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Sequências Universais e Operadores Hereditariamente Hipercíclicos

Podemos tentar generalizar o conceito de hiperciclicidade no seguinte sentido: ao invés de considerarmos a sequência de potências de T , podemos considerar uma sequência arbitrária de operadores definidos em um mesmo espaço. Tal generalização natural nos remete ao conceito de universalidade.

Definição 3.1. Seja X um espaço de Fréchet e seja (Ti)i∈N uma sequência de operadores con-

tínuos em X. Tal sequência é dita universal se existir um vetor y ∈ X tal que o conjunto {Ti(y) : i≥ 1} é denso em X. Tal vetor y é dito vetor universal para (Ti)i∈N.

Alguns autores optam por chamar tal sequência de hipercíclica, enquanto outros optam por denominá-la universal, como fizemos. Escolhemos usar universal para reservar o termo hiper- cíclicoapenas para o caso das potências de T . Neste caso, note que esta definição é mesmo uma generalização para hiperciclicidade: se fixarmos um T ∈ B(X) e considerarmos a sequência Ti = Ti, i ∈ N, obtemos como caso particular a definição de hiperciclicidade. Faremos, agora,

uma observação que será de muita utilidade mais adiante.

Observação 3.2. Suponhamos queX seja um espaço métrico sem pontos isolados. Fixemos uma sequência crescente (nk)k≥1 de números naturais. De maneira análoga ao Lema 2.6, temos que se

y é um vetor universal para uma sequência (Tnk)

k≥1, então o vetor Tm(y) também o é, para todo

m ∈ N. Ou seja, temos que o conjunto {Tnk(Tmy), k = 1, 2, . . .} é denso em X. Isto é verdade

pois {Tnk(y) : k ≥ 1} é denso em X (pois y é universal), Tnk(Tmy) = Tm(Tnky) e Tm tem

3.2 Sequências Universais e Operadores Hereditariamente Hipercíclicos 37 Para vermos que Tm tem mesmo imagem densa, para cada m ∈ N, primeiro observe que se

a sequência (Tnk)

k∈N é universal, então T é hipercíclico. Daí, tomando p(t) = xm, temos, pelo

Teorema 2.12, que p(T ) = Tm tem imagem densa, como desejado.

Vejamos agora o conceito de operador hereditariamente hipercíclico.

Definição 3.3. SejaX um espaço de Fréchet e seja T ∈ B(X). Tomemos (nk) uma sequência de

inteiros não-negativos. Dizemos queT é hereditariamente hipercíclico com respeito a (nk) se

para todas as subsequências(nkj)⊆ (nk) tivermos que a sequência (T nkj

)j≥1é universal. Um operadorT é dito hereditariamente hipercíclico se é hereditariamente hipercíclico para alguma sequência(nk).

De posse dessas duas definições, estamos em condições de provar um teorema que nos fornecerá uma resposta parcial para o Problema 2. Para a demonstração de tal teorema, precisamos de um lema:

Lema 3.4 (Bès, [9]). Seja(Tnk)

k≥1 ⊆ B(X). As afirmações a seguir são equivalentes:

(i) A sequência(Tnk)

k≥1é universal.

(ii) Para todos os abertos não-vaziosU, V ⊆ X, existe um r arbitrariamente grande tal que Tnr(U )∩ V 6= ∅.

(iii) O conjunto dos vetores universais para a sequência(Tnk)

k≥1é um subconjuntoGδdenso de

X.

DEMONSTRAÇÃO: (i) ⇒ (ii). Sejam U, V ⊆ X abertos não-vazios e seja y um vetor universal

para a sequência (Tnk)

k≥1. Tomemos k0tal que

Tnk0(y)∈ U. (3.1)

Sendo y um vetor universal, é claro que tal k0 existe. Tomemos y′ := Tnk0(y). Pela Observação

3.2, y′é um vetor universal para a sequência (Tnk)

k≥1. Podemos então tomar um r arbitrariamente

grande1 tal que

Tnr(y)

∈ V.

1É possível tomarmos tal r arbitrariamente grande pelo seguinte motivo: sendo y um vetor universal, sabe-

mos que o conjunto {Tn1

(y), Tn2(y), . . .} é denso em X. Seja k1 o menor inteiro tal que Tnk1 ∈ V . Como

X não possui pontos isolados, então o conjunto {Tn1(y), Tn2(y), . . .}\{Tnk1(y)} ainda é denso em X. As-

sim, podemos tomar um k2 tal que k1 < k2 e T n

k2(y) ∈ V . De novo, podemos tomar o conjunto denso

{Tn1

(y), Tn2

(y), . . .}\{Tn

Como y′ ∈ U (vide equação (3.1)), então a equação anterior nos diz que Tnr(U )∩ V 6= ∅,

como desejado.

