Queremos, então, construir um funcional linear não-nulo φ : c00 → K tal que a função
(x, y) → φ(x · y) é contínua em c00 × c00. Da mesma maneira que um corolário nos ajudou
a criar um “critério para não-hiperciclicidade de T ⊕ T ” (Corolário 4.6), o lema a seguir nos fornecerá um “critério” para que um funcional φ satisfaça a propriedade que desejamos.
Lema 4.11. Sejaφ : c00→ K um funcional linear. Suponhamos que
X
p,q
|φ(ep· eq)| < ∞. Então
a função(x, y)→ φ(x · y) é contínua em c00× c00.
DEMONSTRAÇÃO: Observe, primeiro, que o produto definido em K[T ](e0) tornou tal espaço em uma álgebra comutativa (vide equação (4.1)). Assim, como K[T ](e0) = c00 (por (P1)) e φ é um
funcional linear, então não é difícil verificar que (x, y) → φ(x · y) é bilinear. Logo, como c00 é
um espaço normado, para mostrar que (x, y) → φ(x · y) é contínua, basta mostrar que existe um C > 0 tal que
|φ(x · y)| ≤ C kxk kyk . Sejam x, y ∈ c00. Podemos escrever, então, x =
X
p
xpepe y =
X
q
yqeq. Logo, temos que
x· y =X
p,q
xpyq(ep· eq).
Como (x, y) → φ(x · y) é bilinear e xp, yqsão escalares, temos que:
|φ(x · y)| ≤X
p,q
|xp| |yq| |φ(ep · eq)| .
Lembrando que |xp| ≤
e∗p kxk, onde e∗pé o funcional coordenada (vide Definição 1.9), temos então que
|φ(x · y)| ≤X
p,q
e∗p kxk e∗q kyk |φ(ep· eq)| .
Agora, como (ei)∞i=0 é uma base normalizada, então a sequência (e∗i)∞i=0 é uniformemente
limitada (Corolário 1.13). Logo, segue que |xi| ≤ M kxk, para todo i = 0, 1, 2, . . .. Portanto:
|φ(x · y)| ≤ M2X p,q
|φ(ep· eq)| kxk kyk
de onde segue que, usando a hipótese do lema, que a função (x, y) → φ(x · y) é contínua, como desejado.
Para construirmos um funcional φ que satisfaça a (P4) precisamos, então, construí-lo de maneira a termos queX|φ(ep· eq)| < ∞. O problema é que os produtos ep· eq não são fáceis de se lidar.
4.4 O Funcionalφ 65 De fato, seria fácil construir tal φ se tivéssemos, por exemplo, que ep·eq= ep+q. No entanto, a mul-
tiplicação adotada em c00 = K[T ]e0não foi definida dessa maneira, vide a equação (4.1). Tal mul-
tiplicação faz com que c00possua uma base natural, a saber, o conjunto {Ti(e0) : i = 0, 1, 2, . . .}.
Por isso, precisamos escrever tanto epquanto eqem função de tal base para, só assim, expressarmos
este produto nesta base.
Dessa maneira, vamos tentar escrever tanto epquanto eqem função de {Ti(e0) : i = 0, 1, 2, . . .}.
Fixemos p ≤ q. Tome k, l tais que p = bk+u, q = bl+v, onde u∈ [0, bk+1−bk[ e v∈ [0, bl+1−bl[.
Temos, pela definição de T (vide equação (4.3)): Tp(e0) = Tu(Tbk(e0)) = Tu(Pk(T )e0+ 1 ak ebk) = Pk(T )T u(e 0) + 1 ak Tu(ebk). (4.11)
Agora, como bk+ u < bk+1, temos, pela equação (4.4), que
Tu(e
bk) = Tu−1(T ebk) = Tu−1(w(bk+ 1)ebk+1) = w(bk+ 1)Tu−1(ebk+1)
= w(bk+ 1)Tu−2(w(bk+ 2)ebk+2) = w(bk+ 1)w(bk+ 2)T u−2(e
bk+2)
= . . . = w(bk+ 1)· · · w(bk+ u)ebk+u
= w(bk+ 1)· · · w(bk+ u)ep (4.12)
já que se s ∈ [0, u[, então bk+ s∈ [bk, bk+1− 1[ (vide definição de u).
