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35 Segundo Barrozo (2014, p. 460), “De acordo com dados do IBGE (1950), os resultados do recenseamento desse período revelavam a seguinte realidade de Pelotas quanto ao nível de instrução geral (pessoas presentes de cinco anos e mais): Sabem ler e escrever: 75.932 (59,49%); Não sabem ler e escrever: 33.763 (26,45%); Sem declaração: 17.946 (14,06%). O contexto do ensino primário era o seguinte: pessoas presentes de 5 a 14 anos recenseadas em 1950: 26.869; Unidades escolares do ensino primário fundamental comum: 167; Matrícula geral no ensino primário fundamental comum: 12.713. (Pelotas: IBGE, 1955: 13)”.

82 Faço aqui, inicialmente, considerações sobre a Igreja Católica e o Estado brasileiro, destacando seus interesses na formação do trabalhador rural, principalmente após o período varguista que tem início em 1930, até a década de 1960, quando se consolidam as políticas para educação rural no Brasil.

Busco analisar, principalmente a partir do jornal católico A Palavra, quais eram os interesses da Igreja para com a educação rural na região de Pelotas. Cabe relembrar que esse jornal circulou semanalmente até o ano de 1959, momento a partir do qual se podia notar maior efervescência de notícias sobre a articulação da educação rural na região. Este periódico, que circulou desde 1912, foi de suma importância para o entendimento dos princípios apregoados pela Igreja Católica, visto que ele era o meio oficial de divulgação ideológica dessa instituição na Diocese de Pelotas.

O interesse da Igreja Católica na educação das populações campesinas foi variado. Segundo Azzi; Grijp (2008), as condições peculiares existentes na vida do campo mantinham membros da Igreja Católica mais próximos dessas populações. No início do século XX, a vida na cidade era considerada imoral, cheia de vaidades e mais suscetível a ideias liberais e socialistas. “A permanência mais acentuada de valores religiosos no mundo rural, por sua vez, gerava a admiração e a simpatia para com os habitantes do campo” (AZZI; GRIJP, 2008, p. 92). Associada a esse pensamento, a Igreja Católica considerava importante investir na evangelização da população rural tendo em vista a formação de quadros religiosos e a manutenção de valores considerados mais próximos de Deus. Porém, não só à Igreja Católica foi interessante o investimento em educação rural. O Estado brasileiro também tentava combater o êxodo rural, transferindo para a educação e para iniciativa privada a responsabilidade de fixar o homem no campo, ideário este já aqui discutido e advindo do início da República, com os ruralistas pedagógicos.

Essa articulação entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro no espaço educacional viria a beneficiar ambos: de um lado, a Igreja formaria professores atuantes nas comunidades rurais, com princípios católicos, e de outro, o Estado encontraria um encaminhamento viável para contemplar seus interesses junto à educação no meio rural. Assim, os professores rurais - conforme veremos através das particularidades da Escola de Normalistas Regional Imaculada

83 Conceição (ENRIC) - teriam uma formação moral, cívica e religiosa, distante dos ideários comunistas que passam a ganhar força no período pós-segunda guerra. Pode-se dizer que, desde o fim do Regalismo36, sistema que permitia o

atrelamento da Igreja com o Estado, a Igreja Católica começou a aproximar-se de ideias mais progressistas e adaptadas às necessidades do povo. Até então, a Igreja não “precisava criar mecanismos de formação de massas que extrapolassem o “pulpito” limitando-se a um processo de arregimentação jurídico-burocrático” (TAMBARA, 1993, p. 60). Assim, surgia um movimento de recatolização no Brasil que ocorria desde as décadas de 1920 e 30 com a instalação da República e o consequente fim do Regalismo.

Cabe destacar que, no período de 1920, “concepções ‘comunistas’ passam a ser vistas efetivamente como uma ideologia competidora” (TAMBARA, 1993, p. 60). Durante a República Velha, a Igreja tentou reorganizar e intensificar sua atuação no Brasil de forma orgânica através da expansão de Dioceses e também de estratégias discursivas disseminadas em periódicos como jornais e revistas, entidades de classes, associações, bem como através da escolarização (LEON, 2015).

A Igreja foi aumentando sua articulação e criou, por exemplo, o Centro Dom Vital no Rio de Janeiro, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, o qual “exerceu importante papel no assentamento das bases para a ‘renovação’ que se sucedeu no final dos anos 1930 e 1940” (KADT, 2007, p. 82). A partir do referido centro, diversos outros movimentos estruturaram-se no país, como a Ação Católica que, segundo Kadt (2007), foi um movimento realmente social e progressista, atrelado a Amoroso Lima. Da Ação Católica, surgiram: a Juventude Eleitoral Católica; a Juventude Universitária Católica; a Juventude Operária Católica e, em meados de 1950 surgiu a Juventude Agrária Católica. Tais movimentos eram estimulados pelas Dioceses e foram resultado de conjunturas econômicas, como a crise de 1929 e o populismo da Era Vargas, os quais tinham no operariado um de seus cernes.

