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Busco aqui elucidar a metodologia da História Oral no intuito de entender aspectos institucionais da ENRIC. Ao analisar como a educação rural é representada a partir dos alunos egressos da ENRIC, objetivo compreender como incorporaram os saberes e práticas escolares. E o que esperavam como indivíduos de uma instituição que educava para uma “maneira de agir e de estar no mundo” (CHARTIER, 2005, p.23).

Le Goff (2003) destaca o quanto a História se consolidou através do testemunho oral e a importância dessa metodologia nos dias atuais, visto que os “materiais da história” se renovam abrangendo variados métodos. O historiador deve estar atento às intencionalidades dos “materiais da história”, sejam orais, escritos ou iconográficos, pois eles são construtores das narrativas e, inevitavelmente, são imbuídos de intencionalidades e passíveis de muitas representações.

Sendo assim, a História Oral vem contribuir para conhecer o processo de escolarização e seu contexto, trazendo aspectos sobre o cotidiano e as representações a partir dos sujeitos envolvidos. Para refletir sobre o uso da História Oral como metodologia, Ferreira; Amado (1998) explicam que ela,

[...] como todas as metodologias, apenas estabelece e ordena procedimentos de trabalho - tais como os diversos tipos de entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho -, funcionando como ponte entre teoria e prática. (FERREIRA; AMADO, 1998, p. XVI).

Dessa forma, cabe ressaltar que recorro a essa metodologia por acreditar que as entrevistas, juntamente com as fontes escritas e iconográficas, possibilitam um quadro mais completo do que busco vislumbrar nesta pesquisa. Essa busca também propiciou descobertas de documentos que estavam

47 “escondidos” no espaço privado, ou seja, nas casas de pessoas que foram entrevistadas. São fotografias, diplomas e histórico escolar, dentre outros.

As memórias dos sujeitos acionadas nas entrevistas foram frequentemente relacionadas à vida cotidiana e a fatos históricos referentes à vida escolar. Deve-se ter em mente que,

os homens como sujeitos de sua história podem produzir acontecimentos e mudanças, ou impedi-los de se concretizarem. Podem construir referências ou destruí-las. Podem reafirmar o poder, ou contestá-lo. Podem tolher a liberdade do ser ou reafirmá-la (DELGADO, 2003, p. 15).

Gomes; Mattos (1998) também afirmam que os sujeitos não são passivos. Isso leva a pensar como a comunidade escolar recebia as políticas educativas para as escolas rurais, uma vez que certamente lhes atribuíam “sentido próprio” de acordo com suas experiências individuais e coletivas.

Durante as entrevistas, o pesquisador deve estar atento à interpretação dos silêncios, daquilo que não foi dito e que também traz significados para representações de mundo, e ajudam a entender aspectos cotidianos.

Apresento, na figura 1, as entrevistas que realizei com as discentes da ENRIC e quatro entrevistas com outros sujeitos as quais foram efetuadas de modo a entender aspectos da instituição.

Figura 1: Quadro de entrevistas semiestruturadas: entrevistados, vínculo com a ENRIC, origem, idade, profissão e data das entrevistas

Entrevistados e abreviatura utilizada neste trabalho

Vínculo Origem Idade Profissão

atual Data das entrevistas Arminda H. V.

(Arminda H.) interna Interior de Pelotas 70 anos professora aposentada 28.11.2016 Anita C. de F.

(Anita C.)

semi- interna

Canguçu 70 anos Professora aposentada e representante do 24º núcleo do Cpers Sindicato 26. 6. 2017 Camila T.*

(Camila T.) vice-diretora da ENRIC

Pelotas ? professora

aposentada. 9.11.2016 Huberto S.

(Huberto S.) externo São Lourenço 74 anos aposentado como empresário

09/6/2016 e 25/10/2016

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Entrevistados e abreviatura utilizada neste trabalho

Vínculo Origem Idade Profissão atual

Data das entrevistas Ilda R. S. P.

(Ilda R.)

externa Pelotas 71 anos aposentada por idade (do lar)

9.12.2016 Maria H. S. N.

(Maria H.) interna Arroio Grande 80 anos professora aposentada 03.08.2017 Marta R.* (Marta

R.) bibliotecária Pelotas 75 anos professora aposentada 11.11.2016 Mariza C.

(Mariza C.) externa Pelotas 71 anos professora aposentada 9.12.2016 Marli S. (Marli S.) interna Interior de Pelotas 74 anos professora aposentada 8.11.2016 Marlene K.

