Operadores Hipercíclicos e o
Critério de Hiperciclicidade
André Quintal Augusto
DISSERTAÇÃO APRESENTADA
AO
I
NSTITUTO DE
M
ATEMÁTICA E
E
STATÍSTICA
DA
UNIVERSIDADE DE
S
ÃO
PAULO
PARA
OBTENÇÃO DO TÍTULO
DE
M
ESTRE EM
C
IÊNCIAS
Área de Concentração:
Matemática
Orientador:
Prof. Dr. Leonardo Pellegrini
Operadores Hipercíclicos e o
Critério de Hiperciclicidade
Esta versão da dissertação contém as correções e alterações sugeridas pela Comissão Julgadora durante a defesa da versão original do trabalho, realizada em 03/08/2015. Uma cópia da versão original está disponível no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo.
Comissão Julgadora:
• Prof. Dr. Leonardo Pellegrini (orientador) - IME-USP
• Prof. Dr. Rogério Augusto dos Santos Fajardo - IME-USP
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço ao professor Leonardo Pellegrini por ter aceito ser meu orientador. Sua compreensão, sinceridade, atenção aos detalhes e seus questionamentos foram essenciais para que este trabalho fosse concluído de maneira plenamente satisfatória.
Agradeço aos meus pais por tudo que se possa imaginar. O apoio e o carinho que recebi durante toda a minha vida foram imprescindíveis para mim. Ambos não mediram esforços para que eu pudesse realizar meus objetivos. Sou eternamente grato a eles.
Agradeço aos meus amigos e colegas de graduação e pós-graduação do IME pela convivência nestes últimos anos. Agradeço, em especial, ao Everton, Willian e ao Marcelo pela amizade ao longo de todo esse tempo.
Agradeço a todos os meus amigos do litoral, desde aos amigos do ensino médio até os amigos das partidas de futebol semanais. Em especial, quero agradecer ao meu xará André (Tchongo) e ao Matheus (Mulambo) pela amizade de todas as horas. Ambos são os irmãos que eu nunca tive.
Agradeço também a minha família e a todos aqueles que me agraciaram com seu carinho e amizade.
Por último, mas não menos importante, agradeço a Bárbara Campelo. Não há espaço suficiente para dizer o quanto sou grato pela sua intensa presença na minha vida nestes últimos sete anos. É impossível imaginar o amanhã sem você.
Resumo
AUGUSTO, A. Q.Operadores Hipercíclicos e o Critério de Hiperciclicidade. 2015. 95 f.
Dis-sertação (Mestrado) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
Dado um espaço vetorial topológicoXe um operador linearT contínuo emX, dizemos queT éhipercíclicose, para algumy ∈ X, o conjunto{y, T(y), T2(y), T3(y), . . . Tn(y). . .}for denso em X. Um dos principais resultados envolvendo operadores hipercíclicos consiste no chamado
Critério de Hiperciclicidade. Tal Critério fornece uma condição suficiente para que um operador
linear contínuo seja hipercíclico. Por muitos anos, procurou-se saber se o Critério também era uma condição necessária. Em [3], Bayart e Matheron construíram, nos espaços de Banach clássi-cosc0 eℓp,1 ≤ p < ∞, um operador hipercíclicoT que não satisfaz o Critério. Neste trabalho,
apresentamos a construção realizada por Bayart e Matheron. Além disso, também apresentamos alguns resultados sobre hiperciclicidade.
Palavras-chave: hiperciclicidade, critério de hiperciclicidade, operadores hipercíclicos.
Abstract
AUGUSTO, A. Q.Hypercyclic Operators and the Hypercyclicity Criterion. 2015. 95 f.
Dis-sertação (Mestrado) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
Given a topological vector spaceXand a continuous linear operatorT, we say thatT is hyper-cylicif, for somey ∈ X, the set{y, T(y), T2(y), T3(y), . . . Tn(y). . .}is dense inX. One of the main results concerning hypercyclic operators is the so-calledHypercyclicity Criterion. Such
Cri-terion gives a sufficient condition to a continuous linear operator be hypercyclic. For many years, it sought to know if the Criterion was also a necessary condition. In [3], Bayart and Matheron constructed, in the classical Banach spacesc0 e ℓp,1 ≤ p < ∞, a hypercyclic operatorT which
doesn’t satisfy the Criterion. In this work, we present the Bayart/Matheron construction. We also present some results about hypercyclicity.
Keywords: hypercyclicity, hypercyclicity criterion, hypercyclic operators.
Conteúdo
Notação ix
Introdução xi
1 Preliminares 1
1.1 Espaços Vetoriais Topológicos . . . 1
1.2 Espaços de Fréchet . . . 4
1.3 Bases de Schauder . . . 6
1.4 Bases Incondicionais . . . 9
2 Resultados Clássicos de Hiperciclicidade 15 2.1 Definição e Exemplo . . . 15
2.2 O Critério de Hiperciclicidade . . . 21
2.3 O Conjunto dos Vetores Hipercíclicos . . . 26
2.4 O Teorema de Ansari . . . 31
3 Relações entre a Hiperciclicidade deT e o operadorT ⊕T 35 3.1 O OperadorT ⊕T . . . 35
3.2 Sequências Universais e Operadores Hereditariamente Hipercíclicos . . . 36
3.3 Ciclicidade e Hiperciclicidade deT ⊕T . . . 43
4 Um Operador Hipercíclico que não satisfaz o Critério de Hiperciclicidade 49 4.1 Estratégia . . . 49
4.2 O OperadorT . . . 53
4.3 A Continuidade deT . . . 56
4.4 O Funcionalφ . . . 64
4.5 Condições sobre a Sequência Admissível . . . 71
4.6 Problemas Relacionados . . . 72
Bibliografia 75
Notação
N O conjunto{1,2,3,4. . .}. K O corpoRouC.
B(z, ε) O conjunto{x∈X : d(x, z)< ε}. Bk O conjunto{x∈X : d(x,0)<1/k}.
X∗ O dual topológico do espaçoX.
L(X) O conjunto de todos os operadores lineares emX.
B(X) O conjunto de todos os operadores lineares contínuos emX. K[X] O anel formado por todos os polinômios com coeficientes emK.
Introdução
É um fato bastante conhecido que Per Enflo deu uma resposta negativa ao problema do sube-spaço invariante em esube-spaços de Banach ao construir um operador em um esube-spaço conveniente. 1 Apesar do problema ainda estar em aberto para os espaços de Hilbert, um avanço talvez não tão conhecido quanto o trabalho de Enflo mas igualmente impressionante foi o feito por C. J. Read em 1988. Ele provou que existe um operador emℓ1que não possui umsubconjuntofechado invariante
não-trivial. Como todo subespaço é, evidentemente, um subconjunto deX, Read resolveu, assim, o problema pela primeira vez em um espaço de Banach clássico.
Ao mostrar que tal operador emℓ1 não possuíasubconjuntosfechados invariantes não-triviais
Read despertou o interesse de vários matemáticos para o fenômeno que hoje é conhecido por
hiperciclicidade.
Definição. Seja X um espaço vetorial topológico. Um operador linear T : X → X é dito hipercíclicose existir um vetory∈X tal que
orb (y, T) := {y, T(y), T2(y), T3(y), . . . Tn(y). . .}
é denso emX. Tal vetoryé ditovetor hipercíclico paraT.
Tendo em vista esta definição, Read demonstrou que existe um operador T ∈ B(ℓ1)tal que
todo vetor não-nulo x ∈ ℓ1 era um vetor hipercíclico paraT. Como há de se suspeitar, o termo
hipercíclico tem sua origem ligada ao termo cíclico.2 Tal termo foi usado pela primeira vez,
segundo Grosse-Erdmann [24, p. 346], por Beauzamy.
Nos anos seguintes ao trabalho de Read, os artigos de Herrero [27],[28] e de Godefroy e Shapiro [19] colocaram novas questões e demonstraram novos teoremas relativos à hiperciclici-dade. Ainda, descobriu-se também que tal fenômeno já havia sido estudado anteriormente: a tese de doutorado de Carol Kitai [29], ainda que desconhecida à época, continha resultados que seriam redescobertos mais tarde. Também descobriu-se que exemplos de operadores hipercíclicos (ainda que sem esta nomenclatura) já tinham sido publicados antes, vide os trabalhos de G.R. MacLane [32] e S. Rolewicz [35].
1O problema do subespaço invariante é o seguinte: dado um espaço de Banach X de dimensãon > 1 e um
operador linearT contínuo emX, existe um subespaçoW ⊆Xtal queW é fechado, invariante (isto é,T(W)⊆W) e não-trivial (ou seja,W 6={0}eW 6=X).
2Lembrando que um operador é ditocíclicose existir umy
∈ X tal quespan orb (y, T)é denso emX. Dessa
forma, é claro que todo operador hipercíclico é um operador cíclico.
