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3 PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA

3.3 TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL

No Brasil, a constituição de um sistema de proteção social remete a 1930 e 1943 (SILVA; LIMA, 2014 apud FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016), em consonância com o modelo de desenvolvimento econômico baseado na industrialização, época que ficou marcada por maior participação do Estado na economia e na arena social. Nesse último quesito, pode-se verificar maior atenção do Estado à nova classe emergente: o operário urbano. A partir da industrialização e migração para as cidades, o governo iniciou a proteção dessa camada social, com a oferta e regulamentação de educação, saúde, previdência, alimentação, transporte, saneamento, habitação, adensamento da esfera sindical e outros. Há também o marco da criação da Consolidação das Leis Trabalhistas e do Ministério do Trabalho, bem como a instituição do salário mínimo na década de 40, a Lei Orgânica da Previdência Social, instituída em 60. Esta última representando o esforço inicial de unir os diversos benefícios até então ofertados e separados por categorias profissionais, desafio depois aprofundado e concretizado pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), conhecido, hoje, como Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).

A partir desse cenário, a proteção social brasileira até a década de 70 foi pautada pela lógica corporativista, devido ao enfoque em trabalhadores formais, dando enorme peso à Carteira de Trabalho para acessar direitos sociais. Trata-se de uma reflexão aprofundada no conceito de Santos (1994), que caracterizou essa cidadania como “regulada”, conforme já abordado no presente trabalho. As marcas do clientelismo, conforme Fernández Soto, Lima e Tripiana (2016), datam da época e têm origem na assistência social prestada pela maior associação do ramo, no Brasil, a Legião Brasileira de Assistência (LBA). A atuação da organização era descontínua, assistencialista e clientelista, com ênfase sobre camadas sociais à margem do mercado de trabalho formal.

No momento seguinte, diante da ditadura militar (1964-1985), o país viveu uma intensa preocupação e expansão de política sociais como forma de minimização da repercussão a respeito da repressão política e civil, em conjunto com a crise econômica e a redução de salários (SILVA; LIMA, 2014 apud FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016, p. 64-65). Mesmo diante da repressão, o controle social exercido pelos programas e serviços públicos da época não foram capazes de conter o nascimento de movimentos sociais, sindicatos com autênticas reivindicações, bem como novos partidos políticos, a exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Nesse sentido, é possível entender que: “Essa conjuntura colocou na ordem do dia novas demandas sociais voltadas para o resgate da dívida social, que se agravava com a política de arrocho salarial promovida pelos governos militares, demandando a ampliação de direitos sociais e de cidadania” (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016, p. 65), fator ainda ampliado diante dos movimentos pela democracia, que provocaram a derrocada da ditadura em 1985 e criação da Nova República.

Já em 1988, um novo marco surgiu com a aprovação da Constituição Cidadã, que instaurou a ampliação de direitos sociais, objetivando a universalização dos mesmos no médio e longo prazo. Dentre as conquistas da Carta, está a inclusão da Seguridade Social, com três pilares: a política contributiva da previdência social, a política universal da saúde e a política não contributiva da assistência social (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016, p. 65-66).

Diante do avanço do neoliberalismo, que já dava as caras no continente desde o início da década de 80, os direitos sociais, recém formalizados no Brasil, foram postos, novamente, à prova. A contrarreforma, que se instalou na década de 90, marcou um retrocesso na área, dificultando a regulamentação e introdução de diversas garantias sociais indicadas pela Constituição Federal recentemente instituída, resultando em duas pautas políticas diametralmente opostas:

Portanto, contraditoriamente, tinha-se, de um lado, o avanço no plano político- institucional, definido na CF de 1988, que estabeleceu a Seguridade Social e instituiu os princípios de descentralização e de participação social (Brasil 1988). De outro, a intervenção estatal no campo social era marcada por um movimento restritivo em direção à privatização e à mercantilização de serviços sociais básicos como alguns dos princípios orientadores da Reforma do Estado [...] (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016, p. 66-67).