(ii) ⇒ (iii). Seja {Bs}s≥1uma base enumerável para a topologia de X. 2 Tomemos os conjuntos

Ds:= [ k≥1 {z ∈ X : Tnk(z)∈ B s} Observe que Ds = [ k≥1 (Tnk)−1(B

s) e, como Tnk é contínuo para todo k, isto mostra que Ds é

aberto.

Vamos mostrar agora que Dsé denso. Suponhamos que não seja. Então existe um Bj tal que

Ds∩ Bj =∅. Pela definição de Ds, isto quer dizer que Tnk(Bs)∩ Bj =∅ para todo k, um absurdo

por hipótese. Sendo cada Ds aberto e denso, então pelo Teorema de Baire

\

s≥1

Ds é um conjunto

Gδdenso em X.

Para finalizar, basta observar que \

s≥1

Ds é exatamente o conjunto dos vetores universais para

a sequência (Tnk)

k≥1. De fato, z ∈

\

s≥1

Ds se, e somente se, para todo s, existe k = k(s) tal que

Tnk(z)∈ B

so que acontece se, e somente se, {Tnk(z) : k≥ 1} for denso em X, como desejado.

(iii) ⇒ (i). Trivial.

 Vamos agora ao teorema:

Teorema 3.5 (Bès e Peris, [10]). SejaT ∈ B(X). As afirmações a seguir são equivalentes: (i) T satisfaz o Critério de Hiperciclicidade.

(ii) T é hereditariamente hipercíclico. (iii) T ⊕ T é hipercíclico.

DEMONSTRAÇÃO: (i) ⇒ (ii). Sejam X0, Y0, (nk) e Snk : Y0 → X como no Critério de Hiper-

ciclicidade. Vamos mostrar que (Tnk) é universal. Como explicaremos no final, a partir disso

concluiremos que T é hereditariamente hipercíclico.

Sejam U, V abertos não-vazios de X. Usando a densidade de X0 e Y0, tomemos x ∈ X0 e

y ∈ Y0 e um ε > 0 tais que B(x, ε) ⊆ U e B(y, 2ε) ⊆ V . Pelas condições do Critério de

2Observe que X é um espaço (vetorial) topológico metrizável e separável. Assim, não é difícil mostrar que X

3.2 Sequências Universais e Operadores Hereditariamente Hipercíclicos 39 Hiperciclicidade, existe nr ∈ (nk) arbitrariamente grande tal que

Tnr(x)∈ B(0, ε) (3.2)

Snr(y)∈ B(0, ε) (3.3)

Tnr ◦ S

nr(y)− y ∈ B(0, ε) (3.4)

Assim, como B(x, ε) ⊆ U e Snr(y)∈ B(0, ε), temos que x + Snr(y)∈ B(x, ε) ⊆ U. De fato,

por (3.3), Snr(y)∈ B(0, ε) ⇒ d(Snr(y), 0) < ε⇒ d(x + Snr(y), x) < ε, usando o fato de que a

métrica d é invariante por translações. Vamos mostrar agora que Tnr(x + S

nr(y))∈ B(y, 2ε) ⊆ V . Assim, tomando z = x + Snr(y),

chegaremos então a conclusão de que z ∈ U (pelo parágrafo anterior) e que Tnr(z)

∈ V . Ou seja, Tnr(U )

∩ V 6= ∅. Pelo lema anterior, teremos que a sequência (Tnk) é universal, como desejamos.

Primeiro, é claro que Tnr(x + S

nr(y)) = T

nr(x) + Tnr ◦ S

nr(y). Daí, por (3.4):

Tnr ◦ S nr(y)− y ∈ B(0, ε) ⇒ d(T nr ◦ S nr(y)− y, 0) < ε ⇒ d(Tnr ◦ Snr(y), y) < ε ⇒ d(Tnr ◦ S nr(y) + T nr(x), y + Tnr(x)) < ε

usando, de novo, a invariância por translações.

Agora, por (3.2), temos que d(Tnr(x) + y, y) = d(Tnr(x), 0) < ε. Logo, pela desigualdade

triangular: d(Tnr(x) + Tnr ◦ Snr(y), y)≤ d(T nr(x) + Tnr ◦ Snr(y), T nr(x) + y) | {z } <ε + d(Tnr(x) + y, y) | {z } <ε < 2ε como desejado.

Mostramos, então, que dada a sequência (nk) que satisfaz o Critério, a sequência (Tnk) é uni-

versal. Observe agora que o Critério também é satisfeito para qualquer subsequência (nkj) de

(nk). Assim, da mesma maneira que mostrarmos que (Tnk) é universal, temos também que (Tnkj)

é universal, para qualquer subsequência (nkj) de (nk). Em outras palavras, temos que T é heredi-

tariamente hipercíclico, como desejado.

