (HELMAN, 2003; IRIART, 2003). A racionalidade científica da biomedicina despreza as dimensões emocionais e morais de aflição da pessoa, em um processo de despersonalização do indivíduo e deslegitimação da queixa do doente (IRIART, 2003). Na AMEMG, essa visão da “medicina convencional” é distanciada, dando entrada a uma nova abordagem para a dinâmica relação saúde/doença. Ao se caracterizar como um espaço híbrido de atuação, a AMEMG favorece o comportamento brasileiro de frequentar diferentes nichos religiosos em busca ou não da cura. Os indivíduos que fazem tratamento, ou mesmo os que não sejam pacientes, podem frequentar as reuniões públicas, realizar algum tratamento de fluidoterapia. Rituais semanais que ocorrem nos centros espíritas são encontrados também na AMEMG, quando um dia na semana são oferecidas ao público em geral a palestra com leitura do “Evangelho segundo o Espiritismo”, a prece, o passe e a água fluidificada. Os clientes e outros

interessados podem encontrar ali um espaço estimulador para essa socialização religiosa:

Os passes, por exemplo; às vezes encaminho para um centro espírita ou aqui na Associação para nossa equipe de passes. Muitos

preferem vir para Associação; por não ser uma casa espírita.

Quer dizer, a Associação é uma instituição médico-espírita, mas ela não é um centro espírita e isso para alguns faz diferença. Aqui, eles se sentem mais à vontade. Vêm tomam passe e participam do tratamento do grupo de psico-oncologia, por exemplo, [...]. Nós temos outros grupos aqui na Associação. Normalmente quando você tem uma boa relação com o cliente, e ele está sofrendo, ele aceita; ele quer, às vezes te pede. Aqui tem alguma coisa que eu posso ler? Ou alguma coisa que eu posso fazer? Às vezes ele até se antecipa a gente, sabe? (P1, grifo nosso).

A AMEMG, da mesma forma que as AMEs, permite retomar as práticas de saúde disseminadas no passado pelo Espiritismo. Podemos supor que as instituições AMEs podem ter sido produtos do paradigma médico-espírita disseminados por médiuns no passado, e agora são produtoras desse paradigma, mas de maneira diferenciada. Em outras palavras, o Espiritismo sempre desenvolveu uma abordagem centrada na saúde e na terapêutica “holística” desde Kardec e principalmente na versão brasileira (Aubrée e Laplantine, 1990). Desde o início do século XX, as práticas de cura espirituais com a participação mediúnica, prescrição de medicamentos (dentre eles as garrafadas – um fermentado de ervas medicinais), cirurgias espirituais e incisões de faca cega, são procedimentos terapêuticos disseminados por adeptos do Espiritismo no Brasil. A proliferação descontrolada dessas práticas atingiu negativamente o projeto de respeitabilidade da doutrina enquanto pilar sustentado na ciência. Assim, profissionais da saúde espíritas se aliaram a dirigentes e médiuns para reatualizar a doutrina, buscando os parâmetros dos procedimentos científicos, mas repudiando as práticas das cirurgias de faca cega, como já dissemos. Nesse sentido, os profissionais ligados às Associações Médico-Espíritas vêm ocupando o lugar anteriormente conquistado por intelectuais espíritas como J Herculano Pires34, Hernani

34 Herculano Pires (1914-1979) foi jornalista, filósofo, educador e escritor espírita brasileiro.

Destacou-se como um ativo divulgador do Espiritismo no país, traduziu alguns escritos de Allan Kardec, escreveu tanto estudos filosóficos quanto obras literárias inspiradas na doutrina espírita.

Guimarães Andrade35, Deolindo Amorin36, Ary Lex37, dentre outros;

personalidades que lutaram pelo Espiritismo mais científico e menos religioso. A complexidade dessa estrutura social construída por esses profissionais espíritas nos faz lembrar a afirmação de Laplantine (1991), de que os fenômenos sociais que se apresentam como religiosos (como os rituais), ou como estritamente médicos (como as cirurgias), demandam estudos e “esclarecimentos de vários procedimentos sucessivos: o da antropologia médica e o da antropologia religiosa, mas também da antropologia política, econômica”, e outros (LAPLANTINE, 1991: 214).

Resgatando Peter Berger, vamos lembrar que “a religião é a capacidade de o organismo humano transcender sua natureza biológica através da construção de universos de significados objetivos, que obrigam moralmente e que tudo abarcam” (op. Cit., 2004: 183). Nessa perspectiva, a religião torna-se um fenômeno antropológico com potencial de “autotranscedência simbólica” e não apenas um “fato social” como afirmava Durkheim (1978). Em relação ao papel das AMEs dirigidas pela AME-Brasil, a utilização de estratégias de construção e difusão de um “paradigma médico-espírita”, abarcando aspectos não só políticos, mas também religiosos e médico-científicos, se constitui num fenômeno antropológico relevante. Em um contexto descrito como crise da “medicina convencional”, em face do crescimento das “medicinas alternativas”, das “práticas alternativas”, que têm proposta de visão “holística e naturalista” diante da saúde e da doença, em oposição à “medicina tecnológica, especialista e mercantilizada” (QUEIROZ, 2000: 364), as atividades das AMEs ganham direção para implantar uma medicina espírita socialmente legitimada. Para tanto, buscam os cenários acadêmicos, tanto no âmbito nacional e

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