A contrarreforma ganhou espaço e impediu a implementação de diversos arranjos prometidos e planejados pela Carta Magna. Aponta-se que este retrocesso sofreu uma inflexão

em 2003, representada pela eleição de um presidente originário da esquerda, fruto das lutas do operariado e do sindicalismo do país, Luís Inácio Lula da Silva, do PT. O governo que se seguiu guiou-se na tentativa de restaurar o Sistema de Proteção Social do país às bases da Constituição, principalmente em termos dos debates sobre políticas contributivas, semi e não contributivas. Um dos maiores destaques do período foi a construção nacional do programa de transferência de renda no marco não contributivo da Assistência Social. Com isso, o governo de Lula unificou, em 2003, iniciativas regionais no programa federal, chamado Bolsa Família (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016).

Ao analisar o florescimento de programas de transferência de renda no Brasil, Fernández Soto, Lima e Tripiana apontam para seis pontos básicos de atenção. É preciso voltar a 1991, para o projeto de lei intitulado Programa de Garantia de Renda Mínima, que previa uma renda mínima à população, de autoria do senador Eduardo Suplicy (PT). A proposta, por sua vez, não foi adiante frente às preocupações com a inflação, contudo reverberou em um enfoque maior à fome e pobreza, originando a Campanha Nacional da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, em 1992, introduzida na gestão de Itamar Franco. O segundo momento marcante das políticas de transferência de renda no país refere-se à retomada da proposta pela renda mínima articulada à educação e cuidado com crianças em idade escolar, dando indicadores para a focalização que seria vista no contexto mais atual. Tal debate ainda era desvinculado da comprovação de renda, ou seja, a proposta tratava-se uma renda mínima para toda família com dependentes entre 7 e 14 anos de idade, desde que com frequência escolar comprovada. O terceiro marco do processo foi em 1995, com a replicação da proposta em diversos municípios, como São Paulo, Brasília, Campinas e etc. O quarto marco trata-se da federalização dos programas municipais, mas ainda em iniciativas desconexas, descentralizadas e com enfoques particulares, bem como o resgate do debate de Suplicy sobre a institucionalização da Renda Básica de Cidadania, em outras palavras, direcionada ao alcance universal, projeto foi aprovado em 2004, ainda que sem nunca contar com uma regulamentação que permitiria sua efetiva implementação (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016).

Já em 2004, com a criação62 do Bolsa Família no Governo Lula, tem-se o quinto

marco no processo histórico dos programas brasileiros de transferência de renda. A formulação do PBF representou um avanço em termos qualitativos e quantitativos à proteção social no país, na medida em que centralizou diversos programas regionais e aumentou o

volume de beneficiários em todo o Brasil. Já no terceiro ano de implementação, o PBF atingiu cerca de 11 milhões de famílias (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016).

O objetivo do programa foi reunir em uma única iniciativa todos os projetos de transferência de renda que estavam dissipados pelo país. Dessa forma, o Programa Bolsa Família nasceu a partir da Lei nº 10.836, com a missão de unificar políticas sociais, tais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que foi o primeiro programa nacional de transferência de renda condicionada, fundado em 1996, bem como o Bolsa Alimentação, Bolsa Escola, dentre muitos outros. A partir da integração e formalização do PBF, criou-se o Cadastro Único, visando reunir os dados dos bolsistas de políticas sociais do país (SOARES; SÁTYRO, 2009).

O último marco no processo foi o enfoque da presidente Dilma Rousseff (PT) na erradicação da miséria e fome, com a criação do Brasil Sem Miséria. O projeto consistiu em uma estratégia com três frentes de atuação: transferência de renda, inclusão produtiva e prestação de serviços sociais. O PBF foi central na estratégia e, dessa forma, foi ampliado para mais de 14 milhões de famílias em 2014, seus benefícios foram reajustados, o número de dependentes modificado para compreender cinco crianças e/ou adolescentes até 18 anos e foi estruturado o Benefício Variável para Superação da Extrema Pobreza (BSP) para famílias com renda mensal inferior a R$ 89,00. Em resultado, o PBF é considerado o maior programa de transferência de renda da América Latina, por combinar transferências monetárias, incentivos e programas sociais de inclusão e serviços sociais (FERNÁNDEZ SOTO; LIMA; TRIPIANA, 2016).

Além dos seis marcos da transferência de renda no Brasil destacados acima, cabe a este trabalho aprofundar o funcionamento do Bolsa Família. O programa tem mais de 15 anos e, conforme relatório de informações sociais do MDS (2018), em maio de 2018, havia mais de 16 milhões de famílias registradas no Cadastro Único dentre o corte de renda determinado pelo PBF e quase 50 milhões de pessoas. Em junho de 2018, o total do mês transferido pelo Bolsa Família atingiu mais de R$ 2,4 trilhões.