Com o passar do tempo, viu-se que hiperciclicidade (e, de maneira mais geral, dinâmica lin-ear) consiste, por si só, em um fenômeno bastante interessante (vide [5, pp. ix–x] e [25, p. v]). Mostrou-se, por exemplo, que todo operador hipercíclico possui um conjuntoGδdenso de vetores
hipercíclicos. 3 Tal propriedade não é compartilhada com os operadores cíclicos, como mostra Shapiro [36, pp. 33-34]. Dessa forma, um operador cíclico que por ventura seja hipercíclico terá um conjunto denso de vetores cíclicos. Assim, o estudo de subespaços invariantes de um operador se torna muito mais rico se este for hipercíclico.
Outros teoremas interessantes também foram descobertos: entre eles, podemos citar o Teo-rema de Ansari (toda potência de um operador hipercíclico é hipercíclico, vide [2]), o TeoTeo-rema de Bonet e Peris (todo espaço de Fréchet separável e de dimensão infinita admite um operador hipercíclico, vide [12]), o Teorema de Grivaux (todo operador no espaço de Hilbert separável pode ser escrito como a soma de dois operadores hipercíclicos, vide [21]) e o chamadoCritério de Hiperciclicidade.
A primeira versão de tal critério foi obtida por Carol Kitai, em 1982, em sua tese, vide [29]. Como já dissemos, tal trabalho ficou desconhecido por muito tempo, visto que nunca foi publicado. Anos depois, tal resultado foi demonstrado independentemente por Gethner e Shapiro [18]. Dessa forma, o Critério foi sendo refinado e aprimorado por outros matemáticos até chegar ao seguinte enunciado:
Critério de Hiperciclicidade. Sejam X um espaço de Fréchet separável e T : X → X um operador linear limitado. Suponhamos que existem subconjuntosX0, Y0 densos, uma sequência
crescente de inteiros positivos(nk)e funçõesSnk :Y0 →Xtais que:
(i) Tnk(x)→0, para todox∈X 0.
(ii) Snk(y)→0, para todoy∈Y0.
(iii) Tnk ◦S
nk(y)→y, para todoy∈Y0.
EntãoT é hipercíclico.
Como pode-se ver, o Critério de Hiperciclicidade consiste numa condiçãosuficientepara que
um operador T seja hipercíclico. Quase que imediatamente surge a pergunta natural: será esta condição também necessária? Isto é, será que todo operador hipercíclico satisfaz o Critério de
Hiperciclicidade?
Principal Problema em Hiperciclicidade. Todo operador hipercíclico satisfaz o Critério de Hiperciclicidade?
Tal problema foi, por muitos anos, o principal problema em aberto na teoria de operadores hipercíclicos e, por isso, recebeu este nome.
xiii
Em 2006, finalmente C. J. Read e Manuel de la Rosa resolveram tal problema na negativa, como pode-se ver em [16].4 Ou seja, eles construíram um operador hipercíclico
T que não satis-fazia o Critério de Hiperciclicidade. Baseada na construção de De La Rosa/Read, Frédéric Bayart e Étienne Matheron conseguiram construir em [3] um contraexemplo nos espaços de Banach clás-sicos, a saber,c0 eℓp,1≤p <∞. 5
Nosso objetivo neste trabalho é apresentar a construção feita por Bayart e Matheron. O primeiro capítulo apresenta alguns resultados preliminares de Análise Funcional, de maneira a facilitar o entendimento de todo este trabalho. No segundo capítulo, apresentaremos os conceitos básicos de hiperciclicidade, daremos exemplos e demonstraremos alguns resultados clássicos de maneira a fazermos uma introdução ao tema. Entre os resultados apresentados estão o Critério de Hiperciclicidade e o Teorema de Ansari, já citado anteriormente.
No terceiro capítulo apresentaremos uma estratégia que nos possibilitará resolver o Principal Problema em Hiperciclicidade de maneira satisfatória pois, como veremos durante o texto, tanto De La Rosa/Read como Bayart/Matheron não resolveram o problema de uma maneira “direta”. 6 Já o Capítulo 4 é destinado ao nosso objetivo principal: a construção realizada por Bayart e Matheron.
4Apesar do artigo ser de 2009, um preprint com a construção foi disponibilizado em 2006.
5Apesar de o artigo de Bayart e Matheron ser anterior, um preprint com a construção de De La Rosa e Read já
estava em circulação, como Bayart/Matheron dizem (e referenciam) em seu próprio artigo.
Capítulo 1
Preliminares
Ao longo do texto, assumiremos uma familiaridade com noções básicas de Análise Funcional e Topologia. Entretanto, alguns resultados que não estão presentes em cursos básicos de Análise Funcional serão utilizados. Por isso apresentaremos, neste capítulo, algumas definições e resul-tados envolvendo Espaços Vetoriais Topológicos, Espaços de Fréchet e Bases de Schauder de maneira a facilitar o entendimento do resto do texto. Tais resultados serão utilizados e referencia-dos ao longo deste trabalho.
1.1
Espaços Vetoriais Topológicos
Definição 1.1. Seja V um K-espaço vetorial eτ um topologia em V. Consideremos as funções adição+ : V ×V →V dada por+(a, b) := a+be multiplicação por escalar· : K×V → V
dada por·(λ, a) :=λ·a.
Se ambas as funções+,· forem contínuas com respeito as respectivas topologias produto em
V ×V eK×V, dizemos então que(V, τ)é umespaço vetorial topológico.
SejamV um espaço vetorial e{pi :i ∈N}uma família de seminormas definidas emV. Seja
Bri(x0) = {x∈V : pi(x−x0)< r}e tome
B={Bri(x0) : r >0, i∈N, x0 ∈X}.
Podemos agora definir uma topologiaτemV tal queBé uma subbase paraτ, isto é, o conjunto
de todas as interseções finitas de elementos de B forma uma base para a topologia τ. 1 Tal topologiaτ é ditatopologia induzida pela família de seminormas{pi : i ∈ N}. Assim, é fácil
verificar que(V, τ)é um espaço vetorial topológico.
Proposição 1.2. SejaV um espaço vetorial topológico cuja topologiaτ é induzida pela família de seminormas{pi : i ∈N}. Um conjuntoU ⊆V é um aberto emτ se, e somente se, para todo
x0 ∈U, existempi1, . . . , pin er >0tais que
n
\
j=1
Bij
r (x0)⊆U.
1Para uma definição de subbase e para uma mostrar que topologia gerada por ela é, de fato, uma topologia, fazemos
referência a [34, p. 82].
DEMONSTRAÇÃO: (=⇒). Sejax0 ∈ U. ComoBé uma subbase para a topologiaτ, então temos
queU é formado pelas uniões de interseções finitas de elementos deB. Comox0 ∈ U, entãox0
pertence a alguma dessas interseções finitas. Sendo assim, digamos quex0 ∈
n
\
j=1
Bij
rj(xj) ⊆ U,
para algumn∈N,ij ∈N,rj >0exj ∈X.
Logo, para todoj = 1, . . . , n, temos quex0 ∈Birjj(xj). Assim, por definição,pij(x0−xj)< rj.
Portanto,rj−pij(x0−xj)>0. Definimos então
r= min{rj−pij(x0−xj) : j = 1, . . . , n}.
Dessa forma, temos queBij
r (x0)⊆Brijj(xj), para todoj = 1, . . . , n. De fato, sejay ∈B
ij
r (x0).
Temos que:
pij(y−xj) =pij(y−x0+x0−xj)≤pij(y−x0) +pij(x0−xj)
< r+pij(x0−xj)≤rj −pij(x0−xj) +pij(x0−xj) = rj.
Logo, pij(y− xj) < rj, o que mostra que y ∈ B
ij
rj(xj) e, consequentemente, que B
ij
r (x0) ⊆
Bij
rj(xj), para todoj = 1, . . . , n.
Logo,x0 ∈
n
\
j=1
Bij
r(x0)⊆
n
\
j=1
Bij
rj(xj)⊆U, como desejado.
(⇐=). SendoBuma subbase, tal implicação é imediata.
Vejamos agora um exemplo que será bastante útil no próximo capítulo:
Exemplo 1. SejaX = c00, isto é, o espaço vetorial de todas as sequências de números reais que
possuem apenas uma quantidade finita de coordenadas não-nulas. Tomemos a topologia induzida pela família de normas
pv(x) = kxkv =
∞
X
n=1
|xn|vn
ondev = (vn)é uma sequência qualquer de números reais estritamente positivos.
Vamos mostrar que este espaço é separável, isto é, que X admite um conjunto denso e enu-merável. SejaD⊆Xo conjunto de todas as sequências de números racionais que possuem apenas uma quantidade finita de coordenadas não-nulas.
Sejax∈Xe sejaU ⊆X uma vizinhança aberta dex. Dessa forma, pela proposição anterior, existem pv1, . . . , pvn e r > 0 tais que x ∈
n
\
j=1
Bvj
r (x) ⊆ U. Vamos denotar a sequência vk
associada a normapvk porvk = (v
k
1, v2k, v3k, . . .). Sendovkn >0para todon ∈ N, vamos construir
1.1 Espaços Vetoriais Topológicos 3
coordenadawi é igual a maiori-ésima coordenada das sequênciasv1, . . . , vk anteriores. Observe
quewn>0para todon∈N.