Dessa forma, como ak = k + 1 (por definição), juntando as equações (4.11) e (4.12) obtemos
Tp(e0) = Pk(T )Tu(e0) + 1 k + 1T u(e bk) = Pk(T )T u(e 0) + 1 k + 1w(bk+ 1) . . . w(bk+ u)ep. Assim, como Tp(e 0) = Tbk(Tu(e0)), temos que Tbk(Tu(e 0))− Pk(T )Tu(e0) = 1 k + 1w(bk+ 1) . . . w(bk+ u)ep. Isolando epem um dos lados da equação, obtemos
ep =
k + 1
w(bk+ 1) . . . w(bk+ u)
(Tbk − P
k(T ))Tu(e0) (4.13)
E, de maneira análoga, obtemos eq =
k + 1
w(bl+ 1) . . . w(bl+ v)
(Tbl− P
l(T ))Tv(e0) (4.14)
Lembrando agora que 1 w(i) ≤
1
2, para todo i ∈ N, temos, para todo funcional linear φ : c00→ K, que |φ(ep· eq)| ≤ (k + 1)(l + 1) 2u+v φ(y(k,u)(l,v)) (4.15)
onde y(k,u)(l,v)= (Tbk − Pk(T ))(Tbl− Pl(T ))Tu+v(e0).
Logo, precisamos construir um funcional φ de maneira a termos X(k + 1)(l + 1)
2u+v
φ(y(k,u)(l,v))<∞. Para definirmos φ, vamos fazer uso da seguinte definição:
Definição 4.12. Sejam x ∈ c00 e I ⊆ N ∪ {0}. Dizemos que x é suportado em I se x ∈
span{Ti(e0) : i∈ I}.
Vamos definir φ da seguinte maneira: tomamos φ(e0) = 1 e φ(Ti(e0)) = 0 se i ∈]0, b1[. Se
i∈ [bn, bn+1[ para algum n≥ 1, colocamos
φ(Ti(e 0)) = φ(Pn(T )Ti−bne0), se i ∈ [bn, 3bn/2[∪ [2bn, 5bn/2[, 0, caso contrário. Neste caso, observe que φ(Ti(e
0)) está bem definido. De fato, suponhamos que φ(Tj(e0)) é
conhecido, para todo j < i. Logo, como estamos supondo deg (Pn) < bn− 1 (vide equação (4.8)),
temos que deg (Pn) + i− bn< bn− 1 + i − bn= i− 1 < i. Logo, Pn(T )Ti−bne0 é suportado em
[0, i[, o que mostra que φ(Ti(e0)) está bem definido.
Observe ainda que não necessariamente temos que φ é contínuo. Neste caso, a continuidade do funcional em si não nos interessa: é relevante apenas a continuidade da função (x, y) → φ(x · y).
Antes de provarmos o próximo lema, observe que se R é um polinômio, então a desigualdade triangular nos mostra que
|φ(R(T )e0)| ≤ |R|1 max j≤deg(R)
φ(Tje0). (4.16)
Tal desigualdade será bastante útil nos dois próximos lemas.
Lema 4.13. Suponha quedeg Pn < bn/3. Então, para todo n∈ N, temos que
max i∈[0,bn[ φ(Tie0)≤ Y 0<j<n max(1,|Pj|1)2.
DEMONSTRAÇÃO: Vamos demonstrar o lema usando o Princípio da Indução Finita. Seja Kn := Y
0<j<n
max(1,|Pj|1)2. A afirmação é verdadeira para n = 0 e n = 1 se assumirmos que o “produto
vazio” vale 1 (isto é, se tomarmos K0 = 1 e K1 = 1). De fato, para n = 0 não há nada a
demonstrar. Se n = 1, então max
i∈[0,b1[
4.4 O Funcionalφ 67 Suponhamos então que a desigualdade seja verdadeira para um n ≥ 1. Vamos mostrar que ela é verdadeira para n + 1. Vamos denotar φi :=
φ(Tie0). Assim: max i∈[bn,2bn[ φi = max i∈[bn,3bn/2[ φ(Pn(T )Ti−bne 0)
pela definição de φ. Daí, usando a equação (4.16), temos que max i∈[bn,2bn[ φi = max i∈[bn,3bn/2[ φ(Pn(T )Ti−bne 0) ≤ |Pn|1 max j<bn/2+deg(Pn) φj ≤ |Pn|1Kn (4.17)
pela hipótese de indução, visto que bn/2 + deg(Pn) < bn/2 + bn/3 < bn. Daí, como |Pn|1 ≤
max(1,|Pn|1)2, segue então que
max
i∈[bn,2bn[
φi ≤ |Pn|1Kn≤ max(1, |Pn|1)2Kn= Kn+1. (4.18)
Analogamente, pela definição de φ temos que max i∈[2bn,bn+1[ φi = max i∈[2bn,5bn/2[ φ(Pn(T )Ti−bne 0)
e daí, de novo pela equação (4.16) segue que max i∈[2bn,bn+1[ φi = max i∈[2bn,5bn/2[ φ(Pn(T )Ti−bne 0) ≤ |Pn|1 max j<3bn/2+deg(Pn) φj.