36 O regime de padroado foi originário do período colonial e imperial brasileiro. Nesse regime, a

religião oficial do Brasil era a católica e conferia à coroa direitos sobre os cargos eclesiásticos da Igreja Católica. A constituição da República de 1891 estabeleceu a separação da Igreja e do Estado dando fim ao sistema do Regalismo, ou seja, a união entre Igreja e Estado que então predominava no Brasil. Ambas instituições passaram a conviver em regime de cooperação e não se tornaram antagônicas, como poderia sugerir tal separação.

84 Para Carvalho (1985), esse movimento representa uma fase de ressignificação da Igreja em plena luta pela redemocratização no país, transição da ditadura varguista para o período democrático. A Igreja Católica passou a propor-se não apenas como guia espiritual, mas também como uma autoridade responsável e guardiã de valores universais de modo que os “valores de sociedade a ser construído, ou em construção, absorvam suas propostas” (CARVALHO, 1985, p. 73), as quais estariam acima dos interesses de classes e do sistema econômico e políticos do país.

A sua participação na constituição deste novo bloco histórico se dá nas propostas de valores cristãos e ocidentais e também na organização de seu rebanho ou de camadas específicas dele. numa ação em que, ao mesmo tempo, se volta para ela mesma, enquanto Igreja a ser modificada, revigorando seus ensinamentos e princípios universais, e também amplia esta dimensão religiosa para uma dimensão social, sob a ótica da justiça e da caridade. Enquanto Igreja, pode exigir de seu rebanho, composto de vários grupos sociais e, enquanto parceira de um bloco histórico, busca atuar pelo consenso (CARVALHO, 1985, p. 73).

O periódico pelotense A Palavra publicava notícias do Vaticano e, em 1947, reforçava a importância da formação militante da Juventude Operária Católica. Referindo-se a uma Conferência do Rev. Cônego Cardijn numa aula magna do Ateneu Laterenense, na Bélgica, o semanário informava os princípios da Juventude Operária Católica que deveriam ser extensivos a outras regiões, notoriamente a cidade de Pelotas. Essa formação deveria considerar 3 aspectos tidos como inseparáveis: “a) a significação religiosa da vida: fazê-la servir à glória de Deus; b) a formação apostólica: agir sobre o outro; c) a formação técnica: opor ao comunismo internacional, a força internacional da Igreja” (A FORMAÇÃO..., 1947).

Destaca-se que a essa política de combate ao comunismo também fazia parte de uma discursividade implantada num contexto de Guerra Fria e que se consubstanciava com a instalação de políticas de combate à pobreza, uma vez que aos pobres e aos países subdesenvolvidos se associava um lócus de fácil inserção de ideologias comunistas. Como forma de enfrentamento a esse cenário, os Estados Unidos assumiram a frente de oposição para, com isso, estabelecer sua hegemonia e poder em diversas regiões do mundo, interferindo em áreas como educação, saúde, higiene, moralidade e emprego. “A

85 reordenação do Imperialismo se baseou numa política de combate à pobreza cujo objetivo era não apenas criar consumidores, mas transformar os próprios pobres em objeto de conhecimento e gerenciamento [...]” (MENDONÇA, 2011, p. 145)”.

Nesse sentido, o envolvimento da Igreja Católica com a educação se intensificou ao longo da República. Em 1961, a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) criou o Movimento de Educação de Base (MEB) “objetivando desenvolver um programa de educação de base por meio de escolas radiofônicas, nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país” (KADT, 2007, p. 14). Nesse momento, surgiram correntes estudantis, como as Juventudes Católicas, que tiveram propostas mais ousadas para a educação. A Ação Popular, oriunda de quadros da Juventude Católica Universitária, chegou a criticar o capitalismo e suas estruturas de dominação. Na década de 1960, no Brasil, houve diversos movimentos no interior da Igreja. Alguns assumiram posições mais radicais e progressistas até o Golpe de 1964.

Com relação ao Estado brasileiro, uma perspectiva modernizante foi adotada com ênfase pelos governos de Getúlio Vargas no Brasil. Há que se levar em conta que a economia capitalista buscou sua modernidade a partir do estabelecimento do Estado-Nação. Segundo Afonso (2001), buscou-se construir a nação através de uma perspectiva econômica, social, política e cultural. A econômica visando à construção de um mercado nacional; a social, por meio de um Estado social com educação para todos os cidadãos; a política, a favor da democratização via partidos políticos e classes sociais; e, por fim, a cultural, através da construção de uma unidade linguística e simbólica para a população.

