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2. Júlio César Machado e o folhetim

2.3 O folhetim do Diário de notícias

A primeira colaboração em folhetim de Júlio César Machado para o Diário de

notícias data de 5 de Fevereiro de 1865, pouco mais de um mês após a fundação deste

jornal inovador. É a única, no entanto, que encontramos nesse ano. Regressa em Julho de 1866 para mais três intervenções, em 1867 assume colaboração intensa nos meses de Abril e Maio, interrompendo logo por um período de três anos, apenas cortado por um folhetim em 30 de Outubro de 1870. Por esta altura ainda se encontravam no topo da celebridade os seus folhetins d’A Revolução de Setembro, para onde estava contratado. Por conseguinte, estas prestações episódicas funcionariam talvez por convite. A primeira delas, de facto, traz uma pequena introdução a revelar que se trata de uma carta de Júlio César Machado em resposta ao convite do Diário de notícias para escrever um folhetim. Os restantes deste período contêm pequenos contos de Júlio César Machado – “No lago de Como”, em 1866, “Entre a murta”, em 1867.

Já em Fevereiro de 1871 inicia-se a colaboração regular, quinzenal, de folhetins de Júlio César Machado no Diário. Prolonga-se, em continuidade, até 7 de Novembro de 1889, data do último folhetim assinado pelo autor. Recorde-se que o suicídio do filho

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aconteceria na semana seguinte (a 13 de Novembro). Alfredo da Cunha apresenta idênticas balizas para o compromisso de Júlio César Machado com o Diário de notícias, dando como início o ano de 1871, acrescentando que “se conservou como folhetinista efectivo até pouco antes da sua desgraçada morte, em princípios de 1890” (Cunha, 1891: 106). No primeiro ano de existência do jornal, os folhetinistas efectivos eram Camilo Mariano Fróis, Bernardino Martins e F. Leite Bastos (ibidem: 109).

Se a terça-feira era o dia da semana em que saíam de preferência os artigos de Machado n’A Revolução de Setembro, no Diário de notícias saíam maioritariamente à quinta-feira. Este jornal integrava em quase todos os números a secção do folhetim, por norma na primeira página, eventualmente prosseguindo ou duplicando na segunda página. Não eram, porém, tão dedicados às artes teatrais como os d’A Revolução de Setembro. Abarcavam temas muitos diversos, desde crónicas quotidianas a assuntos militares, passando pelo romance (o caso paradigmático é o da obra conjunta de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós O mistério da estrada de Sintra, que foi primeiro publicada em folhetins pelo Diário de notícias, entre 24 de Julho e 27 de Setembro de 1870). Desde os tempos inaugurais, pontuavam no rodapé do Diário de notícias os nomes de Eduardo Coelho (que fundou o periódico juntamente com Tomás Quintino Antunes), Mariano Fróis, Pinheiro Chagas, Luís de Araújo, Andrade Ferreira, Bulhão Pato, Xavier da Silva, A. F. de Castilho, J. Simões Ferreira, Camilo Castelo Branco, Santos Nazaré, Teixeira de Vasconcelos, entre tantos outros.

O ano de 1871 apresenta em primeiro plano, de Júlio César Machado, uma série de folhetins sobre o hospital de alienados de Rilhafoles, que reunidos mais tarde em volume se transformaram num dos seus principais êxitos editoriais: Da loucura e das manias em

Portugal. Finda a série de Rilhafoles, e exceptuando os pequenos contos que vão surgindo

esporadicamente, alguns integrados depois em monografias, inicia-se com um folhetim sobre “O Salitre”, em 7 de Dezembro de 1871, o padrão dominante da produção de Júlio César Machado para o Diário de notícias. Aqui, Machado já não escreve “revistas da semana”, como fazia para A Revolução de Setembro; esse tipo de folhetim, aliás, não fez escola no Diário, embora nele surgissem pontualmente os seus cultores, como foi o caso de Pinheiro Chagas. Os folhetins de Júlio César Machado não deixam de se apoiar na realidade contemporânea, mas já não pretendem passar uma rápida revista sobre os acontecimentos da semana. Em vez disso, elegem uma figura, um evento, um lugar que ficou a marcar aqueles dias, e sobre ele falam em exclusivo. Alguns deles são verdadeiros

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sua caracterização, proporcionando-nos deste modo apontamentos para a história da cultura portuguesa. Neste agrupamento estão folhetins como “Os anúncios” (21 de Dezembro de 1871), “Os almanaques” (19 de Dezembro de 1872) ou “As águas de Vidago” (28 de Agosto de 1873).