(ii) ⇒ (iii). Suponhamos que T seja hereditariamente hipercíclico com respeito a uma sequência (nk). Sejam U1 × U2e V1× V2 abertos não-vazios de X × X. Vamos provar que existe um m tal

que

(T ⊕ T )m(U1× U2)∩ (V1 × V2)6= ∅.

hipercíclico.

Tomando como subsequência a própria sequência (nk) obtemos, por hipótese, que a sequência

(Tnk) é universal. Dessa maneira, pelo lema anterior existe uma subsequência3 (n

kj)⊆ (nk) tal

que

Tnkj(U

1)∩ V1 6= ∅.

Porém, sendo (nkj)⊆ (nk) e T hereditariamente hipercíclico com respeito a (nk), temos que a

sequência (Tnkj

) também é universal. Do mesmo jeito, pelo lema anterior obtemos um m∈ (nkj)

tal que

Tm(U2)∩ V2 6= ∅.

Portanto, obtemos um m ∈ (nkj) tal que

(T ⊕ T )m(U

1× U2)∩ (V1× V2)

como desejado.

(iii) ⇒ (i). Seja (x, y) um vetor hipercíclico para T ⊕ T . Note que é claro que x e y são vetores hipercíclicos para T . Logo, dado um aberto não-vazio U ⊆ X, existe um k ∈ N tal que Tk(y)∈ U.

Além disso, como X não possui pontos isolados e orb (y, T ) é denso em X, pelo Lema 2.6 temos que orb (Tk(y), T ) é denso em X, para todo k ∈ N. Portanto, temos que tal Tk(y) é um vetor

hipercíclico para T .

Afirmamos agora que, para todo k ∈ N, (x, Tk(y)) é um vetor hipercíclico para T

⊕T . De fato, primeiro observe que, como T é um operador hipercíclico, então Tktambém o é, pelo Teorema de

Ansari (Teorema 2.17). Assim, se I é o operador identidade em X, então I⊕Tktem imagem densa,

para todo k ∈ N. Agora, como D = {(Tnx, Tny) : n = 0, 1, 2, . . .

} é denso em X (pois T ⊕ T é hipercíclico), então (I ⊕ Tk)(D) = {(Tnx, Tn+ky) : n = 0, 1, 2, . . .} = orb ((x, Tky), T ⊕ T )

também é denso em X, o que prova que (x, Tk(y)) é um vetor hipercíclico para T ⊕ T .4

Dessa maneira, considerando os dois parágrafos anteriores, podemos dizer que para todo aberto não-vazio U, existe um u ∈ U tal que (x, u) é um vetor hipercíclico para T ⊕ T .

Fixemos agora uma sequência decrescente (Uk)k∈N de abertos que forme uma base para o

zero. Pelo que já comentamos, fixado k ∈ N, podemos achar uk ∈ Uktal que (x, uk) é um vetor

hipercíclico para T ⊕ T . Logo, por indução, podemos encontrar uma sequência crescente (nk) de

3Observe que a existência dessa subsequência é garantida pelo item (ii) do lema anterior nos permitir tomar um r

arbitrariamente grande.

4A rigor, (I ⊕ Tk

)(D) é denso na imagem de I⊕ Tk

. No entanto, como a imagem de I ⊕ Tké densa em X, então

segue que (I ⊕ Tk

3.2 Sequências Universais e Operadores Hereditariamente Hipercíclicos 41 números inteiros positivos tais que

Tnk(x)∈ U

k (3.5)

Tnk(u

k)∈ x + Uk (3.6)

De fato, observe que o passo indutivo é análogo ao processo de “retirada” de pontos de um conjunto denso em um espaço sem pontos isolados (como feito no Lema 2.6): definido nk,

tome uk+1 ∈ Uk+1 tal que (x, uk+1) é um vetor hipercíclico para T ⊕ T . Assim, temos que

{(Tnx, Tnuk+1) : n = 0, 1, 2, . . .} é denso em X. Mas, como X não possui pontos isolados, en-

tão {(Tmx, Tmu

k+1) : m > nk} também é denso em X. Daí, basta tomar nk+1 > nk de maneira

a satisfazer as duas condições acima.

Seja X0 = Y0 := orb (x, T ). Sendo x um vetor hipercíclico, X0, Y0 são densos em X e, por-

tanto, são candidatos a serem os conjuntos descritos no Critério de Hiperciclidade. Como (Uk)k∈N

é uma sequência decrescente e é uma base para o zero, então por (3.5) temos que Tnk(x)→ 0. Daí,

pela continuidade de T obtemos que Tnk(z) → 0, para todo z ∈ X

0 = orb(x, T ), satisfazendo

assim a primeira condição do Critério.