Como x = (xn)n∈N ∈ c00, existe umt ∈ Ntal que xt 6= 0masxt+k = 0, para todo k ∈ N.
Vamos construir uma sequência y = (yn)n∈N ∈ D da seguinte maneira: yt+k = 0, para todo
k ∈N; para o restante, tomaremosyi ∈Qtais que
|yi−xi|<
r t·wi
ondei= 1,2, . . . t. SendoQdenso emR, então é óbvio que podemos construir tal sequência desta maneira. Assim, também é claro quey∈D. Agora, note que
ky−xkvi =
∞
X
n=1
|yn−xn|vni = t
X
n=1
|yn−xn|vni ≤ t
X
n=1
|yn−xn|wn< t
X
n=1
r t·wn
wn =r
para todoi= 1,2, . . . n. Dessa forma,y∈ Bvi
r (x), para todoi= 1,2, . . . n. Assim,y∈ n
\
j=1
Bvj
r (x) ⊆U, o que mostra
queDé denso emX, como desejado.
Seja V um espaço vetorial topológico cuja topologia é induzida pela família de seminormas. Vimos, na proposição anterior, como podemos caracterizar os abertos deV. Dessa forma, também podemos pensar em como podemos caracterizar a convergência de uma sequência emV. Tal per-gunta é pertinente pois sabemos que, em um espaço topológico, a convergência de uma sequência está “associada” aos abertos do espaço.
Neste espírito, temos a proposição a seguir.
Proposição 1.3. SejaV um espaço vetorial topológico cuja topologiaτ é induzida pela família de seminormas{pi :i∈N}. Dada uma sequência(xn)n∈N⊆X e umx∈X, temos quexn →x
se, e somente se,pi(xn−x)→0, para todoi∈N.
DEMONSTRAÇÃO: (=⇒). Suponhamos quexn → xe fixemosα ∈Ne umε > 0. Então,Bεα(x)
é uma vizinhança aberta de x. Assim, pela definição de convergência em um espaço topológico, existe umn0 tal que, para todon≥n0,xn ∈Bεα(x).
Logo, para todon≥n0, temos quepα(xn−x)< ε, o que mostra quepα(xn−x)→0, como
desejado.
α1, . . . , αn∈Ne umr >0tais que
x∈
n
\
j=1
Bαj
r (x)⊆U.
Por hipótese, para cadaj = 1, . . . , n, temos quepαj(xn−x) → 0. Logo, para cadaj, existe
umkj tal que, sen ≥kj, entãopαj(xn−x)< r.
Sejak = max{kj : j = 1, . . . , n}. Logo, para todon ≥k, temos quepαj(xn−x)< r, para
todoj = 1, . . . , n. Portanto, para todon ≥k, temos quexn ∈ n
\
j=1
Bαj
r (x)⊆U.
Portanto, comoUé uma vizinhança aberta qualquer dex, temos quexn →x, como queríamos
provar.
1.2
Espaços de Fréchet
SejaX um espaço vetorial topológico. Lembremos que um conjunto C ⊆ X é ditoconvexo
se tx+ (1−t)y ∈ C, para todo 0 < t < 1 e para todox, y ∈ C. Além disso, se o espaçoX admitir uma base de abertos formada por conjuntos convexos então ele é ditolocalmente convexo.
É fácil verificar que todo espaço vetorial topológico cuja topologia é induzida por uma família de seminormas é um espaço localmente convexo.
Definição 1.4. Um espaço vetorial topológico X é dito um espaço de Fréchetse ele for local-mente convexo e se sua topologia pode ser induzida por uma métricadinvariante por translações e completa.
Em particular, todo espaço de Banach é um espaço de Fréchet. Vejamos um exemplo de um espaço de Fréchet cuja topologia é induzida por uma família de seminormas. Tal espaço será lembrado no próximo capítulo.
Exemplo 2. Seja H(G) o conjunto de todas as funções complexas holomorfas cujo domínio é
um aberto G ⊆ C.2 Seja
{Kn}n∈N ⊆ C uma família de compactos tais que G = ∪∞n=1Kn e
Kn⊆intKn+1.
Tomemos a família{pn}n∈Nde seminormas definidas por
pn(f) = sup{|f(z)| : z ∈Kn}.
A topologia induzida por tal família de seminormas é dita topologia compacto-aberta. Dessa
forma, pelo que comentamos anteriormente, é fácil verificar que H(G)é um espaço localmente
2Neste caso (e também quando não estiver explícito), admitimos que a topologia deCé a topologia oriunda da
1.2 Espaços de Fréchet 5
convexo. Para que H(G) seja um espaço de Fréchet, resta acharmos uma métrica d que seja completa, invariante por translações e induza a mesma topologia que a família de seminormas {pn}.
Pela Proposição IV.2.1 de [13, p. 109], temos queH(G)possui uma métricadinvariante por translações cuja topologia induzida (pela métrica) é a mesma que a topologia induzida pela família de seminormas. Como (H(G), d)é um espaço métrico completo, vide Corolário VII.2.3 de [14,
p. 152], então temos queH(G)é um espaço de Fréchet.3
Estaremos particularmente interessados no caso em queG = C. Neste caso, podemos tomar
os compactos Kn = B(0, n), isto é, cada compacto é o disco centrado na origem e de raio n.
Assim, temos que
pn(f) = sup{|f(z)| : z ≤n}.
Visto este exemplo temos, a seguir, alguns resultados que nos serão úteis ao longo do texto.
Lema 1.5. Seja X um espaço de Fréchet e sejam f1, f2 ∈ X∗ tais que {f1, f2} é um conjunto
linearmente independente emX∗. Então,kerfi 6⊂kerfj, parai, j = 1,2comi6=j.
DEMONSTRAÇÃO: Suponha que kerf1 ⊆ kerf2. Como f2 6≡ 0 (pois {f1, f2} é um conjunto
linearmente independente) ekerf1é um subespaço maximal, entãokerf1 = kerf2 (X.
Seja entãox0 ∈Xtal quex0 6∈kerf2. Logo, é claro queX = kerf2⊕[x0]. Sejax=y+λx0 ∈
Xqualquer, ondey∈kerf2. Note agora quef2(x) =f2(y+λx0) = f2(y) +λf2(x0) = λf2(x0).
Por outro lado, temos que f1(x) = f1(y +λx0) = f1(y) + λf1(x0) = λf1(x0), visto que y ∈
kerf2 = kerf1.
Daí, temos quef2(x) =
f2(x0)
f1(x0)
f1(x), para qualquerx∈ X. Isto é um absurdo, pois estamos
supondo que{f1, f2}é um conjunto linearmente independente.
Corolário 1.6. SejaX um espaço de Fréchet e sejamf1, f2 ∈X∗tais que{f1, f2}é um conjunto
linearmente independente em X∗. Seja ψ : X → R2 dado por ψ(y) = (f1(y), f2(y)). Nestas
condições, temos queψ é sobrejetor.
DEMONSTRAÇÃO: Pelo lema anterior, existex′ ∈ X tal quef1(x′) = 0ef2(x′) 6= 0. Tomando
x= (1/f2(x′))·x′ ∈X, temos então quef1(x) = 0ef2(x) = 1. De maneira análoga, existe um
y∈X tal quef1(y) = 1ef2(y) = 0.
Seja(a, b)∈R2. Logo,ψ(ay+bx) = (f1(ay+bx), f2(ay+bx)) = (af1(y)+bf1(x), af2(y)+
bf2(x)) = (a, b), como desejado.
3Uma demonstração detalhada de que
Proposição 1.7. Sejam X um espaço de Fréchet e T ∈ B(X). Então o operador adjuntoT∗ é injetor se, e somente se, a imagem deT é densa emX.
DEMONSTRAÇÃO: Lembrando que o adjunto T∗ : X∗ → X∗ é definido por T∗(x∗)(y) =
x∗(T(y))temos que
ker(T∗) = {x∗ ∈X∗ : x∗(T(y)) = 0,∀y∈X}=T(X)⊥
o que mostra o desejado.
1.3
Bases de Schauder
Veremos nesta seção, ainda que de maneira breve, algumas propriedades das bases de Schauder. Tais propriedades serão úteis no Capítulo 4. Vamos começar pela definição:
Definição 1.8. SejaXum espaço de Banach. Então uma sequência(xn)n∈N ⊆Xé dita umabase
de Schauderse para todox∈X, existe uma única sequência(αn)n∈Ntal quex=
X
n∈N αnxn.
Note que seX possui uma base de Schauder, entãoXé separável. Além disso, é fácil ver que se(xn)n∈Né uma base de Schauder, então{xn : n ∈N}é um conjunto linearmente independente.
