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1. O processo de constituição do Estado Assistencialista no Brasil

1.1 O fundamento do Estado Assistencialista: as políticas de ajuste

De acordo com o que foi preliminarmente enunciado no item 3 do Capítulo II, o processo de constituição do Estado Assistencialista no Brasil teve início a partir dos anos 90, em decorrência da predominância dos imperativos das políticas neoliberais. Os desdobramentos da proliferação daquelas políticas culminaram com o processo de reforma do Estado que, por sua vez, provocou a destituição da dimensão universal das políticas públicas, em defesa da modalidade compensatória, como condição de sustentabilidade sociopolítica requerida pelo ajuste econômico.

Nesse sentido, admite-se que essa modalidade de intervenção estatal na área social consiste num mecanismo subjacente às determinidades referentes à crise global do capital, instaurada em meados da década de 70, estando estreitamente vinculado às estratégias econômicas e políticas adotadas pelos segmentos burgueses com vistas ao seu equacionamento.

Contextualizado desse modo, a emersão do Estado Assistencialista no Brasil articula-se — obviamente favorecida por determinadas mediações sociopolíticas a serem devidamente problematizada no âmbito deste sub-item — aos processos sociais mais gerais impostos pela reação burguesa, os quais foram

materializados nas denominadas mudanças no mundo do trabalho e nas mudanças na intervenção do Estado. Posicionadas, portanto, nesse contexto, tais mudanças objetivamente constituem em desdobramentos do movimento de reestruturação do capital contemporâneo, o qual se manifestou de maneira implacável no mundo do capital, porém adquirindo expressões particulares quando inserido nas contextualidades cêntricas e periféricas. Particularmente nestas últimas, têm destaques as medidas socioeconômicas impostas pela política supranacional e adotadas quase sempre de maneira subserviente pelos governos locais, consistindo nas reformas da denominada “primeira geração” e envolvendo a liberalização dos mercados, o controle da inflação e o combate à pobreza.

A configuração e os impactos produzidos por essas mudanças, os quais foram amplamente problematizados ao longo dos capítulos I e II, podem ser sinteticamente recuperados por intermédio dos seguintes tópicos:

— a crise global do capital, materializada na contemporaneidade recente, representa uma expressão legítima das crises do Welfare State, do socialismo real e do Terceiro Mundo, em seus propósitos originários de engendrarem modalidades de sociabilidades funcionais ou alternativas ao ordenamento capitalista dominante;

— diante da crise global efetivamente instalada no mundo do capital, coube à reação burguesa agilizar um conjunto de estratégias de dimensões econômicas e políticas com vistas, simultaneamente, a deslegitimar as alternativas ensaiadas pelas forças do trabalho e a privilegiar e/ou perpetuar as condições típicas do ordenamento capitalista;

— no âmbito dos recursos viabilizados pela reação burguesa à resolução da crise, os quais foram concretizados, respectivamente, nos processos pertinentes à mundialização do capital, à reestruturação produtiva e ao neoliberalismo, coube a

este último (por meio das políticas de ajuste estrutural), interferir radicalmente no percurso do avanço até então alcançado pelas políticas sociais públicas capitalistas;

— as políticas de ajuste neoliberal, implementadas nos países avançados, promoveram, do ponto de vista sociopolítico, a desestruturação dos sistemas de bem-estar social estruturados numa perspectiva universalista, em detrimento das políticas sociais privadas, revitalizando, dessa forma, a modalidade liberal;

— no Brasil, a proposta de privatização do Estado, capitaneada pelo projeto neoliberal, teve início no governo do presidente Sarney, sendo progressivamente aprofundada ao longo das administrações de Collor e de Cardoso, amparada no argumento de que constituía um mecanismo estratégico de inserção privilegiada da economia do país no processo de “globalização financeira” contemporâneo;

— o processo de reforma do Estado brasileiro, ao institucionalizar as entidades do “terceiro setor” com vistas, simultaneamente, a contornar os efeitos da escassez de postos de trabalho e a legitimar a retirada da instituição estatal da prestação de serviços sociais públicos, constituiu um exemplo paradigmático da ofensiva neoliberal, em seu propósito de alterar o tradicional padrão sociopolítico até então operante, concebendo-o essencialmente como fator causador da crise por que passam os Estados nacionais;

— a expansão e a conseqüente consolidação do projeto neoliberal, vigente na sociedade brasileira contemporânea, culminaram no movimento de caráter regressivo, caracterizado pela transição do Estado Assistencial em direção ao Estado Assistencialista, secundarizando, dessa forma, a defesa da seguridade social instituída na Constituição federal de 88, em função da priorização das políticas

sociais agenciadas pelo “terceiro setor” e dos programas clientelísticos de combate à pobreza, ambos gestados no contexto do processo de precarização das políticas sociais públicas.

Dessa forma, estando efetivamente inscrito nessa conjuntura caracterizada por profundas mudanças recessivas, parte-se do entendimento de que a constituição do Estado Assistencialista no Brasil possui como substrato central as políticas de ajuste neoliberal, amplamente implementadas no decorrer das décadas de 80 e 90, tendo como principais agenciadores a burguesia nacional em suas vinculações com as instituições de Bretton Woods. Nesses termos, o Estado Assistencialista pode ser considerado, numa acepção preliminar, como o modo de regulação social integrante do modelo de acumulação flexível e neoliberal em vigor, de forma abrangente, no contexto dos países latino-americanos.96

Em conformidade ao que foi anteriormente tematizado no item 1 do Capítulo II, as principais estratégias contempladas pelos setores burgueses com vistas a efetivar a implementação da política social de cariz neoliberal na sociedade brasileira foram dadas, sobretudo, por meio do corte dos gastos sociais, da privatização, da centralização do orçamento social em programas seletivos contra a pobreza e da descentralização. Tendo em vista a magnitude que essas estratégias efetivamente tiveram no processo de consolidação do Estado Assistencialista no Brasil, sua abordagem será desenvolvida nos sub-itens subseqüentes, sendo devidamente problematizadas nos tópicos referentes ao ideário e ao produto do objeto em questão.

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De acordo com a literatura pesquisada, dentre os autores que discutem essa modalidade de Estado decorrente da ofensiva neoliberal e a designam explicitamente por meio da expressão Estado

1.2 O ideário do Estado Assistencialista: a inclusão marginal dos