Definimos agora Snk : Y0 → X da seguinte maneira (lembrando que se z ∈ Y0, então

z = Tn(x), para algum n): Snk(T

nx) := Tn(u

k). Como uk ∈ Uk e (Uk)k∈N é uma sequência

decrescente, então uk → 0. Logo, Snk(z) = T n(u

k) → 0 quando k → ∞, satisfazendo então a

segunda condição. 5

Verifiquemos agora a terceira condição. Seja z = Tn(x)∈ Y

0. Logo, temos que Tnk◦Snk(z) =

Tnk ◦ S nk(T

nx) = Tnk(Tnu

k) = Tn(Tnkuk)→ Tn(x) = z, quando k → ∞, pois Tnk(uk)→ x

por (3.6). Logo, a terceira condição do Critério está satisfeita.

Satisfeitas as três condições do Critério de Hiperciclicidade, fica provada a tese.

 Note que as funções Snk estão bem definidas mas podem não ser nem lineares nem contínuas.

Porém, lembrando da Observação 2.10, isto não cria um problema com Critério de Hiperciclici- dade e não torna esta demonstração inválida.

Antes de tecermos alguns comentários sobre este importante teorema e a sua relação com os Problemas 1 e 2, vejamos dois corolários:

Corolário 3.6 (Bès e Peris, [10]). Suponhamos queT ∈ B(X) satisfaça o Critério de Hipercicli- cidade. EntãoTntambém satisfaz o Critério, para todon∈ N.

DEMONSTRAÇÃO: Como T satisfaz o Critério de Hiperciclicidade, então T ⊕ T é hipercíclico,

vide teorema anterior. Pelo Teorema de Ansari (Teorema 2.17) temos que (T ⊕ T )né hipercíclico.

Como (T ⊕ T )n= Tn⊕ Tn, então Tn⊕ Tné hipercíclico. Daí, pelo teorema anterior, segue que

Tnsatisfaz o Critério, como desejado.

5Observe que, neste caso, n está fixo. Portanto, Tn

 Corolário 3.7 (Bès e Peris, [10]). Seja T ∈ B(X) um operador hipercíclico tal que o conjunto {x ∈ X : existe n ∈ N tal que Tn(x) = x} é denso em X. Então T satisfaz o Critério de Hiperciclicidade.

DEMONSTRAÇÃO: Pelo Teorema 3.5, basta mostrar que T ⊕ T é hipercíclico. Tomemos U1× U2

e V1× V2 abertos não-vazios de X × X. Vamos provar que existe um n tal que

(T ⊕ T )n(U1× U2)∩ (V1× V2)6= ∅.

Ou seja, vamos provar que

   Tn(U 1)∩ V1 6= ∅ Tn(U2)∩ V2 6= ∅

Dessa maneira, pelo Teorema da Transitividade de Birkhoff (Teorema 2.5), teremos que T ⊕ T é hipercíclico.

Sendo T hipercíclico, pelo Teorema da Transitividade de Birkhoff existe um m tal que

Tm(U1)∩ V1 6= ∅. (3.7)

Agora, como T é contínuo, denotando (Tm)−1 = T−m, temos que T−m(V

1) é aberto. Logo,

U1 ∩ T−m(V1) é um aberto; além disso, é não-vazio, em virtude da equação (3.7). Portanto,

como o conjunto {x ∈ X : existe n ∈ N tal que Tn(x) = x

} é denso em X, então existe um u1 ∈ U1 ∩ T−m(V1). Ou seja, existe u1 ∈ X tal que Tm(u1) ∈ V1 e Tp(u1) = u1, para algum

p∈ N.

Pelo Teorema de Ansari (Teorema 2.17), o operador Tp é hipercíclico. Portanto, de novo pelo

Teorema da Transitividade de Birkhoff, existe um r ∈ N tal que Trp(U2)∩ T−m(V2)6= ∅

visto que T−m(V

2) é um conjunto aberto.

Seja n := rp + m. Então, pela equação acima, temos que Tn(U

2)∩ V2 6= ∅ e, pela definição

de u1, que

Tn(u1) = Tm(Trpu1) = Tm(u1)∈ V1

Logo, temos que Tn(U

1)∩ V1 6= ∅ e que Tn(U2)∩ V2 6= ∅, como desejado.

 Os operadores hipercíclicos tais que o conjunto {x ∈ X : existe n ∈ N tal que Tn(x) = x

} é denso em X são ditos caóticos. Dessa forma, o corolário acima nos mostra que todo operador caótico satisfaz o Critério de Hiperciclicidade.

3.3 Ciclicidade e Hiperciclicidade deT ⊕ T 43

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