A intervenção do Estado teve, assim, um papel importante e decisivo na gênese e desenvolvimento da escola de massas (enquanto escola pública, obrigatória e laica), e esta não deixou de ter também reflexos importantes na própria consolidação do Estado (AFONSO, 2001, p. 18).

A atuação do Estado buscou parceria com outros setores, dentre eles a Igreja Católica, a qual soube atuar fortemente na educação neste período. Bruneau (1979) esclarece que na Era Vargas, a Igreja foi importante aliada do

86 governo. Dom Sebastião Leme37 adotou a estratégia de associar-se à esfera

pública, vinculando-se ao governo. Tanto na Constituição de 1934 quanto na Constituição de 1937, interesses da Igreja foram contemplados. Como afirma Bruneau (1979, p. 32):

A constituição invocava Deus em seu prefácio; o Estado podia agora assistir financeiramente a Igreja no interesse da coletividade; os membros das ordens religiosas podiam votar; assegurava-se assistência espiritual aos militares; o casamento religioso era reconhecido nos mesmos termos do civil e o divórcio era proibido; e provavelmente o mais importante, a educação religiosa era permitida no horário escolar e o Estado podia subvencionar escolas católicas.

Com relação aos problemas rurais, entre 1930 e 1964, o modelo político brasileiro transitou em meio às necessidades advindas dos interesses dos latifundiários e industriais. Como afirma Camargo (1984, p. 147)

Se pudéssemos definir o modelo político brasileiro por seus sucessivos reajustes no curso da História, diríamos que uma de suas características básicas era a de ter secretado uma classe política simultaneamente vinculada aos interesses agrários e ao desempenho das funções de Estado.

Tal política de simultaneidade, segundo a autora, garantiu a manutenção dos interesses do monopólio da terra e do enquadramento político das populações rurais. As condições precárias da população rural e a sua reordenação frente à desigualdade na distribuição das terras fizeram com que o Estado brasileiro se obrigasse a enfrentar essa situação, que, em casos como no México38, já demonstravam exemplos de populações que exigiam a Reforma

Agrária.

Diante das desiguais condições no campo, a população campesina se voltava para os centros urbanos. O resultado era devastador trazendo “analfabetismo, baixo nível educacional, subemprego, marginalidade urbana,

37 Dom Sebastião Leme foi bispo auxiliar do Rio de Janeiro (1910), Arcebispo de Olinda e Recife

(1916), arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro (1921) e cardinalato de 1930 a 1942. Para maiores informações, consultar Bruneau (1979) e Azzi; Grijp (2008).

38 O México, a partir de orientações da UNESCO para educação nos países Latino-Americanos,

despontava com diversas iniciativas para a educação rural, dentre elas, Escolas Normais Rurais e Missões Culturais, que seriam “como instrumentos específicos de ‘educação de adultos’, ou de serviço social de grupo” segundo Manoel Bergstrom Lourenço Filho (SOUZA, 2013, p. 72). Lourenço Filho foi enviado ao México, em 1951, a pedido do Ministro da Educação e Saúde do Brasil, para avaliar o movimento de educação rural que já existia naquele país. Tal viagem originou um relatório que posteriormente serviu de base para a CNER (SOUZA, 2013).

87 precárias condições de saúde, que vão exigir a intervenção paternalista do Estado a fim de reduzir os contrastes e evitar a eclosão de incontroláveis conflitos” (CAMARGO, 1984, p. 149).

No governo Vargas, os discursos sobre a escolarização rural foram muitos e variados. Alguns deles sobre as possíveis responsabilizações pelo considerado atraso da população rural. Um dos fatores que levava a esse atraso seria o professor, por este ser um profissional oriundo da zona urbana e, portanto, distante do conhecimento sobre a realidade do campo. Além disso, havia a questão de que muitos não se dispunham a permanecer na zona rural para lecionar (MIGUEL, 2007).

Para ajudar na reversão desse quadro, de atraso na escolarização rural, o governo getulista criou o Fundo Nacional do Ensino Primário, sob o Decreto- Lei 4.948, de 14 de novembro de 1942. Este destinava recursos “à ampliação e melhoria do sistema escolar primário de todo o país. Esses recursos foram aplicados em auxílios a cada um dos estados e territórios e ao Distrito Federal, na conformidade de suas maiores necessidades” (PAIVA, 1973, p. 149).