No que concerne aos espectáculos, em proporção, emergem menos referências aqui do que n’A Revolução de Setembro, uma vez que as revistas da semana quase sempre mencionavam, ainda que de corrida, os principais acontecimentos teatrais. Em contrapartida, as análises são mais detidas, centram-se num só espectáculo ou num só motivo. Duas características atravessam este sector dos folhetins de Júlio César Machado no Diário de notícias: uma é a continuação do predomínio do Teatro de São Carlos como objecto de crítica. A outra particulariza este corpus colando-o ao suporte que lhe dá alimento, isto é, percebe-se no conjunto destes folhetins uma especial atenção aos espectáculos populares e aos divertimentos das classes mais baixas da cidade. Assim, pondo de parte o São Carlos, naturalmente ligado à camada aristocrática da população, os espectáculos que Júlio César Machado aborda com mais frequência são o circo, os divertimentos de feira, as récitas de maior aceitação nos teatros de segunda ordem, os arlequins, os prestidigitadores, as touradas. Deste modo, o Teatro Nacional D. Maria II acaba por não ter grande projecção, no cômputo geral.

Pelo meio, surgem ainda os habituais temas alusivos à região do Oeste (Caldas da Rainha em especial), assim como a apresentação dos livros recém-publicados. De especial valor são os artigos de memórias, relativos a diversos artistas e homens de letras. Com efeito, nota-se uma espécie de saudosismo que o autor não esconde, pelo contrário transmitindo em diferentes ocasiões o sentimento de nostalgia pelos tempos passados, confrontando-os com as circunstâncias actuais, apontando as mudanças. É aqui, então, que surgem múltiplas recordações antigas de teatro, desde os anos 1840. Retrata actores, dramaturgos, empresários, figuras de teatro entretanto desaparecidas ou retiradas. Recorda ainda récitas antigas, os êxitos de outros tempos, e mesmo os públicos de outrora, mostrando-se perspicaz na observação das tendências sociais e sua influência nos espectadores. Aqui se condensam, pois, as principais memórias de um homem de teatro.

Quando trata de espectáculos em cartaz, coloca-se cada vez mais na óptica do comentador: ele escreve para leitores que sabem perfeitamente daquilo que está a falar. O seu objectivo não é descrever cabalmente a peça, é lançar sobre ela o seu olhar subjectivo, extrair-lhe o significado, relevar os seus principais efeitos. Dispõe já de experiência

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suficiente para captar o que ela simboliza na evolução dos gostos teatrais, e não deixa de o registar.

A explicação para a recorrência de espectáculos populares é por vezes abordada pelo próprio autor, sugerindo ser esse o género de divertimentos que mais atrai os leitores do Diário de notícias. Ora, este jornal, pelo seu preço reduzido, vendas na rua, ultrapassando o sistema de assinaturas, e isenção partidária, estaria vocacionado, de acordo com a vontade dos seus fundadores, para alcançar um público mais alargado, atravessando assim as várias camadas sociais. O seu baixo preço abria caminho, na verdade, para as classes menos abastadas. Era esse, pelo menos, o desejo bem explícito desde o número programa, datado de 29 de Dezembro de 1864: “É pois um jornal de todos e para todos – para pobres e ricos de ambos os sexos e de todas as condições, classes e partidos” (cit. por Cunha, 1891: 55). Alfredo da Cunha, sucessor de Eduardo Coelho na direcção do Diário

de notícias, chegou mesmo a avançar que “todos o liam, desde os membros da família real,

que não tardaram a inscrever-se na lista dos seus assinantes, até o mais humilde homem do povo” (Cunha, 1891: 57, 69).

Desta forma, Machado desempenhava a sua função compenetrado das prerrogativas a cumprir. E declara-o tacitamente, num artigo em que comenta o livro Elogios

académicos, de Latino Coelho, a propósito do qual considera necessário informar o leitor

de quem era Humboldt. Assim, para justificar o seu cuidado nas explicações, Machado esclarece: “os folhetins que tenho o gosto de escrever neste jornal devem ter sempre de algum modo em mira os leitores populares” (DN 13.7.1876).

Saliente-se que reservámos, a título ilustrativo, um número restrito de folhetins, transcritos em Anexo, sob o critério da quantidade e da relevância dos dados constantes, de forma a proporcionar uma percepção integral do carácter destes textos.