Agora, como 3bn/2 + deg(Pn) < 3bn/2 + bn/3 < 2bn, temos que
max i∈[2bn,bn+1[ φi ≤ |Pn|1 max j<3bn/2+deg(Pn) φj ≤ |Pn|1max j<2bn φj. Como max j<2bn φj = max{ max j∈[0,bn[ φj | {z } ≤Knpor hipótese. , max j∈[bn,2bn[ φj | {z } ≤|Pn|1Knvide (4.17). } ≤ max(1, |Pn|1)Kn
segue então que max i∈[2bn,bn+1[ φi ≤ |Pn|1max(1,|Pn|1)Kn≤ max(1, |Pn|1)2Kn = Kn+1. Assim, max i∈[bn,bn+1[ φi = max{ max i∈[bn,2bn[ φi | {z } ≤Kn+1, vide (4.18). , max i∈[2bn,bn+1[ φi | {z }
≤Kn+1, vide eq. acima.
} ≤ Kn+1.
O lema anterior nos ajudará a provar o próximo lema, que será crucial para demonstrarmos que a continuidade da função desejada.
Lema 4.14. Suponha quedeg Pn < bn/3, para todo n ∈ N ∪ {0}. Então as afirmações a seguir
são verdadeiras sempre que0≤ k ≤ l: (i) φ(y(k,u)(l,v)) = 0 se u + v < bl/6.
(ii) φ(y(k,u)(l,v))≤ Ml(P) := max
0≤j≤l(1 +|Pj|1) 2 Y
0<j≤l+1
max (1 +|Pj|1)2.
DEMONSTRAÇÃO: Para provarmos (i), primeiro note que
φ((Tbk − P
k(T ))z) = 0 (4.19)
sempre que z ∈ c00 é suportado em [0, bk/2[∪ [bk, 3bk/2[. De fato, se z é suportado nesta
união de intervalos, então podemos escrever z = z1Tk1(e0) + . . . + znTkn(e0), onde kj ∈
[0, bk/2[∪ [bk, 3bk/2[.
Dessa forma, temos que Tbk(z) = z
1Tbk+k1(e0) + . . . + znTbk+kn(e0). Logo, bk + kj ∈
[bk, 3bk/2[∪ [2bk, 5bk/2[⊆ [bk, bk+1[, para todo j = 1, . . . , n. Daí, por definição, temos que
φ(Tbk+kje
0) = φ(Pk(T )Tbk+kj−bke0)
= φ(Pk(T )Tkje0)
para todo j = 1, . . . , n.
Assim, segue que φ(Tbkz) = φ(P
k(T )z), como afirmamos. Suponha agora que u + v < bl/6.
Note que se l = 0, então b0 = 0 o que torna o caso trivial. Dessa forma, suponhamos l≥ 1.
Quando k = l ≥ 1, escrevemos: y(k,u)(k,v)= (Tbk − Pk(T ))(Tbl− Pl(T ))Tu+v(e0) = (Tbk − P k(T ))(Tbk− Pk(T ))Tu+v(e0) = (Tbk − P k(T ))Tbk+u+v(e0)− (Tbk − Pk(T ))Pk(T )Tu+v(e0) = (Tbk − P k(T ))(z1)− (Tbk− Pk(T ))(z2).
Logo, z1é suportado em [bk, bk+ u + v] ⊆ [bk, 7bk/6[⊆ [bk, 3bk/2[, visto que u + v < bl/6 =
bk/6. Já z2 é suportado em [0, deg(Pk) + u + v] ⊆ [0, bk/2[, visto que deg(Pk) < bk/3 (por
hipótese) e u + v < bk/6.
Assim, como z1, z2 são suportados em [0, bk/2[∪ [bk, 3bk/2[, temos, pela equação (4.19), que
4.4 O Funcionalφ 69 Suponhamos agora l > k. Podemos escrever
y(k,u)(k,v)= (Tbl− Pl(T ))(z)
onde z = (Tbk − P
k(T ))Tu+v(e0). Dessa forma, observe que z é suportado em [0, bk+ u + v] ⊆
[0, bl/2[, visto que deg Pk < bk/3, u + v < bl/6 e bk < bl/3 (vide definição de bn). Sendo
z suportado em tal intervalo, então, de novo pela equação (4.19), segue que φ(y(k,u)(k,v)) = 0.
