• Nenhum resultado encontrado

4 ANÁLISE DA COBERTURA DA IMPRENSA

4.1 O PODER SIMBÓLICO DA IMPRENSA

4.1.2 O Estado de São Paulo

O jornal criado em 1875 por um grupo de republicanos que visava combater a escravidão e a monarquia foi denominado de A Província de São Paulo. Somente em 1890, com a declaração da República, passou a ser designado por O Estado de São Paulo. A partir do movimento republicano, foi lançado o ideal que guiaria o periódico até os dias atuais: fazer da sua independência o apanágio de sua força. O abolicionismo, por sua vez, foi um valor praticado pelo jornal tanto na defesa da liberdade, como por meio da contratação de ex- escravos como funcionários d’O Estado (ACERVO ESTADÃO, [2018?]). Nesse período, o jornal se destacou entre os concorrentes pelo jeito incomum que promovia as vendas de seus exemplares: um homem a cavalo com um barrete na cabeça, buzinando e anunciando o jornal do dia. Posteriormente, esta cena tornou-se o símbolo do jornal contido na página do editorial até os dias de hoje. Atualmente, o jornal é reconhecido como o quarto maior em circulação no

Brasil, com mais 110 mil exemplares diários, em média. A partir da criação do conteúdo digital em 2000, o Estadão já acumula mais de 80 mil assinantes (INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO, 201780 apud PODER 360, 2017).

A longa história do jornal foi marcada por importantes mudanças no cenário nacional e internacional, dentre elas, destacam-se momentos de luta, apoio e censura política. Ainda no final do século XIX, o jornal sofreu boicote de leitores portugueses devido ao apoio de um de seus diretores ao movimento antilusitano no Brasil. Já no início do século XX, os diretores do jornal romperam com o presidente da república, Campos Salles, em crítica ao fortalecimento excessivo do poder executivo. Por outro lado, o redator, diretor e proprietário do jornal, Julio Mesquita, ingressou na política como deputado estadual eleito duas vezes. Durante a Primeira Guerra Mundial, O Estado declarou apoio aos Aliados e aos valores democráticos e um boicote de empresas alemãs foi organizado contra o jornal. Já em 1934, O Estado participou da fundação e organização da Universidade de São Paulo.

Em oposição à ditadura de Getúlio Vargas, o jornal organizou uma aliança com o Partido Democrático e alas do Partido Republicano Paulista (PRP), e recusou-se a realizar propaganda para o Estado Novo, em consequência, alguns diretores e membros da família Mesquita foram presos e exilados, até que, entre 1940 e 1945, o periódico passou por uma intervenção do governo. Além deste episódio, houve outros momentos de censura do jornal, como por exemplo: durante 12 dias por advento da Revolução de 1924 em São Paulo; por dar espaço a uma publicação de Carlos Lacerda em 1956 e pouco antes do Ato Institucional 5, com duração de quase sete anos (até 1975); e um caso mais recente, O Estado foi proibido por liminar de noticiar sobre investigação do filho de José Sarney de 2011 até 2018 (ACERVO ESTADÃO, [2018?]).

Em relação ao período do regime militar, o Acervo do Estadão (2018?) declarou que o jornal apoiou os movimentos iniciais da revolta, por acreditar na incapacidade de João Goulart e no caráter transitório da medida. Diante da radicalização do movimento militar, o jornal deixou o apoio e iniciou a oposição ao regime, conforme registro do Acervo. Durante a oposição aos militares e visando contrariar a censura imposta, os jornais do grupo (O Estado e o extinto Jornal da Tarde) publicavam receitas e poemas.

A respeito da linha editorial do Estadão, Fonseca (2005) caracteriza o jornal pela pauta do “liberalismo positivista”, em referência a defesa da iniciativa privada, do liberalismo econômico e conservação da ordem social. Napolitano (2017) e Motta (2017) investigaram

80 Para acessar os dados das pesquisas realizadas pelo Instituto é preciso ser um membro cadastro, dessa forma, foram consultadas as informações disponibilizadas pelo Poder 360.

empiricamente, cada um à sua maneira, a atuação do jornal diante da ditadura militar de 1964. Para Napolitano (2017), o posicionamento do Estadão condiz com a análise de Fonseca na medida, em que o periódico mostrou-se a favor do “movimento de 196481”. Este apoio se deve, segundo Napolitano, ao desconforto d’O Estado de São Paulo sobre o “caos populista82” das décadas anteriores, em referência clara ao diálogo de Getúlio Vargas com as

massas populares, e em evidente oposição à censura que lhes foi imputada por cerca de cinco anos durante o Estado Novo. Dessa forma, Napolitano aponta que o apoio à “revolução de 6483” representava um desejo de ruptura com a ascensão da esquerda e das demandas sociais

que estabeleciam seus pilares desde a década de 30.

A posição antiesquerdista do periódico foi evidenciada, como mostra Motta (2017), tanto sobre o cenário nacional, pelo uso do termo “terrorismo” para se referir à resistência ao regime militar brasileiro, quanto sobre o cenário internacional marcado pela Guerra Fria. Além disso, o estudo conduzido por Capelato e Prado (1980) evidencia uma postura semelhante ainda na década de 1930, quando o periódico apoiou o governo contra a Intentona Comunista.

Ainda assim, é importante considerar que posições críticas pontuais foram adotadas pelo jornal, principalmente a partir de 1967 (ano de instauração da Lei da Imprensa) alegando que o regime havia se desvinculado dos ideais suscitados pelos movimentos apoiados em 1964. Posteriormente, as críticas do Estadão focaram também a interferência dos governantes na economia do país (NAPOLITANO, 2017). Por outro lado, Motta (2017) destaca a mudança que sofreu o conteúdo do editorial do Estadão após a apreensão de uma edição em 68, diante do Ato Institucional 5 e da posterior morte do diretor Júlia Mesquita Filho (responsável pelo editorial). As transformações no editorial perduraram até meados de 75 e envolveram um enfoque sobre o cenário internacional, evitando, assim, o debate sobre o contexto brasileiro e, portanto, esquivando-se de novos confrontos diretos com a censura dos militares. A partir de então, o desconforto com a censura passou a ser demonstrado eufemisticamente dentro do Estadão, nas entrelinhas e de forma moderada ao longo das seções do jornal. Em outras palavras, as críticas ao período que durou de 1964 até 1985 existiram nos exemplares do Estadão, mas somente após o apoio ao movimento e em tom

81 Denominação usada pel’O Estado de São Paulo para referir-se ao início do regime militar em 1964 (NAPOLITANO, 2017, p. 351 e 357).

82 Expressão que cunha a opinião d’O Estado de São Paulo sobre os governos de Getúlio Vargas e João Goulart (NAPOLITANO, 2017, p. 351; 352; 356; 357 e 360).

83 Expressão utilizada pelo periódico sobre o início do regime militar no Brasil (NAPOLITANO, 2017, p. 351; 357 e 360).

comedido e cauteloso, visando à conservação da posição considerável do jornal no contexto nacional.