Sabemos, da Álgebra Linear, que todo espaço vetorial de dimensão finita admite uma base (de Hamel). No caso das bases de Schauder e os espaços de Banach, este nem sempre é o caso, como veremos no exemplo a seguir.
Exemplo 3. SejaX = c0 ouX = ℓp,1 ≤ p < ∞. Então é fácil verificar que seei é o vetor tal
que a sua única coordenada não-nula é1nai-ésima posição, então a sequência(ei)i∈Né uma base de Schauder paraX.
Para o casoX = ℓ∞, observe que ℓ∞ não é separável. Portanto,ℓ∞ não admite uma base de Schauder.
Nos espaços de dimensão finita, sabemos da existência das chamadas projeções, isto é,
oper-adores linearesπ tais queπ(V) = W eπ(w) = w, para todow ∈ W, ondeW é um subespaço vetorial do espaço vetorial V. Além desta projeção, temos também o chamado funcional coor-denada, isto é, o funcional linearfi pertencente a base dual do espaçoV∗. Tal funcional tem a
propriedade de que, se(ej)nj=1é uma base deV, entãofi(ej) = δij, ondeδij é o chamado delta de
Kronecker.
1.3 Bases de Schauder 7
Definição 1.9. SejaXum espaço de Banach e seja(xn)n∈Numa base de Schauder paraX. Para
cada m ∈ N, definimos então as projeções canônicas Pm : X → X por Pm
∞
X
n=1
αnxn
!
=
m
X
n=1
αnxn. Definimos também, para cadam ∈ N, osfuncionais coordenadas x∗m : X → Kpor
x∗m
∞
X
n=1
αnxn
!
=αm.
Tomemos W = span{xi : i = 1, . . . , m}. Logo, por definição, Pm(X) = W ePm(w) =w,
para todow ∈ W. Assim, as projeções canônicasPm tem as mesmas propriedades das projeções
em espaços de dimensão finita e, portanto, são uma generalização natural destas. Da mesma maneira, os funcionais coordenadas são uma generalização natural dos seus homônimos em es-paços de dimensão finita.
É bem sabido que se X é um espaço normado de dimensão finita, então todo T ∈ L(X) é contínuo. Logo, todas as projeções, no caso de dimensão finita, são contínuas. Como continuidade é, evidentemente, uma propriedade importante para um operador linear, vamos nos preocupar agora em mostrar que as projeções canônicas são contínuas.
Precisamos, primeiro, da seguinte proposição:
Proposição 1.10. Seja(xn)n∈Numa base de Schauder para o espaço de Banach(X,k·k). Defina k·k(xn)emX porkxk(xn)= sup
k k X n=1
αnxn
, ondex=
∞
X
n=1
αnxn. Então:
(i) k·k(xn)é uma norma emX,(xn)n∈Né uma base de Schauder para(X,k·k(xn))e as projeções
canônicasPm são uniformemente limitadas por1sob a normak·k(xn).
(ii) k·k(xn) é uma norma equivalente ak·kemX.
DEMONSTRAÇÃO: Ver [17, pp. 162–163], Lema 6.4.
Como as duas normas são equivalentes, então existe umM >0tal queMkxk(xn) ≤ kxk, para todox∈X. Dessa forma, temos o seguinte teorema:
Teorema 1.11. SejaXum espaço de Banach e seja(xn)n∈Numa base de Schauder paraX. Então
as projeções canônicasPm são uniformemente limitadas (com respeito à norma original deX).
DEMONSTRAÇÃO: Sejax∈X tal quekxk= 1. Como(xn)n∈Né uma base de Schauder paraX, então podemos escreverx=
∞
X
n=1
αnxn. Assim, para todom ∈N, temos:
kPm(x)k=
Pm ∞ X n=1
αnxn
! = m X n=1
αnxn
≤ ∞ X n=1
αnxn
(xn)
≤M−1
∞ X n=1
αnxn
onde a primeira desigualdade é obtida através da definição dek·k(xn)e a segunda é obtida através da equivalência de normas, como comentamos anteriormente. Assim, kPmk ≤ M−1, para todo
m∈N. Logo, segue quesup
m kPmk<∞
, como desejado.
Este teorema nos mostra que as projeções canônicas são contínuas e, além disso, uniforme-mente limitadas, assim como as projeções em espaços de dimensão finita. A seguir, temos dois corolários. O primeiro nos diz que os funcionais coordenados também são contínuos:
Corolário 1.12. Seja X um espaço de Banach e seja (xn)n∈N uma base de Schauder para X.
Então os funcionais coordenadasx∗nsão contínuos.
DEMONSTRAÇÃO: Sejan∈N,n ≥2qualquer. Sejax=
∞
X
n=1
αnxnum elemento deX. Observe
quePn(x)−Pn−1(x) = x∗n(x)·xn. Portanto, temos quekPn(x)−Pn−1(x)k = kx∗n(x)·xnk =
|x∗n(x)| kxnk, de onde segue quekxnk−1kPn(x)−Pn−1(x)k=|x∗n(x)|.
Assim, temos que:
kx∗nk= sup
x∈BX
|x∗n(x)|= sup
x∈BX
{kxnk−1kPn(x)−Pn−1(x)k}
=kxnk−1 sup x∈BX
{kPn(x)−Pn−1(x)k}
≤ kxnk−1 sup x∈BX
{kPn(x)k+kPn−1(x)k}
≤ 2kxnk−1sup n {k
Pnk}
Como vimos no teorema anterior,sup
n {k
Pnk}< ∞. Daí, pela desigualdade acima segue que
x∗né contínuo, para todon≥2.
Para o caso de n = 1, basta observar que P1(x) = x∗1(x) · x1 e, portanto, kP1(x)k =
|x∗1(x)| kx1k. A partir desta igualdade e com um argumento análogo ao do caso n ≥ 2, temos
quex∗1 é contínuo e, portanto, segue quex∗né contínuo para todon ∈N, como desejado.
Assim como na Álgebra Linear (no caso das bases de Hamel), dizemos que uma base de Schauder(xn)n∈Nde um espaço de BanachX énormalizadasekxnk= 1, para todon∈N.
Com a hipótese adicional de que a base de Schauder é normalizada, vamos mostrar que, assim como as projeções canônicas, os funcionais coordenados também são uniformemente limitados. Tal resultado será importante no Capítulo 4.
Corolário 1.13. SejaXum espaço de Banach e seja(xn)n∈Numa base de Schauder normalizada
1.4 Bases Incondicionais 9
DEMONSTRAÇÃO: Do corolário anterior, temos que kx∗nk ≤ 2kxnk−1sup
n {kPnk}
, para todo n ∈ N. Como kxnk = 1 (pois (xn)n∈N é normalizada), tal desigualdade nos fornece kx∗nk ≤
2 sup
n {kPnk}
. Do Teorema 1.11, temos quesup
n {kPnk}<∞
. Chamando tal supremo de a, onde a∈K, segue quekx∗nk ≤2a, para todon ∈N. Portanto,sup
n {k
x∗nk} ≤2a <∞, como desejado.
1.4
Bases Incondicionais
Faremos, nesta seção, um breve estudo de bases incondicionais. Começaremos tal estudo com o teorema a seguir. Tal teorema, como veremos mais adiante, fornece várias caracterizações para o conceito de convergência incondicional.
Teorema 1.14. Seja (xn)n∈N uma sequência de vetores em um espaço de Banach X. Então as
seguintes condições são equivalentes:
(i) a série
∞
X
n=1
xπ(n)converge, para toda permutaçãoπ deN
(ii) a série
∞
X
i=1
xni converge, para toda escolha de naturais0< n1 < n2 < n3. . .
(iii) a série
∞
X
n=1
θnxnconverge, para toda escolha dos sinais θn(isto é,θn ∈ {1,−1}, para todo
n∈N.)
(iv) para todo ε > 0, existe um natural N tal que X
i∈σ
xi
< ε, para todo conjunto finito de naturaisσque satisfazmin{i∈σ}> N.
DEMONSTRAÇÃO: Vamos provar que (ii)⇔(iv), (i)⇔(iv) e (ii)⇔(iii).
(ii)⇒(iv) e (i)⇒(iv). Para ambos os casos, vamos provar a contrapositiva da implicação dese-jada. Suponhamos que (iv) não seja verdade. Então, existe umε > 0tal que, para todoN ∈ N, existe um conjunto finito de naturaisFN tais quemin (FN)> N mas
X
i∈FN
xi ≥ ε.
Seja G1 = F1 e N1 = max (G1). Tome agora G2 = FN1 e N2 = max (G2). De maneira
geral, temos que Gk+1 = FNk eNk+1 = max (GK+1). Comomin (FN) > N, temos então que
min (Gk+1) = min (FNk)> Nk = max (Gk), vide construção dosGk.
ComoGk=FNk, segue então que X
i∈Gk
Seja agora 0 < n1 < n2 < . . . uma enumeração completa dos elementos de [
GK. Como
min (Gk+1) > max (Gk), então pela equação anterior temos que a sequência das somas parciais
da série
∞
X
i=1
xninão é uma sequência de Cauchy e, portanto, não converge. Logo, (ii) não é válido,
como desejado.