Os objetivos do programa, como dispostos no Decreto nº 5.209 (BRASIL, 2004b), que o regulamenta, são: 1) promoção do acesso a serviços públicos; 2) combate à fome e fomento à segurança alimentar; 3) estímulo à autonomia das famílias pobres e extremamente pobres; 4) combate à pobreza; e 5) promoção da intersetorialidade e conexão com demais ações sociais do governo. Segundo informações disponibilizados pelo MDS, o programa trata de uma contribuição no combate à pobreza e à desigualdade, e é enquadrado em três eixos: complementação à renda, acesso a direitos e interface com outros programas complementares.

Por meio da transferência de renda, o MDS alega promover de forma mais emergencial o alívio da situação de pobreza. Visando acessibilizar direitos aos bolsistas, o programa fomenta o cumprimento às condicionalidades relativas à educação, saúde e assistência social: “Esse eixo oferece condições para as futuras gerações quebrarem o ciclo da pobreza, graças a melhores oportunidades de inclusão social” (MDS, 2015). Ademais, é reforçado o caráter não punitivo das contrapartidas e a corresponsabilidade do governo no cumprimento com a oferta de serviços públicos.

Os benefícios monetários do PBF são atualizados via Decreto Presidencial, não havendo sistema de cálculo ou previsão de correção dos valores transferidos aos participantes. Estes, por sua vez, acessam o montante através do Cartão Bolsa Família63, um cartão de débito correspondente a uma conta gratuita. Além disso, não há direcionamento de gastos sobre os valores transferidos, ou seja, os bolsistas não possuem restrições ou indicações sobre como devem gastar a renda recebida (SILVA et al., 2016a). A seguir, estão as variações do benefício do PBF:

Tabela 3 – Benefícios monetários do PBF vigentes em fevereiro de 2019

Benefício Para quem? R$ US$64

Benefício Básico Pago somente para famílias extremamente pobres, renda inferior à R$ 89,00 por pessoa 89,00 23,95 Benefício Variável Vinculado à Criança ou ao Adolescente de 0 a 15 anos

Pago para famílias pobres, renda inferior à R$ 178,00 por pessoa. É limitado à 5 crianças ou jovens por família.

41,00 11,03

Benefício Variável Gestante

Pago para famílias pobres, renda inferior à R$ 178,00 por pessoa, com grávidas. O benefício é transferido ao longo de 9 meses e é limitado à 5 por família.

41,00 11,03 Benefício Variável Nutriz Benefício Variável vinculado ao Adolescente

Pago para famílias pobres, renda inferior à R$ 178,00 por pessoa, com crianças de 0 a 6 meses. Benefício é transferido por 6 meses e é limitado à 5 por família.

Pago para famílias pobres, renda inferior à R$ 178,00 por pessoa, com adolescentes entre 16 e 17 anos. Limita-se à dois por família.

41,00 48,00 11,03 12,91 Benefício para Superação da Extrema Pobreza

Valor calculado caso à caso, com preferência à famílias que permaneçam com renda abaixo ou igual R$ 89,00 por pessoa. Este benefício tem o objetivo de garantir que o piso de R$ 89,00 mensais per capita seja superado.

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Fonte: Elaborada pela autora, com base em MDS [2018?] e Banco Central do Brasil (2019).

Desde 2004, quando iniciou o Bolsa Família, o valor médio passou de R$81,20 para R$163,06 em 2015. Em junho de 2018, o valor médio transferido por família foi de

63 Inicialmente, foram nomeados como “Cartão da Cidadania”. Atualmente, o termo não consta mais nos cartões (REGO; PINZANI, 2014).

64 Conversão foi feita em 16 de fevereiro de 2019 através do BCB com a cotação do dia 15 do mesmo mês: 1 BRL = 0,26 USD.

R$178,0465 (US$ 47,9266), ou seja, o valor médio mais do que dobrou em 14 anos de existência (MDS, 2018; SILVA et al., 2016a). A evolução do montante transferido foi influenciada pela criação dos benefícios variáveis. Em 2008, foi criado o Benefício Variável Vinculado ao Adolescente; em 2011, foi instituído o Plano Brasil Sem Miséria, corrigindo os valores do PBF; em 2012, criou-se o Benefício para Superação da Extrema Pobreza, que depois foi expandido para um critério de renda mais inclusivo (SILVA; LIMA, 2015 apud SILVA et al., 2016a).

