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O ideário de um crescimento menos impactante

2. As bases da agricultura orgânica

2.4 O ideário de um crescimento menos impactante

Um conceito importante, no contexto do crescimento econômico, é o de sustentabilidade. Em outras palavras: continuar crescendo, mas com responsabilidade (por exemplo: tratando os rejeitos de forma limpa; reaproveitando energia e matéria-prima).

Esse conceito começou a ser elaborado muito antes da década de 80. Entretanto, só foi definido e aceito, de forma geral (e, talvez, até conhecido), após a publicação do Relatório Brundtland, intitulado “Nosso Futuro Comum”. A aceitação foi refletida pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio-92) que, ao mesmo tempo, mostra a insatisfação de parte da sociedade com o padrão vigente – mesmo por parte daqueles que não estão engajados em movimentos.

Alguns fatores foram decisivos para a difusão de um novo padrão produtivo. Um deles foi a fragilidade energética (dependência do petróleo) e os impactos ambientais dela decorrentes. No Brasil, o desmatamento da Amazônia e de parte do Mato Grosso do Sul (um domínio de transição entre cerrado, mata atlântica e mata amazônica – portanto, um ecossistema riquíssimo e singular) foi alvo das maiores críticas (tanto por parte da sociedade, quanto por agentes internacionais). A perda da biodiversidade em troca de um sistema monocultural e a biopirataria foram temas de diversos debates, de publicações e, até mesmo, de restrições econômicas para o Brasil.

A erosão, a poluição das águas, do ar e a arenização do solo são alguns resultados de um manejo imediatista (SAQUET et al, 2005). Mesmo com avanços tecnológicos, a agricultura ainda é uma prática dependente dos processos e recursos naturais e, como tal, deve voltar-se para entendimento de suas relações mais básicas. Os desequilíbrios são refletidos diretamente na produtividade e nas relações sociais que constroem o território.

Em meio ao debate, Altieri (1998 p.205) afirma que um agroecossistema torna-se insustentável quando são observados os seguintes aspectos:

1 Redução da capacidade produtiva provocada por erosão ou contaminação dos solos por agrotóxico;

2 Redução da capacidade homeostática, tanto nos mecanismos de controle de pragas como nos processos de reciclagem de nutrientes;

3 Redução da capacidade “evolutiva” do sistema, em função da erosão genética ou da homogeneização genética provocada pelas monoculturas;

4 Redução da disponibilidade e qualidade de recursos que atendam necessidades básicas (acesso à terra, água, etc.);

5 Redução da capacidade de utilização adequada dos recursos disponíveis, principalmente, devido ao emprego de tecnologias impróprias.

No Brasil, segundo pesquisas do Instituto Agronômico de Campinas, estima-se que, para cada hectare cultivado, perde-se, em média, 25 toneladas de solo ha/ano. Isso significa uma perda anual de cerca de um bilhão de toneladas. Usando outra ilustração, essa quantidade significa a perda de, aproximadamente, um centímetro de solo superficial. Esses dados são preocupantes, já que a camada cultivável é de, aproximadamente, 50 cm por ano. Só no Estado de São Paulo, de acordo com a Associação Brasileira de Geologia e Engenharia (ABGE), as perdas anuais de solo são da ordem de 194 milhões de toneladas. Processos mais avançados podem ser observados na região de Alegrete-RS, Bahia e Pernambuco, com a formação de areiais.

Primavesi (1983) explica que o uso intensivo de maquinário, além de destruir a estrutura física do solo (com sucessivas gradagens ou arações), leva a um quadro de intensa compactação. Com as chuvas, a água não consegue infiltrar-se e acaba escoando superficialmente, levando consigo toda a camada fértil. Sem uma estrutura de macro e micro poros, o armazenamento de água no solo bem como sua aeração ficam comprometidos. A planta sofrerá com períodos mais prolongados de estiagem ou, dependendo do caso, com poucos dias de sol. Sem água e mal nutrida, a planta fica susceptível ao ataque de pragas.

Com o solo compactado, o sistema radicular da planta não se desenvolve e, por esse motivo, tem dificuldades de aproveitar, inclusive, o fertilizante químico aplicado (além da água,

como já foi comentado). Com o solo descoberto e desprotegido, a radiação solar aumenta a sua temperatura, o que acaba por danificar as raízes das plantas. Com temperaturas elevadas, a transpiração da planta acelera, o que culmina com plantações murchas ou com tons esbranquiçados (GERRA; SILVA; BOTELHO, 1999).