Seja agora π uma permutação dos naturais obtida enumerando, um conjunto de cada vez, os elementos de
G1, {1, . . . ,max (G1)}\G1, G2, {max (G1) + 1, . . . ,max (G2)}\G2, G3, . . .
nesta ordem. Observe que esta é uma lista completa deNe, portanto,πé de fato uma permutação deN. Porém, como min (Gk+1) > max (Gk)e
X
i∈Gk
xi ≥
ε, então segue que a sequência das
somas parciais da série
∞
X
n=1
xπ(n)não é uma sequência de Cauchy e, portanto, não converge. Logo,
assim como o anterior, temos que (i) não é válido, terminando a demonstração.
(iv)⇒(ii) Suponha que (iv) seja verdade e seja0< n1 < n2 < n3. . .uma sequência de naturais
quaisquer. Vamos mostrar que a sequência das somas parciais da série
∞
X
i=1
xni é uma sequência de
Cauchy e, portanto, converge.
Dadoε > 0, sejaN o número natural cuja existência é garantida por hipótese. Sejaj ∈Ntal quenj > N. Sel > k ≥j, entãomin{nk+1, . . . , nl} ≥nj > N. Daí, por hipótese, temos que
l X
i=k+1
xni < ε como desejado.
(iv)⇒(i) Seja π uma permutação de N qualquer. Vamos mostrar que a sequência das séries parciais de
∞
X
n=1
xπ(n) é uma sequência de Cauchy. Daí, teremos que
∞
X
n=1
xπ(n) convergirá, como
desejado.
Seja ε > 0e tome N o número natural cuja existência é garantida em (iv). Definimos N0 =
max{π−1(1), . . . , π−1(N)}. Suponha queL > K ≥N0 e tomeF ={π(K+ 1), . . . , π(L)}. Se
k > K + 1, então k > N0 e daí k 6= π−1(i), onde i = 1,2, . . . , N. Logo, π(k) 6= 1,2, . . . , N.
Portanto,
1.4 Bases Incondicionais 11
Assim, por hipótese, temos que
L X
n=K+1
xπ(n) = X
n∈F
xn < ε
o que mostra que a sequência das séries parciais de
∞
X
n=1
xπ(n) é uma sequência de Cauchy, como
desejado.
(iii)⇒(ii). Sejan1 < n2 < n3. . .uma sequência de naturais quaisquer. Tomemosθn = 1, para
todon ∈Ne definimos
εn=
1, se n =nj para algumj.
−1, se n 6=nj para todoj.
Por hipótese, temos que
∞
X
n=1
θnxne
∞
X
n=1
εnxnconvergem. Daí, temos que
∞
X
i=1
xni =
1 2
∞
X
n=1
θnxn+
∞
X
n=1
εnxn
!
também converge, provando a tese.
(ii)⇒(iii). Suponha que (ii) seja verdade e seja (θn)uma sequência quaisquer de sinais, isto é,
θn =±1, para todon∈N. Vamos definir
F+ ={n : θn= 1} e F− ={n : θn=−1}.
SejamF+ = {n+j }eF− ={n−j}enumerações em ordem crescente deF+eF−, respectiva-mente. Por hipótese, tanto
∞
X
j=1
xn+
j quanto
∞
X
j=1
xn−
j convergem. Daí, a tese é obtida observando
que
∞
X
n=1
θnxn=
∞
X
j=1
xn+
j −
∞
X
j=1
xn− j.
A definição usual de convergência incondicional, como pode-se ver em [33, p. 20], Definição 1.3.8 ou [26, p. 88], Definição 3.2, é a seguinte:
Definição 1.15. Seja X
n∈N
xn uma série em um espaço de Banach X. Então dizemos que a série
X
n∈N
xnconverge incondicionalmentese a série
X
n∈N
xπ(n)converge emX, para toda permutação
De acordo com o teorema anterior, tal definição é equivalente a quaisquer uma das outras condições listadas. Logo, é claro que pode-se definir convergência incondicional usando quaisquer uma das condições do teorema anterior.
Ainda, como pode-se encontrar em [33, pp. 369-370], Proposição 4.2.1, temos que se a série
X
n∈N
xnconverge incondicionalmente, então
X
n∈N xn =
X
n∈N
xπ(n), para toda permutaçãoπdeN.
Considere agora um espaço de Banach X com uma base de Schauder (xn)n∈N. Tendo em vista o comentário acima, podemos agora pensar em exigir que, dadox ∈X, a sua representação única x = X
n∈N
αnxn seja incondicionalmente convergente. Isso nos remete ao conceito de base
incondicional.
Definição 1.16. Seja X um espaço de Banach. Então uma base de Schauder (xn)n∈N ⊆ X é
dita uma base incondicionalse, para todo x ∈ X, a sériex = X
n∈N
αnxn é incondicionalmente
convergente.
Veremos a seguir que os espaçosc0 eℓp,1≤p <∞admitem uma base de Schauder
incondi-cional. Estamos particularmente interessados nestes espaços pois estes serão bastante usados no Capítulo 4.
Proposição 1.17. Os espaçosc0 eℓp,1 ≤ p < ∞, admitem uma base de Schauder normalizada
incondicional.
DEMONSTRAÇÃO: Vamos mostrar que a base de Schauder canônica (isto é, a base vista no
Exem-plo 3) é uma base normalizada incondicional parac0 eℓp,1≤p < ∞.
Já vimos que(ei)i∈Né uma base de Schauder parac0 eℓp,1≤ p < ∞. Além do mais, é fácil
ver que(ei)i∈N é normalizada em ambos os espaços. Resta mostrar, então, que(ei)i∈Nconverge incondicionalmente.
Faremos o caso dec0, visto que o caso deℓp,1≤p < ∞é análogo. Sejax∈c0, x= X
n∈N αnen.
Como a série converge, dadoε > 0, existe um N ∈Ntal que, para todoL≥ K > N, temos que
L X
n=K
αnen
∞ < ε.
Seja(θn)n∈Numa sequência de sinais (isto é,θn =±1, para todon∈N). Para todoL≥K >
N, temos que
L X
n=K
θnαnen
∞ = sup
K≤n≤L|
θnαn|= sup K≤n≤L|
αn|=
L X
n=K
αnen
∞ < ε.
Portanto, a equação acima nos mostra que a série
L
X
n=K
θnαnenconverge, para qualquer escolha
da sequência de sinais(θn)n∈N. Logo, pelo Teorema 1.14, segue que
X
n∈N
incondi-1.4 Bases Incondicionais 13
cionalmente. Como x ∈ X é qualquer, temos que (ei)i∈N é uma base de Schauder normalizada incondicional parac0.
Dessa proposição surge o corolário a seguir. Tal corolário será útil no Capítulo 4:
Corolário 1.18. Os espaços c0 eℓp,1 ≤ p < ∞, admitem uma base de Schauder normalizada
incondicional. Se(ei)i∈Né tal base, então tais espaços também admitem um operadorS :E →E
contínuo tal queS(ei) =ei+1, ondeE = span{ei : i∈N}.
DEMONSTRAÇÃO: Resta apenas mostrar queSé contínuo. Vamos fazer apenas o caso deX =c0,
já que o caso deX =lp é análogo.
Sejax∈E ⊆c0 tal quekxk∞ = 1. Logo,x=
n
X
i=1
αiei. Assim,
S(x) = S
n
X
i=1
αiei
!
=
n
X
i=1
αiS(ei) = n
X
i=1
αiei+1
de onde segue que
kS(x)k∞= sup
1≤i≤n|
αi|=kxk∞.
Portanto, comokxk∞ = 1, segue quekSk= 1, como desejado.
Assim como uma base de Schauder define uma nova norma sobre um espaço de Banach (vide Proposição 1.10), uma base incondicional também define uma nova norma em um espaço de Ba-nach:
Definição 1.19. SejamX um espaço de Banach e(xn)n∈N⊆ Xuma base incondicional paraX.
Então anorma bmu-(xn)4deX é definida por
X
n∈N αnxn
bmu−(xn)
= sup ( X
n∈N
βnαnxn
: (βn)n∈N∈Sℓ∞ )
.
O teorema a seguir nos mostra quek·kbmu−(xn) é, de fato, uma norma.
Teorema 1.20. Sejam X um espaço de Banach e (xn)n∈N ⊆ X uma base incondicional para X. Então k·kbmu−(xn) é uma norma equivalente a norma original de X. Ainda, temos que
kxkbmu−(xn)≥ kxk(xn) ≥ kxk, para todox∈X.
DEMONSTRAÇÃO: Ver [33, p. 373], Teorema 4.2.16.