(Marlene K.) interna Interior de Pelotas 66 anos professora aposentada 03/02/2016 Neiva H. F.

(Neiva H.) interna Interior de Pelotas 69 anos empresária aposentada 03.08.2016 e 25.8.2017 Renato V.

(Renato V.) sobrinho de Rachel Mello

Pelotas 70 anos advogado 6.10.2015 Suzete M.*

(Suzete M.)21 professora/ Diretora do Colégio Santo Antônio

Pelotas 84 anos professora

aposentada 26.6.2017

Zilda M. T. B.

(Zilda B.)22 interna Interior de Pelotas 68 anos vereadora e professora aposentada

11.05.2017

Fonte: elaborado com base nas entrevistas realizadas.

A escolha dos entrevistados exigiu um prévio conhecimento sobre o tema e uma clareza quanto aos objetivos da pesquisa. Neste caso, o propósito principal das entrevistas era esclarecer como a ENRIC foi criada e quais eram as representações dos entrevistados em relação à ENRIC. Quanto às discentes, suas representações sobre suas vivências como alunas da instituição e como ingressaram na atuação docente. Sendo assim, a decisão sobre quem entrevistar veio no sentido de alcançar tais objetivos. Como afirmar Alberti (2004, p.32), “assim, convém selecionar os entrevistados entre aqueles que

21 Respeitando as opções realizadas pelos sujeitos nas “Cartas de Aceite”, que lhes foram

entregues no dia da realização da entrevista, utilizo apenas um nome fictício, quando a opção do narrador foi de manter em sigilo a sua identidade, foi o caso a Marta R., Suzete M. e Camila T. (identificadas no quadro com um asterisco *). Os outros sujeitos tiveram seus nomes reais identificados e o sobrenome abreviado.

22 Cabe explicitar aqui que fiz uma opção por deixar visível o nome original dos depoentes neste

trabalho (exceto daqueles que não aceitaram tê-los divulgado). No entanto, contrariando as normas da ABNT para referências de relatos, optei por incluir os seus nomes em letra maiúscula, ao invés de seus sobrenomes de forma a dar maior destaque aos depoentes.

49 participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou situações ligadas ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos” (ALBERTI, 2004, p. 32).

Quanto à seleção dos narradores, inicialmente, entrevistei o sobrinho da professora Rachel Mello, figura que constatei ser de extrema relevância para a ENRIC. Meu interesse na entrevista era entender, ainda que de forma inicial, o envolvimento dessa professora com tal projeto educativo. Posteriormente, na própria instituição, hoje Escola de Ensino Médio Imaculada Conceição (E.E. I.C), tive a indicação do aluno Huberto, que conhecia e lembrava várias colegas. Dessa maneira, consubstanciou-se uma rede de indicações. Também, via rede social e e-mail, consegui realizar algumas entrevistas estruturadas online, através de um questionário.

As entrevistas semiestruturadas são um tipo de entrevista com roteiro prévio, mas que dá liberdade ao narrador para falar. Porém, o entrevistador orienta a conversa quando necessário. Apresentadas na figura 1, essas entrevistas foram realizadas presencialmente com intuito de entender a formação e atuação das ex-alunas ou aspectos da instituição em questão. Geralmente, eu iniciava o diálogo perguntando por que as normalistas foram estudar na ENRIC, na tentativa de que as “perguntas de abertura” (ERRANTE, 2000, p.149) levassem os narradores a falar sobre o que eu queria saber. No desenrolar das entrevistas, eles contavam anedotas, adversidades e histórias ali vividas. Também costumavam ampliar as memórias, por vezes, levando-os a contarem particularidades e intimidades de suas vidas, por outras, tentando levar ao esquecimento. A maioria narrou ter gostado de falar e sentiam-se gratas por poderem retomar essas vivências. Eu levava questões gerais para orientar a conversa, mas, na maioria das entrevistas, os próprios narradores abordavam previamente o que tinha me proposto a questioná-los, de modo que, muitas vezes, nem foi necessário realizar minhas questões.