Além dos problemas com a produção vegetal, existe o assoreamento de rios, lagos e da plataforma continental. A deposição de sedimentos eleva leitos e alarga margens, eliminando várias espécies aquáticas. A pouca disponibilidade de água e grandes quantidades de fertilizantes levam a um processo de eutrofização/eliminação de espécies que vivem em rios profundos.

São muitos os municípios com altos índices de nitratos na água (sobretudo, subterrânea). Isso resulta de uma adubação nitrogenada e de altos índices de erosão. No Oeste de Santa Catarina, por exemplo, a EMBRAPA, em parceria com a EPAGRI, está realizando um inventário das condições da água subterrânea. Alguns dos resultados parciais mostram altos teores de nitrogênio provenientes não apenas da agricultura e dos fertilizantes nela aplicados mas também da disposição inadequada dos dejetos decorrentes da criação de suínos e aves.

Esta é uma questão bastante séria, principalmente porque a estrutura do solo na porção Oeste do Estado de Santa Catarina, de forma geral, é pouco profunda, dificultando o processo de eliminação de microorganismos através da adsorção às partículas de argila (o que poderia filtrar, naturalmente, a pluma de dejetos) (DIESEL; MIRANDA; PERDOMO, 2002).

Esse problema pode ser minimizado quando o próprio dejeto é usado para a fertilização do solo, pois evita a adubação química. O dejeto, por outro lado, é bastante eficiente em sua tarefa de adubação quando o manejo do plantel é realizado sem a incorporação de grandes quantidades de água, pois isso permite que os nutrientes existentes fiquem mais concentrados. Segundo Diesel; Miranda e Perdomo (2002), entre os nutrientes encontrados no esterco líquido, pode-se citar: matéria orgânica; nitrogênio; fósforo; potássio; cálcio; sódio; magnésio; manganês; ferro; zinco; cobre e outros elementos vindos da dieta dos animais. Constitui-se, portanto, uma opção barata para a disposição final do rejeito, evitando, ainda, a aplicação de químicos na terra.

Contudo, os problemas de eutrofização e de contaminação por coliformes (fecais e totais) são, ainda, uma realidade no Oeste de Santa Catarina bem como em outras regiões do Brasil (JACOBSEN et al., 1997). Assim, os resquícios contaminantes desses agrotóxicos encontram-se presentes em animais, plantas e no ser humano. Resíduos de DDT, BHC e Dieldrim, entre tantos outros, acumulam-se no tecido adiposo, persistindo, da mesma forma, no sangue de muitas

pessoas. Até mesmo nas mais remotas localidades do globo pode-se encontrar traços desses produtos (COLBORN; DUMANOSKI; MYERS, 1997).

Mesmo com todos esses indícios, ainda não se pode afirmar com certeza se o modelo convencional é irredutivelmente insustentável. Mas, o que se pode dizer com tranqüilidade é que são muitas as obras que apresentam dados que conduzem a esse pensamento. A agricultura inicia o século 21 com grandes dificuldades de manutenção, grandes efeitos ambientais e, portanto, fortes indícios de preocupante fragilidade.

Nesse sentido, a sustentabilidade que se apresenta, ao contrário do que muitos imaginam, prevê técnicas e tecnologias que garantem a manutenção da atividade produtiva. Entretanto, para alcançar essa sustentação da atividade, faz-se necessário conservar os recursos naturais dos quais a sociedade é dependente. A sustentabilidade, por esse prisma, tem a conservação do ambiente como um meio e não como um fim.

Na maioria dos casos, a discussão sobre desenvolvimento sustentável, relacionado à agricultura, perpassa pelo componente químico, ou seja, pela aplicação de fertilizantes e agrotóxicos. Mas esse é apenas um aspecto do padrão que gera a degradação ambiental.