Sobre a relação dos benefícios do PBF com o salário mínimo brasileiro, apresenta-se um cenário de estagnação. Entre 2004 e 2015, enquanto que o salário mínimo expandiu-se consideravelmente (de R$440,00 para R$788,00, US$ 204,8867), a relação do PBF com este passou de 18,5% para somente 21%. Em outros termos, pode-se inferir que o valor médio transferido pelo Bolsa Família representava, em 2015, somente 21% daquele fixado como salário mínimo para o país, configurando um montante extremamente baixo para as necessidades da população beneficiária (SILVA et al., 2016a). Nos valores de julho de 2018, o salário mínimo nacional constava como R$998,00 (BRASIL, 2019) e o valor médio do PBF, em junho do mesmo ano, era de R$178,04, assim, tem-se uma relação de 18,7%, nível abaixo do indicado em 2015. A respeito disso, se questiona sobre a eficácia dos montantes do PBF no combate à pobreza e na melhoria permanente da qualidade de vida dos bolsistas.

Dentre os benefícios não monetários do PBF, encontram-se ações para acessibilizar direitos sociais e serviços relativos à saúde, educação e assistência social de forma complementar às contrapartidas (SILVA, 2014a). Destacam-se cinco agrupamentos de ações. O primeiro grupo de ações diz respeito ao trabalho no campo e meio ambiente, dessa forma, os bolsistas que participam dessa atividade econômica podem acessar as Ações de Enfrentamento aos Efeitos da Estiagem, Programa de Garantia-Safra, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa de Apoio à Conservação Ambiental (SILVA et al., 2016a).

O segundo grupo de benefícios não monetários do PBF está organizado visando incentivar a educação e qualificação profissional por meio de ações, como: Brasil Alfabetizado, que foca na escolaridade de pessoas com 15 anos ou mais; o Programa Mais Educação, que pretende aumentar o acesso dos bolsistas à educação integral para seus filhos e

65 Aumento em valores nominais, sem correções da inflação.

66 Conversão feita no dia 16 de fevereiro de 2019, pelo BCB com cotação do dia 15 do mesmo mês: 1 BRL = 0,26 USD.

67 Conversão realizada em 16 de fevereiro de 2019 no BCB com cotação do dia 15 do mesmo mês: 1BRL = 0,26 USD.

dependentes; o Auxílio-creche, que é ofertado para crianças de zero a quatro anos, enquadrado na Ação Brasil Carinhoso; Plano Setorial de Qualificação, que tem a finalidade de aumentar a inserção dos participantes no mercado de trabalho formal, o qual possui relação direta com a oferta de vagas derivadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); e, por fim, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), que atua por meio de cursos de formação técnica e educação continuada (SILVA et al., 2016a).

O terceiro grupo de ações foca na redução da exclusão. Dessa forma, fazem parte dessa abordagem as seguintes iniciativas: Isenção da Taxa de Concurso Público; Tarifa Social de Energia; Telefone Popular, que acessibiliza tarifas reduzidas de planos telefônicos; Passe Livre no transporte coletivo para pessoas com deficiências; e a Carta Social que permite a postagem de correspondência pelo valor de R$ 0,01. A habitação é a pauta do quarto grupo de benefícios não monetários do Bolsa Família. O maior exemplo deste agrupamento de benefícios é o Programa Minha Casa, Minha Vida, tendo em vista a redução do déficit habitacional no Brasil. Por fim, o quinto grupo de ações não monetários diz respeito à Política de Assistência Social. Nesta esfera, está contemplado o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), prestado pelos Centros de Referências de Assistência Social (CRAS). O objetivo dos atendimentos é a redução e o trabalho de prevenção sobre conflitos e rompimentos no elo familiar (SILVA et al., 2016a).