A maioria das entrevistas foi realizada na casa dos entrevistados, com exceção de três que se deram em lugares públicos (Marlene K., na Bibliotheca Pública Pelotense; Zilda B., na Câmara de Vereadores de Pelotas; Anita C., no 24º Núcleo do Cpers Sindicato) e uma entrevista que foi realizada em ambiente

50 de trabalho (Renato V., sobrinho de Rachel, respondeu em seu escritório)23. Tais

entrevistas foram transcritas, e no caso das ex-alunas, foram analisadas para o entendimento sobre como era a formação rural na ENRIC e, mais precisamente, para apreender que concepções sobre a escola e suas práticas as ex-alunas tinham. Nesse sentido, pode-se denominar os entrevistados, também colaboradores desta pesquisa, pois o “conceito de colaboração implica, pelo menos, a presença de dois ou mais participantes em uma ou múltiplas sessões de entrevistas gravadas segundo princípios planejados e com fins estabelecidos” (MEIHY; HOLANDA, 2015, p. 117).

Por vezes, inicialmente eu pensava: por que essas narradoras irão despender um tempo de suas vidas para responder a questões de uma pesquisadora que desconhecem? Mas a vontade de voltar àqueles tempos de suas juventudes através da memória era algo que lhes dava alegrias.

A utilização de variadas fontes para essa tese, e o tempo escasso para finalizá-la, impediam-me de dar conta pessoalmente do grande número de sujeitos que a pesquisa identificou. Tentando diminuir esse distanciamento foi que participei de dois encontros em que parte dessas ex-normalistas costumam reunir-se. Outra situação foi o caso do contato com Maria H. (2017) que, por telefone, insistiu que queria muito me conhecer. Desse modo, fui à casa da professora, e tivemos uma tarde prazerosa de conversa. Ao chegar, já tinha sobre a mesa um papel pardo com o histórico de sua vida, todo ele escrito a mão – com uma letra trabalhada e bonita, o que demonstrou a paixão da professora e sua dedicação àquelas lembranças, traduzidas ali, em seus escritos.

Com relação aos encontros das ex-normalistas, o primeiro foi realizado no dia 2 de julho de 2017, no interior do município de Pelotas, na casa de uma das ex-alunas e o segundo foi realizado no Shopping de Pelotas, no dia 10 de janeiro de 2018. Os grupos mantinham contato comigo pelas mídias e já haviam respondido às entrevistas de forma estruturada. Anualmente, ou até com mais frequência os grupos se encontram em residências alternadas ou lugares públicos, para confraternização e manutenção dos laços estabelecidos através da ENRIC, desde a juventude. Foi também ali que ampliei meu conhecimento daquele contexto vivido por elas, o que enriqueceu, sobremaneira, meu olhar

51 sobre o seu passado vivido. Nesses dias, também pude coletar dados sobre a atuação de outras normalistas além das entrevistadas (ANEXO B).

Segundo Alberti (2004), a escolha dos entrevistados deve estar atrelada aos objetivos da pesquisa. Como a resposta aos meus objetivos veio da análise de diversas fontes, a metodologia da História Oral foi relevante, principalmente, no que tange à compreensão do cotidiano das práticas institucionais e da formação das normalistas, bem como seu encaminhamento profissional. Nesse sentido, justifico a escolha de ex-alunas como narradoras, como pode ser percebido na figura 1. Para Alberti (2004, p. 31), “se os objetivos da pesquisa forem claros será possível dar um primeiro passo em direção à resposta, determinando que tipo de pessoas entrevistar”.

Ainda, sobre os entrevistados escolhidos (figura 1), vale reforçar que Suzete M. e Camila T., por exemplo, foram escolhidas pelo fato de seus nomes serem muito lembrados pelas entrevistadas. Como afirma Alberti (2004, p. 33) “pode acontecer de um determinado entrevistado chamar atenção de um terceiro, antes desconhecido, cujo depoimento passe a ser fundamental para a pesquisa” (ALBERTI, 2004, p. 33). No caso de Suzete M., era recorrente que os membros da atual EEIC, ou da Mitra Diocesana, instituição onde realizei a pesquisa no jornal A Palavra, me indicassem seu nome. Havia a justificativa de que a professora, hoje com 84 anos, teve muito contato com membros da direção da Sociedade de Educação Cristã, e, portanto, com os dirigentes da ENRIC, sendo destacada por conhecer muito daquela história. No caso de Camila T., além de “vice-diretora”, cargo que afirma não ser formal, era sobrinha da Maria Augusta Araújo, a “Cotinha”, diretora da ENRIC durante todos os anos de sua duração.