Na década de 90, segue-se uma discussão para a definição do que se entende por desenvolvimento sustentável. Mais uma vez o protagonismo é norte-americano. O embate fica entre os enfoques social e ambiental. Na Europa, a FAO (através da declaração de Den Bosh) definiu a agricultura e o desenvolvimento rural sustentável como:

O manejo e a conservação da base de recursos naturais, e a orientação da mudança tecnológica e institucional, de maneira a assegurar a obtenção e a satisfação contínua das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Tal desenvolvimento sustentável (na agricultura, na exploração vegetal e na pesca) resulta na conservação do solo, da água e dos recursos genéticos animais e vegetais, além de não degradar o ambiente, ser tecnicamente apropriado, economicamente viável e socialmente justo.

O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, a partir de outra série de estudos e debates sobre desenvolvimento sustentável, definiu que agricultura sustentável se referiria:

[…] ao uso dos recursos biofísicos, econômicos e sociais segundo sua capacidade, em um espaço geográfico, para, mediante tecnologias biofísicas, econômicas, sociais e institucionais, obter bens e serviços diretos e indiretos da agricultura e dos recursos naturais para satisfazer as necessidades das gerações presentes e futuras. O valor presente dos bens e serviços deve representar mais que o valor das externalidades e dos

insumos incorporados, melhorando ou pelo menos mantendo de forma indefinida a produtividade futura do ambiente biofísico e social. Além do mais, o valor presente deve estar eqüitativamente distribuído entre os participantes do processo.

Da mesma forma, Altieri (1989, p. 11) elabora sua noção de agricultura sustentável da seguinte forma: “Sustentabilidade refere-se à habilidade de um agroecossistema em manter a produção através do tempo, em face de distúrbios ecológicos e pressões sócio-econômicas de longo prazo”.

De forma geral, existem alguns pressupostos que perpassam as diferentes definições: a satisfação contínua das gerações presentes e futuras; respeito aos limites; a busca da conservação dos recursos; e melhoria da qualidade de vida das populações envolvidas e, de forma geral, alcançada pela viabilização econômica. Outras definições incorporam, ainda, elementos como a participação social e a conservação dos aspectos culturais.

A variedade de elementos das definições indica uma noção de sustentabilidade cercada de dúvidas (envolvendo seus objetivos e beneficiários). Na maioria dos casos, não há uma aliança em torno de algo bem definido, mas uma série de ações que trabalham para combater o que não se quer, contudo sem avançar para aquilo que se quer de fato. Atualmente, com a ação das associações, fundações e ONG’s, além dos diversos movimentos sociais (como o MST), esse processo está sendo mais coordenado e definido, principalmente diante de articulações como o Protocolo de Kioto e de desastres como o furacão Katrina, o Catarina e a Tsunami nas Filipinas, entre outros eventos extremos que estão afetando grandemente a população mundial.

Tanto o conceito de desenvolvimento/agricultura sustentável quanto a noção de agricultura alternativa têm a capacidade de agregar desde daqueles que se contentariam com o simples abandono do uso de agrotóxicos até aqueles que vêem nesses movimentos sociais o caminho para a construção de novos paradigmas econômicos, culturais, e ambientais (e, portanto, territoriais). É essa amplitude que dificulta a construção de um conceito e, até mesmo, de estratégias mais abrangentes e coletivas. Nesse emaranhado de posições, esperanças e mecanismos de organização, luta e resistência está uma grande variedade de tendências religiosas, políticas, ideológicas, culturais que chegam a ser contraditórias.

De qualquer forma, isso só contribui para afirmar que a agricultura alternativa não se constitui uma volta ao passado, mas como um sistema diversificado e complexo e que, por esse motivo, necessita de mão-de-obra qualificada, com conhecimentos técnicos abrangentes. Além disso, é um sistema que reúne (de forma mais ou menos organizada) uma grande diversidade de

pessoas e pensamentos, buscando um desenvolvimento que contemple a recuperação e a preservação do ambiente.

Assim, uma transição para outro padrão de produção já pode ser vislumbrada. Além da organização dos movimentos sociais e de suas ações, a sociedade está assistindo a um esforço de algumas entidades no sentido de promover a conversão de propriedades convencionais. Como exemplo desse esforço, podemos citar o governo da Áustria, país da União Européia que, segundo Darolt (2002), possui o maior percentual de agricultores orgânicos (em 1999, totalizavam 7,3%) e também a maior área orgânica cultivada.