Note que como kxkbmu−(xn) ≥ kxk e ambas as normas são equivalentes, vale então que
Mkxk ≥ kxkbmu−(xn) ≥ kxk, para algumM >0. Tal observação será importante no Capítulo 4. Terminamos este capítulo com a proposição a seguir:
Proposição 1.21. SejamX um espaço de Banach e (xn)n∈N ⊆ X uma base incondicional para
X. Então
X
n∈N
βnαnxn
bmu−(xn)
≤ k(βn)k∞
X
n∈N αnxn
bmu−(xn)
.
DEMONSTRAÇÃO: Ver [33, p. 375], Proposição 4.2.17.
Capítulo 2
Resultados Clássicos de Hiperciclicidade
Como dissemos na introdução, apresentaremos neste capítulo o conceito de hiperciclicidade e alguns resultados clássicos sobre o tema. A primeira seção é dedicada a definição e a um exemplo, devido a S. Rolewicz. Na segunda seção apresentamos o Critério de Hiperciclicidade, um resultado que permeia todo este trabalho.
Por fim, fazemos um estudo do conjunto dos vetores hipercíclicos, que culmina no Teorema 2.13, e apresentamos o Teorema de Ansari (Teorema 2.17), já mencionado na introdução deste trabalho.
2.1
Definição e Exemplo
Dado umK-espaço vetorialV, um operadorT :V →V e um elemento qualquery, lembremos que aórbita deysobT consiste no conjuntoorb (y, T) := {y, T(y), T2(y), T3(y), . . . Tn(y). . .}. Sendo S ⊆ V um subconjunto qualquer de V, definimos por spanS o conjunto de todas as combinações lineares (finitas) de elementos deScom coeficientes emK. É claro quespanSé um subespaço vetorial deV (independentemente deSter estrutura de subespaço ou não) e também é claro queS ⊆spanS.
Lembremos agora que, dado um espaço vetorial topológicoX, um operadorT :X →Xé dito
cíclicose existir um vetory ∈ X tal quespan orb (y, T)é denso emX. Tal vetoryé ditovetor cíclico paraT. Sey é um vetor cíclico em um espaço de dimensão finita, comospan orb (y, T)
é um subespaço e todo subespaço de dimensão finita de um espaço normado é fechado (vide [33, p. 32], Corolário 1.4.20.), teremos quespan orb (y, T) = X, coincidindo com a definição que se
é dada nos cursos básicos de Álgebra Linear.
Poderíamos ir além e exigir que orb (y, T) fosse densa em X. Isto nos remete ao conceito
dehiperciclicidade. Apesar de já termos colocado a definição na introdução, vamos colocá-la de
novo a seguir, de maneira a deixarmos o texto completo.
Definição 2.1. Seja X um espaço vetorial topológico. Um operador linear T : X → X é dito hipercíclicose existir um vetory∈X tal que
é denso emX. Tal vetoryé ditovetor hipercíclico paraT.
Denotamos porH(T)o conjunto dos vetores hipercíclicos paraT.
Note que orb (y, T) ⊆ span orb (y, T). Portanto, seT é um operador hipercíclico, então ele também é cíclico. Dessa mesma inclusão é claro que seyé um vetor hipercíclico paraT, entãoy também é um vetor cíclico paraT.
Assim, faz sentido relacionarmos ciclicidade e hiperciclicidade. Faremos uso dessa relação algumas vezes ao longo do texto de maneira a propormos perguntas e fazermos reflexões acerca de operadores hipercíclicos. Por exemplo, sabemos que em todo espaço vetorial topológico de di-mensão finita é fácil acharmos um operador cíclico. Dessa forma, é normal perguntarmos: existem operadores hipercíclicos?
Os primeiros exemplos de operadores hipercíclicos foram dados por G. D. Birkhoff (1929), G.R. MacLane (1952) e S. Rolewicz (1969). Se denotarmos por H(C) como sendo o conjunto de todas as funções complexas holomorfas, Birkhoff mostrou, na terminologia de hoje, que o operadorTa : H(C) → H(C)dado por Ta(f) = f(z+a)é hipercíclico. Já MacLane mostrou
que o operador derivação definido emH(C)também é hipercíclico.
O exemplo de Rolewicz, que veremos detalhadamente a seguir, foi o primeiro a ser dado em espaços de Banach clássicos, a saber, nos espaçosℓp,1≤p <∞. Seguiremos o seu artigo original
[35].
Exemplo 4. Vamos considerarX = ℓp,1 ≤ p < ∞. Seja A : X → X o operador dado por
A(x1, x2, x3, . . .) = a · (x2, x3, x4, . . .), onde a ∈ R é tal que a > 1. Temos então que A é
hipercíclico.
SejaB ∈ B(X)o operador dado porB(x1, x2, x3, . . .) = a−1·(x2, x3, x4, . . .). Logo, temos
quekAk=a,kBk= 1/aeAB =BA=Id, ondeIdé o operador identidade.
Vamos mostrar que A é hipercíclico construindo um vetorx0 tal que orb (x0, A)é densa em
X. Consideremos um conjunto denso e enumerável{xn}n∈N ⊆ ℓp com a seguinte propriedade:
para cada n, xn = (xn1, xn2, xn3, . . .)possui uma quantidade finita de coordenadas não-nulas. Tal conjunto existe, de fato: podemos tomar todas as combinações lineares finitas com coeficientes racionais de elementos de{ei : i∈N}, ondeeié o vetor tal que a sua única coordenada não-nula
é1nai-ésima posição.
Seja, assim, k(n) o maior índice da coordenada não-nula dexn. Seja tambémr(n)uma
se-quência de inteiros tais que
r(n)> max
1≤i≤n{k(i)} (2.1)
Br(n)xn= 1
ar(n)kx
n
k< 1
2n (2.2)
Escrevendo p(n) =
n
X
i=1
r(i), seja x0 =
∞
X
n=1
2.1 Definição e Exemplo 17
série converge e, portanto,x0está bem definido. De fato, por definição temos quep(n)≥r(n), o
que nos mostra que, comoa > 1, 1 ap(n) ≤
1
ar(n). Daí, tomando a norma do termo geral da série,
temos queBp(n)xn = 1
ap(n) kx
n
k ≤ ar1(n)kxnk < 1
2n e, como a série
∞
X
n=1
1
2n converge, esta
desigualdade prova que a série
∞
X
n=1
Bp(n)xnconverge absolutamente e assim, sendoXum espaço de Banach, ela converge.
Por (2.1), temos que r(n) > k(i), para todo i ≤ n. Sendo k(i) o maior índice de uma
coordenada não-nula, então segue queAr(n)(xi) = 0. Portanto, para umkfixo:
Ap(k)(x0) =
∞
X
n=1
Ap(k)Bp(n)xn =xk+
∞
X
m=k+1
Bp(m)−p(k)xm (2.3)
visto queAp(k)Bp(k) =Id. Porém: ∞ X
m=k+1
Bp(m)−p(k)xm
≤ ∞ X
m=k+1
Bp(m)−p(k)xm=
∞
X
m=k+1
1
ap(m)−p(k) kx
mk
≤
∞
X
m=k+1
1
ar(m)kx
m
k ≤
∞
X
m=k+1
1 2m =
1 2k
tendo em vista a equação (2.2), o fato de quep(m)−p(k) =
m
X
i=k+1
r(i)> r(m)ea >1. Portanto,
de (2.3) obtemosAp(k)(x0)−xk< 1 2k.
Feito isso, vamos agora provar a densidade de orb (x0, A). Sejamx ∈ X qualquer e ε > 0.
Logo existem ∈ Ntal que 1
2m < ε. Como o conjunto{x n
}n∈Né denso e X não possui pontos isolados, então o conjunto{xk :k≥m}também é denso emX. Logo, existe umxn, comn ≥m tal quekxn−xk< ε. Comon ≥m, então 1
2n ≤
1
2m < ε. Assim:
Ap(n)(x0)−x≤Ap(n)(x0)−xn+kxn−xk ≤ 1
2n +ε <2ε
o que, comoxeεsão quaisquer, demonstra a densidade deorb (x0, A).
Visto um exemplo de um operador hipercíclico, podemos nos perguntar agora: sob quais condições operadores hipercíclicos existem? Em primeiro lugar, é claro que para existir um ope-rador hipercíclico em um determinado espaço vetorial topológico X este precisa ser separável,
que separável, admite um operador hipercíclico.
Exemplo 5. SejaX = c00, isto é, o espaço vetorial de todas as sequências de números reais que
possuem apenas uma quantidade finita de coordenadas não-nulas. Tomemos a topologia induzida pela família de normas
p(x)v =kxkv =
∞
X
n=1
|xn|vn
ondev = (vn)n∈N é uma sequência qualquer de números reais estritamente positivos. Vimos no Exemplo 1 que este espaço munido desta topologia induzida é separável.
Seja agoraT ∈ B(X)um operador qualquer. Vamos mostrar queT não pode ser hipercíclico. Para isso, dadoy∈Xqualquer, vamos mostrar queorb (y, T)não é denso emX. Fixemos, então,
y∈X qualquer. Defina
En={x∈X : xk= 0para todok > n}
para todon∈N. Observe agora que cadaEnnão pode conter uma quantidade infinita de
elemen-tos de orb (y, T). Se fosse este o caso, como todos os elementos de orb (y, T)são linearmente
independentes1, então estes elementos formariam um subespaço de dimensão infinita em En, o
que é impossível pois é claro queEntem dimensão finita.