Marta R. (2016), foi bibliotecária e incluída na pesquisa porque eu tinha um anseio de achar mais fontes sobre a professora Rachel Mello e devido ao fato de a depoente ter trabalhado na biblioteca da E.E.M.I.C, esta era uma possibilidade de eu conhecer melhor o acervo daquela instituição. Renato V. (2015) foi entrevistado e contribuiu significativamente para o entendimento sobre a vida pessoal da professora Rachel Mello, por ser sobrinho da mesma e ter sido criado por ela.

Ainda com relação à escolha do número de entrevistas que foram realizadas, é também Alberti (2004) quem me ajuda a definir esse procedimento

52 metodológico. Como já afirmei, estou adotando a História Oral como metodologia e, portanto, não cabe o uso de apenas uma entrevista, principalmente porque não se trabalhou com história de vida. Foi necessário um número razoável de depoentes que retratassem quadros para que eu realizasse articulações que possibilitassem a compreensão do tema da formação de professoras rurais. Desse modo, o ponto de saturação foi alcançado no momento em que as entrevistas pareciam se tornar repetitivas. No entanto, com a impossibilidade de abarcar o todo e também de não dar o devido tratamento metodológico para as entrevistas, foi que cheguei ao entendimento de que o número delas já era suficiente para alcançar os meus objetivos.

Optei, inicialmente, por realizar perguntas semiestruturadas de forma que a testemunha se sentisse livre para falar, orientando-a, sutilmente, caso o assunto saísse muito do interesse desta pesquisa. Alguns questionamentos foram elaborados depois das três entrevistas iniciais e algumas informações preliminares que formaram o “contexto” dos ex-alunos entrevistados. Também foram importantes dados como idade, sexo, ocupação e ocupação dos pais, os quais foram acrescentadas ao roteiro prévio.

Desse modo, cabe destacar que uma entrevista não estruturada ou semiestruturada é aquela onde o entrevistador tem liberdade para conduzir o diálogo “é uma forma de poder explorar mais amplamente uma questão. Em geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma conversação informal” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 197). Nessas entrevistas, eu me valia inicialmente de tópicos prévios, os quais, como já referido, muitas vezes não necessitavam ser seguidos, pois o próprio entrevistado já os trazia livremente. As entrevistas levaram em torno de uma hora, uma hora e meia de conversa, o que demandou horas de transcrições.

A evocação de memórias sobre a educação rural se fez a partir do ponto de vista individual sobre fatos vivenciados no coletivo. Essas vivências seriam o que Halbwachs (2006) chamaria de “fios tênues”, que sustentam invisivelmente aquilo que lembramos e que se constitui das muitas relações que fizemos tanto no tempo vivido como no tempo presente. Não podemos dizer que o que representava a educação rural para os que viveram na década de 1950 possuirá a sua mesma representação hoje. O relato de hoje perpassa toda uma nova caminhada individual de quem relembra, e que pode ressignificar o modo como

53 vê essa fase vivida, pois o sujeito estabeleceu novas relações sociais. É importante ter presente que essa representação é fruto de uma construção no tempo vivido. O trecho da entrevista abaixo exemplifica esse ressignificar no que tange à participação da entrevistada, como ex-aluna ENRIC.

Naquele período, tu sabes que a gente está na adolescência ou na “aborrecência”, como diz o outro né? A gente achava certas coisas que não era, mas depois, com o passar dos anos, eu fui percebendo o valor que aquilo teve e tem na minha vida. Era muito, muito...foi muito legal, sabe, aquilo ali. Muito bom. Por que me passou ética, me ensinou, eu aprendi a viver em grande grupo, aprendi questão de limpeza, de coisas, de convivência. Aquilo foi muito bom [...] (Marlene K., 2016).

Segundo Delgado (2003, p.10), os homens constroem suas representações do passado, pois “são os homens que constroem suas visões e representações das diferentes temporalidades e acontecimentos que marcaram sua própria história”. Dessa forma, constata-se aqui, neste estudo, as temporalidades marcantes na vida escolar rural, os momentos vividos longe de casa, o internato, a instituição escolar e suas múltiplas relações. Todas essas singulares temporalidades que marcaram a ENRIC em Pelotas, também são atravessadas pela espacialidade. Esse cruzamento das relações vividas numa dada espacialidade e temporalidade são o que constituem a historicidade. “Em cada época há uma estreita relação entre as atitudes, o espírito de um grupo e o aspecto dos lugares em que este vive (HALBWACHS, 2006, p. 88)”.