A Alemanha é outro país que Darolt (2002) classifica como acima da média em agricultura orgânica, contendo cerca de 10.400 unidades agrícolas que ocupam uma área de 452,2 mil ha (o que totaliza 2,6% de seu território). Esse país foi o primeiro a criar um organismo de inspeção e controle da produção orgânica (em vigência desde 1970), além de uma certificadora controlada pelo Estado. Além da venda direta (feira livre), as lojas alemãs de produtos naturais (e, mais recentemente, o supermercado) estão garantindo a venda de grande parte da produção.

A Espanha – considerada um dos países mais pobres da União Européia –, motivada pela ajuda governamental e pela possibilidade de colocação de suas mercadorias no mercado mundial, já triplicou o número de produtores e, portanto, de áreas de produção orgânica.

A França, em 1999, conseguiu marcas ótimas. Segundo o Observatoire National de L’Agriculture Biologique, houve um aumento de 28% nas unidades agrícolas orgânicas e cerca de 16% nas unidades devidamente certificadas. Nesse sentido, esse país é destaque no que tange à criação orgânica de animais (como frangos e porcos) e na produção de leite.

Embora a discussão tenha tido importantes momentos nos Estados Unidos, segundo Harding (2000) apud Darolt (2002), esse país conta apenas com 6.600 propriedades (que cobrem uma área de 900 mil hectares) produzindo, principalmente, soja e trigo. Em 1996, isso já representava um montante de, aproximadamente, U$ 3,5 bilhões em vendas, sendo incrementado em, até, 20% ao ano. Em 1999/2000, já se estimava algo em torno de U$ 8 milhões em vendas anuais.

Na América Latina também se pratica a agricultura alternativa. Dados de Willer; Yussefi (2001), adaptados por Darolt (2002), mostram que, após a Oceania e a Europa, a América Latina é a maior área sob cultivo da agricultura orgânica. Seriam cerca de 43 mil produtores cultivando 3,3 milhões de hectares. Os principais representantes (em porcentagem) desses números são:

Argentina, Costa Rica, Paraguai, El Salvador e Suriname. Em termos de números absolutos de produtores, o México aparece como primeiro, seguido do Brasil, Costa Rica, Peru e Argentina.

Um dos principais atores do processo de territorialização desse movimento social na América Latina é o Movimento Agroecológico Latino Americano (MAELA), que trabalha com vários países desenvolvendo projetos. Essa expansão é resultante sobretudo do aumento da demanda por produtos “limpos” que, por sua vez, foi desencadeado por maior consciência a respeito do meio ambiente e de si próprio.

O Brasil ocupa a segunda posição na América Latina em termos de área manejada. São estimados 275 mil hectares – algo em torno de 14.866 unidades de produção orgânica (DAROLT, 2002). Da mesma forma, estima-se que 70% dessas unidades estejam concentradas em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo, gerando um aumento de venda de cerca de 50% nessas regiões. Esse aumento deve-se, sobretudo, ao fato de terem surgido, nos últimos anos, organizações não-governamentais que se dedicam, exclusivamente, à divulgação dessa forma de manejo e à certificação dos produtos, de forma a garantir maior confiabilidade interna e, assim, abrir possibilidades de exportação. Desse modo, com empresas certificadoras nacionais, os custos são acentuadamente menores.

Os agricultores envolvidos seguem, mais ou menos, o mesmo perfil: são produtores rurais com unidades agrícolas de pequeno porte e valem-se, basicamente, de mão-de-obra familiar. Essa é uma realidade verificada também no município de Chapecó e reiterada pelo presidente da APACO e da Cooperfamiliar. Em entrevista, muitas foram as vezes em que as entidades afirmaram ser a agricultura orgânica uma das formas que esses produtores têm para melhorar sua qualidade de vida, já que sua propriedade não teria condições de gerar renda suficiente (para o sustento da família) caso fosse praticada a agricultura convencional e com os produtos tradicionalmente cultivados.

Em suma, existem alguns fatores que são decisivos para a expansão da agricultura orgânica em qualquer país do mundo. Entre eles estão os incentivos financeiros para os produtores (financiamentos, pesquisa e extensão); educação e conscientização da população sobre necessidade de mudança; disponibilidade de produtos para o consumo; marketing e proteção legal da produção e processamento; e, sobretudo, planejamento público para o desenvolvimento da agricultura alternativa, sinalizando para a sociedade a opção de padrão produtivo.