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O “Fora FHC” dentro da Universidade: brigando com o “Provão”

4.4 Campanhas e manifestações estudantis

4.4.5 O “Fora FHC” dentro da Universidade: brigando com o “Provão”

O Exame Nacional de Cursos, conhecido como provão, foi instituído pelo decreto nº 2026, promulgado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1996, com o intuito de

“avaliar o ensino superior brasileiro”. O projeto do Governo Federal causou polêmica entre os

estudantes universitários. Nesse sentido, ainda em 1996, a UNE entregou ao MEC um documento no qual apontava aspectos considerados por ela imprescindíveis para uma avaliação criteriosa do ensino superior:

 Avaliação interna e externa à universidade;  Participação da sociedade civil;

 Avaliação construtiva, levando-se em conta as diferenças regionais e econômicas;  Avaliação dos professores a partir de critérios quantitativos e qualitativos;

 Respeito à autonomia e à vocação da universidade.

O DCE-UFC também expôs suas dúvidas a respeito do sistema de avalição proposto pelo governo:

[...] Este “Provão” terá questões objetivas e abertas e um questionário sobre o perfil

estes dados e seus resultados. O que quer provar? Um critério único e simplista, sem qualquer relação com a situação de abandono da Educação no país [...]. (Panfleto do DCE- UFC, outubro/1996).

Em 1997, a ideia da campanha contra o “provão” encontrou alguma resistência no

interior do próprio movimento estudantil. Dentro da diretoria da UNE surgiram divergências quanto à proposta de boicotar as provas. Em diversas faculdades, os graduados foram pressionados a prestar o exame, a fim de garantir um bom conceito para os cursos. Aqui em Fortaleza, o DCE-UFC não aderiu ao boicote, conforma defendia a maioria dos dirigentes da UNE. Apesar de discordar do

“provão”, o DCE-UFC se limitou a prestar esclarecimentos aos estudantes, através da distribuição

de um boletim, nos locais de prova.

As lideranças estudantis no Ceará, preocupadas com as “rachaduras” que vem marcando as

decisões do comando central da UNE, começam a montar esquemas em torno de questões consideradas prioritárias para a sustentação do movimento, não só a nível estadual como

nacional. Enquanto a UNE diverge sobre o boicote ao Exame Nacional de Curso – provão –

estudantes membros dos centros acadêmicos e diretórios centrais dos estudantes montam esquemas voltados a esclarecer os universitários sobre a razão desse boicote. (Jornal Tribuna do Ceará, 03/09/1997).

A UNE considerou o “provão” contraditório, porque apesar dele se propor a avaliar a

instituição de ensino superior, ele tomava como parâmetro o estudante. Um forte argumento da entidade contra esse exame nacional era o seguinte:

Ainda que você seja um ótimo profissional, que tenha capacidade de liderança, que consiga resolver problemas ligados à sua área de trabalho, nada disso é avaliado pelo provão, que não passa de um teste de memorização, um vestibular piorado, versão terceiro grau [...] (Jornal da UNE, maio/1998).

Além da UNE, o Sindicato Nacional dos Docentes (ANDES) fez duras críticas à metodologia adotada no provão, classificando-o de “provinha pouco séria, reducionista, excludente,

autoritário e persecutório da parte mais fraca”. A diretoria da ANDES prossegue afirmando que “...Não existe avaliação de qualidade de ensino abstrata. Só se pode avaliar qualidade em relação a objetivos, fins, demandas sociais, função social da universidade.” (Apud Jornal da UNE, 1998).

Em 1998, a UNE orienta as demais entidades estudantis a promoverem a discussão sobre o provão, nas universidades, e realizarem campanhas pelo boicote ao exame.

Tua nota no provão será um fantasma: todo em branco... é assim que se entrega... então, o que fazer? Não faça o provão. Dê ao exame a nota que ele merece: zero. Entregue a prova em branco e ajude a melhorar o nível de ensino de outra maneira: exigindo do governo investimentos no ensino público e fiscalização no ensino privado. Que ele faça a sua parte que nós faremos a nossa. Não temos medo de avaliação, mas também não aceitamos ser penalizados por sucessivas políticas educacionais que privilegiam o mercantilismo, o lucro fácil, a expansão de escolas caça-níqueis. (Jornal da UNE, maio/1998).

Além da prova em branco, os estudantes lançaram mão de várias outras formas de protesto. Em 1999, a Direção Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem) decidiu que seus formandos usariam camisas pretas no dia da prova, fariam distribuição de adesivos, de notas explicativas e de camisetas à população. Os estudantes de jornalismo, em algumas cidades, se

vestiram de palhaço, distribuíram apitos e “nariz de palhaço” aos seus colegas. Milhares de abaixo-

assinados contra o exame foram coletados, os quais a UNE fez circular nas universidades brasileiras. Num esforço conjunto entre os diversos setores da comunidade universitária, foi lançada

a campanha “Avaliação pra valer”, em 1999, procurando reunir diversas sugestões e propostas

sobre um sistema de avaliação mais democrático e eficiente.

Em 2004, durante o Seminário Nacional sobre Reforma Universitária, a UNE fez um balanço do sistema de avaliação das universidades brasileiras:

Desde 93, o movimento estudantil vem se posicionando a favor de uma avaliação que leve em conta toda a complexidade e diversidade das instituições. Por isso, a luta dos estudantes brasileiros contra o provão, nos últimos anos, foi intensa – já que este se constituía em instrumento insuficiente e feito sob medida para legitimar faculdades e cursos sem qualidade. (Documento sobre Reforma Universitária, UNE, 2004).

Ainda neste ano, o Governo Federal instituiu o SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, pela Lei nº 10.861/2004, apresentada como uma nova concepção de avaliação de ensino, já que ela propõe a articulação de diversos mecanismos de análise, de forma a realizar a avaliação da instituição e não apenas do aluno, a auto avaliação institucional e a avaliação externa. Segundo a UNE,

Dentre os instrumentos previstos pelo SINAES, temos a avaliação interna e externa, que serão definidas a partir de diversos indicadores, a avaliação dos cursos de graduação e do

desempenho dos estudantes – o ENADE – que tem como objetivo acompanhar o processo

de aprendizagem e o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas ligados à realidade, conforme previsto no artigo 23. (Documento sobre Reforma Universitária – UNE, 2004).

O ENADE é a alternativa apresentada pelo Ministério da Educação ao Provão. Entretanto, dada a obrigatoriedade do exame para a obtenção do diploma, persistem as dúvidas quanto ao peso da nota individual para a avaliação da instituição, assim como se questiona o tipo de uso da nota obtida pelo aluno e suas consequências. A previsão do MEC é de que todo o sistema de avaliação esteja funcionando bem até 2006. Por enquanto, está prevista para novembro de 2004 a aplicação das provas aos estudantes. Sobre esse novo sistema de avaliação, a UNE afirma que,

[...] mesmo reconhecendo os avanços do novo sistema, (a UNE) estará atenta no sentido de garantir a definição de uma nova cultura de avaliação, em que o estudante se sinta parte do processo e não o grande alvo, como era no sistema anterior. Essa nova cultura deve estar associada ao novo projeto de universidade, que, antes de tudo, precisa ser coerente com um conjunto de princípios, pressupostos e premissas, que orientem uma política global de universidade, através de um compromisso social, prestando contas à sociedade, no que se refere à formação acadêmico-científica. (Apud, UNE, 2004).

A mudança de postura, de parte das lideranças estudantis, quanto ao sistema de avaliação, está relacionada à eleição do presidente Lula, entendida como possibilidade de se fazer

um “pacto social”.