Assim, Portelli (1998, p. 127) afirma que, “quando entendemos que “memória coletiva” nada tem a ver com memórias de indivíduos, não mais podemos descrevê-la como a expressão direta e espontânea da dor, luto, escândalo, mas como uma formalização igualmente legítima e significativa, mediada de ideologias, linguagens, senso comum e instituições”. O sujeito que lembra irá selecionar, de acordo com o que acha mais relevante e significativo, alguns momentos e fatos mais significativos de sua história. Importante lembrar que temos uma mistura de memória individual e de memória coletiva que fora recriada pelo sujeito. Como diz HALBWACHS (2006, p. 93):

Sozinho, um contexto vazio não pode criar uma lembrança exata e pitoresca. No entanto, aqui o contexto está cheio de reflexões pessoais, lembranças familiares, e a lembrança é uma imagem

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introduzida em outras imagens, uma imagem genérica transportada ao passado.

No entanto, devo destacar que são os próprios fatos históricos que interferem em nossas recordações. Como diz Halbwachs (2006), com o decorrer do tempo, aprendemos a situar nossas vivências dentro daqueles fatos históricos que já passaram. Porém, quando entramos em contato com alguma história que nos seja familiar, mas que não vivemos, podemos ter apenas uma ideia de como ela de fato ocorreu. Se alguma pessoa próxima vivenciou essa história de fato, essas marcas que foram dela, estarão também nos que lhe são próximos. É o que Pollak (1992) denomina “acontecimento por tabela”.

Esse tipo de lembrança, por tabela, marcou de forma relevante alguns relatos sobre a professora Rachel Mello. Ela foi a articuladora da criação da ENRIC, pessoa vinculada à Igreja Católica e incentivadora de instituições que atendessem a alunos e alunas por ela considerados carentes. Sua figura foi evocada em todas as entrevistas, geralmente de forma espontânea, não direcionada. No caso da entrevista com o sobrinho da professora, foi relevante sua manifestação de saudosismo, certa tristeza e inconformidade em relação ao pouco reconhecimento da atuação de Rachel junto à história da educação pelotense. Sua entrevista trazia insatisfação por entender que as fontes históricas relacionadas a ela não estão sendo preservadas e que parte do que ela construiu foi perdido. Talvez pela admiração ao trabalho da tia, foi um narrador solícito, recebendo-me atenciosamente e diversas vezes sanando dúvidas que vim a ter.

Na presente pesquisa, a espacialidade, bem como as relações que a constituem, não deixa de ser marcada pelo viés regulador do Estado, pois as escolas rurais eram muito fiscalizadas nesse período. Nesse sentido, busca-se “encontrar valores, culturas, modos de vida, representações, enfim, uma gama de elementos que, em sua pluralidade, constituem a vida das comunidades humanas” (DELGADO, 2003, p. 13), e que podem ser percebidos também pelo conjunto arquitetônico institucional.

55 Um dos documentos escritos utilizados nesta pesquisa foram as entrevistas estruturadas. Oito entrevistados responderam a questões estruturadas online, devido ao fato de não morarem na cidade de Pelotas ou por não ser possível a entrevista presencial. Entrevistas estruturadas são questionários prontos e elaborados pelo entrevistador sendo reduzida a liberdade do narrador.

E, nesse sentido, cabe ressaltar que essas entrevistas não são consideradas História Oral. Meihy; Holanda (2015) lembram que a História Oral não é meramente a realização de uma entrevista, haja vista que ela requer colaboração, diálogo, transcrição. Por isso, tais questionários serviram como documentos para o entendimento de questões, como, por exemplo, dados da atuação das normalistas quando formadas, dados de origem e dados referentes ao seu contato com a professora Rachel Mello. Também, devido ao grande número de informações descritas nesses questionários, eles compõem uma importante fonte de informações sobre a ENRIC.

Essas entrevistas, cujo roteiro pode ser encontrado no Apêndice A, reforçam a ideia de que não se faz História Oral a distância. Nesse momento, percebi que as alunas sentiam necessidade de conversar pessoalmente e necessitavam de um diálogo mais próximo, de modo que pudessem socializar o tempo vivido. Nesse caminho percorrido, entendi o que Errante (2000) afirmou sentir ao realizar sua pesquisa com os Moçambicanos. A autora descreveu a necessidade de uma “ponte interpessoal”24 entre narrador e entrevistador, pois

os entrevistados reclamavam do porquê de tantas perguntas quando “nada mudava para eles”. De outro modo, mas com um sentimento semelhante, eu percebia que a falta de uma ponte, de um contato pessoal, angustiava as ex-