Temos, então, que cadaEn contém apenas uma quantidade finita de elementos deorb (y, T).
Definimos agoraF1 = orb (y, T)∩(E1\{0})eFn = orb (y, T)∩(En\En−1). Em outras palavras,
cada Fn consiste no conjunto de todos os vetores que estão em orb (y, T) tais que sua última
coordenada não-nula é exatamente an-ésima.
Como vimos que cada En contém apenas uma quantidade finita de elementos de orb (y, T),
então cadaFné finito. Além disso, é claro queorb (y, T) =
∞
[
n=1
Fne que todoz = (zj)j∈N ∈Fn
satisfazzn 6= 0. Vamos definir então
vn=
1
min{|zn| : z = (zj)j∈N∈Fn}
seFné não-vazio evn= 1caso contrário.
Seja agora x = (xn) ∈ orb (y, T). Suponhamos que x ∈ Fk, para algumk, isto é, xn = 0,
para todo n > k. Dessa maneira,min{|zk| : z = (zj)j∈N ∈ Fk} ≤ |xk|. Assim, obtemos que
1Não justificaremos tal afirmação agora por uma questão de organização: ela é demonstrada logo a seguir
(Corolário 2.4). Note que tal corolário não faz uso de nenhuma propriedade específica do espaço no qual o ope-radorT está definido; aliás, tal espaço sequer é citado. Assim, tal corolário continua válido no contexto mais geral de
2.1 Definição e Exemplo 19
vk≥
1
|xk|
. Fixada agora a sequênciav = (vn)n∈Ndefinida anteriormente, obtemos que
kxkv = k
X
n=1
|xn|vn = k−1 X
n=1
|xn|vn+|xk|vk ≥ k−1 X
n=1
|xn|vn+|xk|
1
|xk|
=
k−1 X
n=1
|xn|vn+ 1 ≥1.
Assim, kxkv ≥ 1para todox ∈ orb (y, T). Agora, observe queB1v(0) = {z : kzkv < 1}é um aberto nesta topologia tal queB1v(0)∩orb (y, T) =∅. Ou seja,orb (y, T)não é denso emX, o que mostra que ynão é um vetor hipercíclico paraT. Como yera um vetor qualquer, entãoT não é um operador hipercíclico. Agora, como T ∈ B(X) era um operador qualquer, isto mostra
queX não admite operadores hipercíclicos, como queríamos mostrar.
Observe que, no exemplo acima, X possui dimensão infinita e enumerável e, portanto, não é completo. Como veremos neste capítulo, muito dos resultados envolvendo hiperciclicidade são demonstrados com a ajuda do Teorema de Baire. Tal teorema, como sabemos, possui a completude como hipótese imprescindível.
Dessa maneira, a classe dos espaços vetoriais topológicos não é a classe de espaços que procu-ramos se quisermos obter um teorema geral que garanta a existência de operadores hipercíclicos. Como veremos no teorema a seguir, os espaços que usaremos são os espaços de Fréchet. Tais es-paços, tendo em vista a discussão do parágrafo anterior, são completos, vide a Definição 1.4. Logo, são os candidatos naturais a serem a classe de espaços procuradas para tal teorema de existência.
Teorema 2.2(Bonet e Peris, [12]). SejaX um espaço de Fréchet separável de dimensão infinita. Então existeT ∈ B(X)tal queT é hipercíclico.
Não demonstraremos este teorema devido a sua complexidade e por não fazer parte de nossos objetivos. Agora, observe que além da hipótese necessária de X ser separável, há também a hipótese de X ter dimensão infinita. Tal hipótese não aparece sem necessidade: ao contrário do que acontece comciclicidade, onde é possível termos operadores cíclicos em espaços de dimensão
finita, o mesmo não acontece com hiperciclicidade. Lembrando que todo espaço de Fréchet de dimensão finitané isomorfo aKn, então o teorema a seguir nos mostra que não existem operadores hipercíclicos em espaços de Fréchet de dimensão finita.
Teorema 2.3. Não existem operadores hipercíclicos emKn.
DEMONSTRAÇÃO: SejaT :Kn→Knum operador linear com um vetor hipercíclicoy.
Afirmação. Temos queB ={y, T(y), . . . , Tn−1(y)}é uma base paraKn.
hipercíclico, entãoyé também um vetor cíclico. Logo, pelo que comentamos no início deste capí-tulo, temos que span orb (y, T) = Kn. Portanto, segue quespanB = Kn, o que é um absurdo: B é um conjunto gerador den elementos linearmente dependentes em um espaço de dimensãon. Dessa forma,B é um conjunto linearmente independente, demonstrando a afirmação acima.
Sejaα ∈R+qualquer. Sendoyum vetor hipercíclico, existe uma sequência(nk)de números
naturais tais queT(nk)(y)→α·y, ondek → ∞. Agora, fixadoi < n, observe que
Tnk(Ti(y)) = Ti(Tnk(y))→Ti(α·y) =α·Ti(y).
Logo, comoB é base deKn, então para todoz ∈Knsegue queTnk(z)→α·z.
Sendo a dimensão deKnfinita,T linear edetuma função contínua, segue quedet(Tnk)→αn.
Assim, como det(Tnk) = det(T)nk, segue que det(T)nk → αn. Se denotarmos a := |det(T)|,
comoα ∈R+ é qualquer edet(T)nk →αn, temos que o conjunto{an : n ∈ N}deve ser denso
emR+, o que é evidentemente impossível.
O corolário a seguir é uma generalização da afirmação que fizemos na demonstração do teo-rema anterior:
Corolário 2.4. Sey é um vetor hipercíclico paraT, entãoorb (y, T)é um conjunto linearmente independente.
DEMONSTRAÇÃO: Suponhamos, por absurdo, que tal órbita seja linearmente dependente. Isto é,
existemN ∈Ne escalaresa0, . . . , aN−1 não todos nulos tais queTN(y) =
N−1 X
k=0
akTk(y).
Assim, M := span{Tk(y) : k = 0, . . . , N −1} é um subespaço T-invariante. Logo, T
M
está bem definido. Sendoyum vetor hipercíclico paraT, então é claro queytambém é um vetor hipercíclico para T
M. Porém, M é um espaço de dimensão finita, o que contradiz o teorema
anterior.
Assim, hiperciclicidade é um fenômeno exclusivo de dimensão infinita. Dessa maneira, o Teorema 2.2 responde de uma maneira bem satisfatória a questão da existência de operadores hipercíclicos. Visto o que o Exemplo 5 e os teoremas anteriores nos dizem, faz sentido estudarmos hiperciclicidade apenas em espaços de Fréchet separáveis e de dimensão infinita. Por isso, ao longo do texto, lidaremos sempre com hiperciclicidade nestes espaços. Assim, vamos adotar a seguinte notação para o resto do capítulo:
2.2 O Critério de Hiperciclicidade 21
Resolvida a questão da existência de operadores hipercíclicos, voltemos ao Exemplo 4. Ob-serve que o operador que Rolewicz mostrou ser hipercíclico é nada mais que um weighted back-ward shift. Por este operador ser razoavelmente simples de se trabalhar, não foi difícil construir
um vetor hipercíclicox0 para ele. Porém, não podemos garantir que o mesmo aconteça para um
operador T qualquer: em alguns casos, esta construção pode ser nada trivial. Por isso, seria de extremo interesse acharmos condições que garantissem a hiperciclicidade de um operador. Este será o objetivo de nosso estudo a seguir.
2.2
O Critério de Hiperciclicidade
Um dos primeiros resultados que surgiu na tentativa de dar condições para que um operadorT seja hipercíclico sem construirmos explicitamente um vetor hipercíclico é o chamadoTeorema da Transitividade de Birkhoff. O resultado recebe o nome de G.D. Birkhoff pois em 1920, no contexto
de funções em subconjuntos compactos deRn, ele provou um resultado bastante semelhante ao que enunciaremos a seguir, ainda que os termos (e a generalidade) não estivessem presentes em sua demonstração original, vide [11, pp. 111–112].
Teorema 2.5(Teorema da Transitividade de Birkhoff). SejaX um espaço de Fréchet separável de dimensão infinita e sejaT um operador contínuo emX. Então, são equivalentes:
(i) T é topologicamente transitivo, isto é, dadosU, V abertos não-vazios deX existen∈Ntal queTn(U)∩V 6=∅.
(ii) T é um operador hipercíclico.
Para demonstrarmos o Teorema da Transitividade de Birkhoff, precisamos de um lema que, embora simples, é bastante útil e será frequentemente citado ao longo deste trabalho:
Lema 2.6. SejaX um espaço métrico sem pontos isolados. SejaT uma função contínua emX. Nessas condições, sey ∈ X é tal queorb (y, T)é densa emX, então orb (Tn(y), T)também é densa emX, para todon ∈N.