No entanto, havia a necessidade de formar melhor o professor para atuar no meio rural. Como será abordado a seguir, o governo, então, implantou a Lei Orgânica do Ensino Agrícola, sob o Decreto-Lei 9.613 de agosto de 1946, a qual criava as Escolas Normais Regionais Rurais39 (WERLE; METZLER, 2010, p. 26).

Esse é o momento pós Estado Novo de Vargas e seu regime repressivo e ditatorial. Os governos populistas que o sucederam apontavam para uma preocupação educativa, através da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos. Inicialmente, tal medida não se pautou por diferenciar um programa para a educação rural ou urbana, mas, a partir do lançamento das Missões Rurais e da Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), em 1952, passou-se a aplicar os princípios do desenvolvimento comunitário que não apenas almejava a alfabetização. Paiva (1985, p. 177) ressalta que “estudos de sociologia rural desenvolveram-se com o fito de buscar a forma mais adequada de abordar a comunidade rural e influir sobre seus habitantes”.

39 Segundo Souza e Ávila (2014a, p. 29) “no Estado de São Paulo, diferentemente de outros

Estados, não foram criadas escolas normais regionais instituídas pela Lei Orgânica do Ensino Normal em 1946”.

88 Segundo Souza; Ávila (2014a, p. 23), uma formação específica para o professor primário rural “já estava em discussão no Estado de São Paulo desde a década de 1910. Porém, nos anos 1930 e 1940, o debate foi ampliado, envolvendo posições diversas em torno da escola normal rural”. Sud Menucci era favorável à formação docente voltada para o meio rural.

A proposta de Sud Mennucci credenciava as escolas normais rurais como instituições centrais no ideário da ruralização do ensino. [...] Não obstante, vale a pena notar que os defensores do ruralismo reabilitaram o apostolado cívico do magistério proclamado no início da República. Caberia ao professor rural transformar não somente a escola, mas, principalmente, o homem do campo e o seu meio (SOUZA; ÁVILA, 2014a, p. 25).

É importante lembrar que a sociedade civil e o Estado brasileiro já vinham debatendo os problemas da educação rural conforme as já citadas ideologias dos ruralistas pedagógicos. Campanhas e ações para escolarização rural surgiram com mais intensidade nos anos de 1940 e 1950.

Cabe ressaltar os receios advindos após a II Guerra Mundial, pois havia uma maior preocupação com ideias que combatessem o comunismo e o socialismo, haja vista o medo de que tais concepções se espalhassem pelo mundo. Barreiro (2010) sinaliza que a ONU era uma instituição por meio da qual os Estados Unidos expandiam sua política, no intuito de conter a desordem social e garantir maiores domínios sobre outros países. Havia a mentalidade de que povos mais pobres assimilariam melhor a propaganda comunista. “Esse fato levou o governo americano a iniciar extenso programa de assistência técnica aos países pobres, especialmente à América Latina” (BARREIRO, 2010, p. 15).

Desse modo, é necessário salientar que os setores progressistas da Igreja Católica incentivaram a organização dos trabalhadores rurais através da criação de sindicatos rurais ou por meio de sua aproximação aos sindicatos já existentes. Tal concepção também foi assumida pelo Ministro do Trabalho do governo Vargas, João Goulart, em 1954. Posteriormente, o próprio Goulart, quando presidente da República pelo PTB, assumiu uma postura populista de incentivo à organização dos trabalhadores rurais (SKIDMORE, 1982). Com relação à organização trabalhista urbana, desde 1922, já havia uma crescente organização operária com influência do Partido Comunista, criado nesse mesmo ano.

89 Instalou-se, assim, uma forte condenação das ideias comunistas. Entretanto, o apoio à reforma agrária sob o signo do cooperativismo indicava a possibilidade de solução dos conflitos sociais com apoio da Igreja e sob os cuidados e influências para que tais ideias subversivas não se propagassem. Tal ideário pode parecer próximo até das ideias socialistas, pois a adesão da Igreja Católica à defesa da Reforma Agrária tende a dar essa visão. Porém, é importante ressaltar que a Igreja pregava a defesa da propriedade privada, diferentemente das concepções mais relacionadas à ideologia socialista.

A Comissão Brasileiro-Americana de Educação das População Rurais (CBAR), juntamente com a Igreja Católica, atuou principalmente em regiões onde houvesse conflitos por terra mais evidentes e onde predominaram as Ligas Camponesas, participando, inclusive, de um encontro em Porto Alegre-RS, para discutir a educação de jovens e adultos, em 1957 (BARREIRO, 2010).

2.3 A CONSTITUIÇÃO DAS DIOCESES GAÚCHAS E DA DIOCESE