Terminamos, portanto, de provar (i).
Vamos agora provar (ii). Note que o vetor y(k,u)(k,v) pode ser visto na forma R(T )e0, onde
R = (Tbk− P k(T ))(Tbl− Pl(T ))Tu+v e |R|1 ≤ (1 + |Pl|1)(1 +|Pk|1)≤ max 0≤j≤l(1 +|Pj|1) 2. Assim, da equação (4.16), temos:
φ(y(k,u)(l,v))=|φ(R(T )e0)| ≤ max
0≤j≤l(1 +|Pj|1)
2 max j≤deg(R)
φ(Tje0).
Precisamos agora estimar deg(R) de maneira a utilizarmos o lema anterior. A primeira vista, note que deg(R) ≤ bk+ bl + u + v. Ainda, como u ∈ [0, bk+1 − bk[ e v ∈ [0, bl+1− bl[, então
u < bk+1 e v < bl+1. Assim:
deg(R)≤ bk+ bl+ u + v ≤ bk+ bl+ bk+1+ bl+1 < bl+ bl+ bl+1+ bl+1
visto que estamos assumindo l > k. Como bn = 3n, então segue que 2bl < bl+1 e 3bl+1 = bl+2.
Logo, temos que:
deg(R)≤ 2bl+ 2bl+1< bl+1+ 2bl+1 = 3bl+1 = bl+2.
Logo, deg(R) < bl+2. Portanto, temos que
φ(y(k,u)(l,v))≤ max
0≤j≤l(1 +|Pj|1) 2 max
j≤bl+2
φ(Tje0).
Pelo lema anterior, temos que max j≤bl+2 φ(Tje0)= max i∈[0,bl+2[ φ(Tie0)≤ Y 0<j<l+2 max(1,|Pj|1)2.
Jutando as duas últimas equações, temos então que
φ(y(k,u)(l,v))≤ max
0≤j≤l(1 +|Pj|1) 2 Y
0<j<l+2
max(1,|Pj|1)2.
Trocando j < l + 2 por j ≤ l + 1, fica provado o item (ii), terminando a demonstração do lema.
Com a ajuda deste último lema, podemos enfim provar que a função (x, y) → φ(x · y) é contínua.
Proposição 4.15. Existe uma sequência controladora (vn)∞n=0, com vn → ∞, tal que se uma
sequência admissívelP é controlada por(vn)∞n=0então a função(x, y)→ φ(x · y) é contínua.
DEMONSTRAÇÃO: Seja Λ := {(m, w) ∈ N × N : w < bm+1 − bm}. Então
X p,q |φ(ep· eq)| ≤ X ((k,u),(l,v))∈Λ×Λ (k + 1)(l + 1) 2u+v φ(y(k,u)(l,v)) vide a equação (4.15).
Pelo lema anterior, temos que: X p,q |φ(ep· eq)| ≤ 2 ∞ X k=0 X l≥k (l + 1)2Ml(P) X u+v≤bl/6 1 2u+v.
Tomemos agora i := u + v. Para i fixo, observe que temos i + 1 maneiras distintas de escrever 2u+v, quando u e v variam em {0, 1, . . . , i}. Dessa maneira, temos:
X p,q |φ(ep· eq)| ≤ 2 ∞ X k=0 X l≥k (l + 1)2Ml(P) X i≤bl/6 i + 1 2i .
Seja agora (An)∞n=0uma sequência de números positivos com An≥ 2, para todo n, e lim n→∞An= ∞ tal que 2 ∞ X k=0 X l≥k (l + 1)2An X i≤bl/6 i + 1 2i <∞.
Pela definição de Mn(P), note que podemos tomar uma sequência controladora (vn)∞n=0tal que
Mn(P)≤ An, para todo n, desde que P seja devidamente controlada por (vn)∞n=0.
Assim, a última desigualdade em destaque nos mostra que X
p,q
|φ(ep· eq)| < ∞ o que, pelo
Lema 4.11, mostra que (x, y) → φ(x · y) é contínua, como desejado.
Se a sequência admissível P for tomada de maneira a ser controlada pela sequência (vn)∞n=0
como na proposição acima, fica provado que o funcional φ é tal que a função (x, y) → φ(x · y) é contínua. Tendo em vista o que já fizemos nas seções anteriores, terminamos, assim, de demonstrar o Teorema 4.2, nosso objetivo neste capítulo.
No entanto, antes de terminá-lo, vamos lembrar de todas as exigências que fizemos sobre a sequência admíssivel P e eventuais sequências controladoras nos resultados que demonstramos.
4.5 Condições sobre a Sequência Admissível 71