DEMONSTRAÇÃO: ComoXnão possui pontos isolados, podemos remover uma quantidade finita de pontos de um conjunto denso de maneira a obtermos um conjunto que continue sendo denso. Sendo orb (y, T) = {y, T(y), T2(y), . . . , Tn(y), Tn+1(y), . . .} denso em X por hipótese, então temos que{Tn(y), Tn+1(y), Tn+2(y), . . .} = orb (Tn(y), T)também é denso em X, como
dese-jado.
Seguimos, então, com a demonstração do teorema:
porH(T)o conjunto dos vetores hipercíclicos deT. Mostraremos queH(T)é não-vazio.
SendoXseparável, ele admite um conjunto denso enumerável{yj : j ∈N}. Dessa forma, as
bolas abertas de raio 1
m e centroyj, onde m, j ∈ N, formam uma base enumerável(Uk)k∈Npara a topologia deX. Portanto,xé um vetor hipercíclico paraT - ou seja,x∈ H(T)- se, e somente se, para todok≥1, existe umn =n(k)≥0tal queTn(k)(x)∈Uk. Isto é,
H(T) =
∞
\
k=1
∞
[
n=0
T−n(Uk).
Observamos agora que, fixadok ≥1,
∞
[
n=0
T−n(Uk)é aberto (poisT é contínuo) e é denso (pois
T é topologicamente transitivo). Pelo Teorema de Baire, temos queH(T)é um conjunto denso e, portanto, não-vazio, como desejado.
(ii)⇒(i). Suponhamos quexseja um vetor hipercíclico paraT e sejamU, V abertos não-vazios emX. Daí, é claro que existe umn ∈ N tal queTn(x) ∈ U. Pelo Lema 2.6,Tn(x)é um vetor hipercíclico para T. Logo, existe um m ∈ N tal queTm(Tnx) ∈ V. Isto junto ao fato de que Tn(x)∈U mostra queTm(U)∩V 6=∅, como desejado.
Observe que a demonstração de (i) ⇒(ii) do Teorema da Transitividade de Birkhoff também nos mostra que o conjunto H(T) dos vetores hipercíciclicos é um conjuntoGδ denso em X. 2
Dessa forma, o seguinte corolário é imediato:
Corolário 2.7. Seja T um operador hipercíclico contínuo em X. Então o conjunto dos vetores hipercíclicos é um conjuntoGδ denso emX.
Por mais que o Teorema da Transitividade de Birkhoff seja bastante útil e utilizado para provar-mos hiperciclicidade (como fareprovar-mos no próximo capítulo), a transitividade topológica ainda pede a “construção” de vetores específicos: de fato, se U e V são abertos não-vazios quaisquer e que-remos provar queTn(U)∩V 6= ∅, temos que achar um x ∈ U tal que Tn(x) ∈ V, para algum n∈N. Agora, como já discutimos anteriormente, tal vetorxpode ser difícil de ser encontrado.
Em 1982, Carol Kitai demonstrou em sua tese de doutorado um teorema que dava uma condição suficiente para hiperciclicidade, vide [29]. Embora na demonstração de tal teorema Kitai construa explicitamente um vetor hipercíclico para mostrar que o operadorT é hipercíclico, o critério em si não exige tal construção. Apesar de ter feito este avanço importante, Kitai nunca publicou seu resultado. Anos depois, como dissemos na introdução, Gethner e Shapiro descobriram tal critério independentemente, vide [18]. Com o passar dos anos, o Critério foi sendo refinado e aprimorado
2.2 O Critério de Hiperciclicidade 23
até chegar à forma que apresentaremos. Este enunciado é devido à Bés e Peris, vide [10], e é igual ao que colocamos na introdução deste trabalho.
Teorema 2.8 (Critério de Hiperciclicidade). Sejam X um espaço de Fréchet separável e T :
X →Xum operador linear limitado. Suponhamos que existem subconjuntosX0,Y0 densos, uma
sequência crescente de inteiros positivos(nk)e funçõesSnk :Y0 →X tais que:
(i) Tnk(x)→0, para todox∈X 0.
(ii) Snk(y)→0, para todoy∈Y0.
(iii) Tnk ◦S
nk(y)→y, para todoy∈Y0.
EntãoT é hipercíclico.
DEMONSTRAÇÃO: SejamU, V dois abertos não-vazios deX. Pela densidade deX0eY0, podemos
acharx, y tais quex ∈ X0 ∩U ey ∈ Y0 ∩V. Comox ∈ X0, entãoTnk(x) → 0, pela condição
(i) da hipótese. Da mesma maneira, da condição (ii) temos que Snk(y) → 0. Logo, definindo
xk :=x+Snk(y), temos quexk→x. Portanto, comox∈U, existe umk1 ∈Ntal que, para todo
k > k1, temos quexk ∈U.
SendoT um operador linear, temos que
Tnk(x
k) =Tnk(x+Snk(y)) =T
nk(x) +Tnk ◦S
nk(y)→y
usando as condições (i) e (iii) da hipótese. Logo, comoy∈V, existe umk2 ∈Ntal que, para todo
k > k2, devemos terTnk(xk)∈V.
Dessa forma, tomando um k0 ≥ max{k1, k2}, temos que, para todok > k0, ambos xk ∈ U
e Tnk(x
k) ∈ V são satisfeitos. Portanto, segue que Tnk(U)∩V 6= ∅, para todok > k0, o que
prova queT é topologicamente transitivo. Logo, pelo Teorema da Transitividade de Birkhoff,T é hipercíclico, como desejado.
Faremos refêrencia várias vezes ao Critério de Hiperciclicidade porHC3ou apenas porCritério.
Apesar de ter sido o primeiro critério para hiperciclicidade demonstrado, o Critério de Kitai hoje é um corolário imediato do Critério de Hiperciclicidade, como pode ser visto a seguir.
Corolário 2.9(Critério de Kitai, [29]). SejamX um espaço de Fréchet separável eT :X → X
um operador linear limitado. Suponhamos que existem subconjuntosX0,Y0densos e uma função
S :Y0 →Y0 tais que:
(i) Tn(x)→0, para todox∈X0.
(ii) Sn(y)→0, para todoy∈Y0.
(iii) T ◦S(y) = y, para todoy∈Y0.
EntãoT é hipercíclico.
Observação 2.10. Observamos que, tanto no Critério de Hiperciclicidade como no Critério de
Kitai, não há necessidade das funçõesSnk (no caso do HC) ou deS(no caso do Critério de Kitai)
serem lineares nem contínuas. Isto faz com que não precisemos nos preocupar tanto com o modo que construiremos tais funções nos exemplos e teoremas que seguem.
Exemplo 6. Vamos usar o Critério de Kitai para provar que o operador descrito no exemplo de
Rolewicz é hipercíclico sem construir um vetor hipercíclico.
Tomemos X = ℓp,1 ≤ p < ∞ e A : X → X o operador dado por A(x1, x2, x3, . . .) =
a·(x2, x3, x4, . . .), ondea∈Ré tal quea >1.
Sejam X0 e Y0 o espaço das sequências em X com um número finito de coordenadas
não-nulas. É claro queX0 e Y0 são densos emX. Seja S : Y0 → Y0 dado por S(x1, x2, x3, . . .) =
a−1(0, x1, x2, . . .).
Portanto, pela definição de Ae deX0 é claro que (i) é satisfeito. ComoA◦S = Id, então é
óbvio que (iii) também é satisfeito. Resta então provarmos (ii). Note que
kSn(x
1, x2, . . .)k=
1
an
(0,0, . . . ,0
| {z }
ncoordenadas
, x1, x2, . . .)
= 1
ankxk →0
quandon → ∞, visto quexestá fixo ea >1. Logo,S satisfaz a segunda condição, o que mostra queAé hipercíclico, como queríamos.
Tendo em vista o exemplo, é notório o quanto mais fácil ficou para demonstrarmos que A é hipercíclico de posse do Critério de Kitai. Esta facilidade teve um preço: não sabemos quem é um vetor hipercíclico paraA. Para diversificar um pouco os exemplos, vamos fornecer um outro exemplo de um operador hipercíclico que satisfaça o Critério de Kitai.
Exemplo 7. Vamos mostrar que o exemplo dado por MacLane, a saber, o operador diferenciação
definido em H(C), munido da topologia compacto-aberta descrita no Exemplo 2, é hipercíclico usando o Critério de Kitai. Vale ressaltar que MacLane em seu artigo original [32] mostrou que tal operador era hipercíclico construindo um vetor para ele, assim como fez Rolewicz.
SejaX0 =Y0 =P(C), ondeP(C)é o conjunto dos polinômios com coeficientes complexos.
Sep(z) =
k
X
n=0
anzn, definimosS :P(C)→ P(C)dado porS(p)(z) = k
X
n=0
an
n+ 1z
n+1, para todo