A partir do exposto, Silva et al. (2016a) levantam alguns pontos de observação. Fica evidente a enorme diversidade das ações não monetárias do PBF e seu objetivo de preencher inúmeras lacunas sociais, por meio do fomento de oportunidades de inclusão, equiparação e, principalmente, formação de capital humano, tendo em vista a superação da pobreza intergeracional. Nota-se, contudo, características de auxílio pontuais com grande enfoque sobre os efeitos da exclusão, do desemprego, pobreza e falta de oportunidades, bem como a baixa qualidade de diversos serviços oferecidos. Por fim, os autores apontam que a implementação dos benefícios não monetários é realizada de forma intersetorial, isto é, envolve a participação de diversos ramos e entes da administração pública brasileira. Conforme Silva et al. (2016a), essa forma de operacionalização pode apresentar graves lacunas na oferta e na qualidade dos programas aos bolsistas, como resultado de falhas na comunicação ou disputas entre os diversos setores responsáveis pela gestão dos benefícios não monetários.

Para receber os benefícios, a população deve se enquadrar nos seguintes cortes de renda: 1- Famílias com renda per capita mensal inferior a R$ 89,00, entendidas como grupos em extrema pobreza; 2- Famílias em situação de pobreza: renda mensal per capita entre R$

89,01 e R$ 178,00, que possuam dependentes entre 0 e 17 anos (MDS, 2015)68. Este recorte de renda apresenta a dinâmica da focalização que enquadra o PBF, contudo Silva (2016b) avalia alguns desafios de implementação. Por exemplo, dentre as 16 milhões de famílias cadastras em maio de 2018, somente 13 milhões foram beneficiadas com o programa em junho de 2018 (MDS, 2018). Para a autora, esta disparidade entre o potencial e a efetiva focalização do programa é imposta pela enormidade do território brasileiro, bem como a defasagem dos requisitos de ingresso no programa (considera-se que o corte de renda é muito baixo e ignora outras variáveis importantes) e dos valores transferidos mensalmente. Tais desafios limitam o potencial do programa e acabam por excluir famílias, ao invés de incluí- las. Ainda assim, aponta-se que os impedimentos a uma focalização de qualidade são, também, produto de um país muito diverso em termos políticos, sociais e econômicos, bem como reflexo do patrimonialismo arraigado na cultura brasileira e o constante desvio de verbas (SILVA, 2010; SILVA, 2014b apud SILVA, 2016b; SILVA; LIMA, 2009 apud SILVA, 2016b). Conforme Silva (2016b), os fatores mencionados acima afastam o PBF de uma focalização progressista e o aproxima de uma perspectiva residual e liberal.

Além do corte de renda, logo de sua criação, o programa adotou um modelo de transferência de renda condicionada, isto é, seu funcionamento passou a ser definido pela exigência de contrapartidas dos beneficiários. As condicionalidades inferem sobre a área da educação, saúde e assistência social, ou seja, fica configurado como dever do participante do programa zelar pela frequência escolar, realizar acompanhamento de saúde, bem como o exame pré-natal (BRASIL, 2004a). Além disso, conforme Silva e Carneiro (2014 apud BENTURA et al., 2016), é exigido que mães e responsáveis por crianças de até sete anos participem de atividades informativas sobre a área da saúde, como: aleitamento materno, nutrição, também são aconselhadas a prezar pela atualização da carteira de saúde dos filhos. Crianças com até 15 anos de idade que estiveram em situação de trabalho infantil devem ser acompanhadas pela assistência social por meio de atendimentos dentro do âmbito dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos em turno inverso à escola (BENTURA et al., 2016).

O controle sobre as condicionalidades, dentre outras obrigações, como projeção do orçamento anual e definição de valores dos benefícios são realizados pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), mas a verificação dos cumprimentos é realizada

concomitantemente por três ministérios: Desenvolvimento Social69, Educação e Saúde. Os dados sobre os participantes são registrados no sistema do programa e, em caso de descumprimento ou falhas nas informações, as famílias são alertadas para regularizar o cadastro (SILVA; CARNEIRO, 2014 apud BENTURA et al., 2016). A análise das informações contidas no Cadastro Único e a efetivação dos pagamentos dos benefícios são operacionalizados pela Caixa Econômica Federal. Já o acesso dos bolsistas aos serviços condicionados está sob tutela dos municípios e da oferta de seus serviços públicos. Sendo assim, o PBF é caracterizado pela descentralização, ou seja, a articulação entre diferentes entes e instituições para a efetivação dos benefícios (SOARES; SÁTYRO, 2009).

A partir do descumprimento das condicionalidades, o PBF prevê até quatro tentativas