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O individual e o global, interrupção e continuidade

No documento MESTRADO DE ECONOMIA POLÍTICA (páginas 115-119)

PARTE II – INVESTIGAÇÕES A PARTIR DA TEORIA DO VALOR

2. DAS FORMAS SOCIAIS ÀS FORMAS FUNCIONAIS

2.3 O capital em geral, forma social, abstração real e universalidade concreta

2.4.3 O individual e o global, interrupção e continuidade

Enquanto formas, esses três ciclos aparecem como a metamorfose ordinária das mercadorias, uma passagem constante na qual dinheiro e mercadoria trocam de mãos, com a interrupção do processo produtivo. A compra de meios de produção por parte de um capitalista é, ao mesmo tempo, a venda de mercadoria final para realização do lucro de outro. As formas e os ciclos de existência do capital ocorrem paralelamente, mesmo em um capital individual. Enquanto parte do valor-capital é imobilizada na produção, outra parcela busca ser realizada na circulação e outra pode já estar sob a forma de dinheiro, esperando para se transformar em meios de produção e força de trabalho para reiniciar o processo de produção. Contudo, mesmo nessa continuidade geral, em cada instante, uma dada parcela de valor assume uma existência singular,

interrompendo neste capital singular todos os outros processos; enquanto na produção, o valor não circula, enquanto circula cessa de produzir mais-valia.

Essa totalidade de processos faz da existência do capital uma unidade de múltiplas determinações que objetivam, unicamente, a constante valorização do valor, a recorrente e ampliada reprodução da relação-capital. Toda e qualquer distinção que se faça entre os processos se dá no reino da forma. Ao mesmo tempo, no movimento automático do capital como sujeito das relações sociais, esses polos contraditórios existem como unidade.

Nos ciclos do capital industrial, a análise do entrelaçamento entre produção e circulação, entre as formas-funcionais, bem como entre os capitalistas individuais, trazem perspectivas importantes. Inicialmente, observe-se a análise de Marx sobre os papeis e as configurações das formas funcionais:

[...] o próprio processo de produção surge como função produtiva do capital industrial, também dinheiro e mercadoria surgem como formas de circulação do mesmo capital industrial, portanto, também suas funções como funções de circulação, que introduzem as funções do capital-produtivo ou delas surgem. Só mediante sua conexão como formas funcionais que o capital industrial tem de realizar nos diferentes estágios de seu processo de circulação, função monetária e função mercantil são aqui, ao mesmo tempo, função de capital-dinheiro e de capital-mercadoria. É, portanto, um erro querer derivar as propriedades e funções específicas que caracterizam o dinheiro enquanto dinheiro e a mercadoria enquanto mercadoria de seu caráter de capital, e é igualmente errôneo derivar inversamente as propriedades do capital produtivo de seu modo de existência em meios de produção.” (MARX, 1988a, p.57)

A descrição acima mostra como, no regime capitalista, dinheiro, mercadoria e meios de produção assumem suas funções de capital-dinheiro, capital-mercadoria e capital-produtivo. Isso não ocorre devido às suas características enquanto coisas dotadas de valor (dinheiro, mercadoria e meios de produção), e sim devido ao fato de serem aparições de um devir-sujeito, de serem formas de existência do valor substantivado como capital e de nele cumprirem diferentes papeis. Essas funções aparecem introduzindo outras formas ou derivando delas, temos aqui o caráter de continuidade. Mas a continuidade implica seu oposto: a possibilidade de interrupção.

Caso, durante a produção de um capitalista individual, ocorram mudanças nos valores de seus meios de produção, força de trabalho ou mesmo de seu

produto final, toda a produção e realização de seu capital adiantado, bem como da mais-valia extraída, podem ficar comprometidos. Suponha-se, por exemplo, uma queda no valor do algodão empregado por produtor de fios que já tenha iniciado a produção, caso os demais fatores permaneçam constantes, isso implicará numa queda do valor dos fios de algodão e do valor realizado quando este for vender sua produção. Nesse caso, o valor D’ será menor que o esperado e, portanto, o capitalista em questão irá acumular um valor-excedente menor ou, num caso extremo, sequer conseguirá repor seu capital adiantado.

Quando a análise parte do capital em geral, essa interrupções nos ciclos individuais são desimportantes. Para esse ponto de vista, se o valor social de determinados produtos aumenta ou diminui não interfere na reprodução do capital como um todo. Contudo, pode parecer estranha a relação tão próxima entre os opostos da continuidade e da interrupção. Como podem as formas e ciclos se justaporem tão “perfeitamente” no capital global e, ao mesmo tempo, o capitalista individual sofrer com as interrupções? Cabe aqui exceder um pouco o formato das citações e permitir que Marx exiba sua própria análise:

Como um todo, o capital se encontra, então, ao mesmo tempo, espacialmente justaposto, em suas diferentes fases. [...] As formas são, portanto, formas fluidas, cuja simultaneidade é mediada por sua sucessão. [...]

Só na unidade dos três ciclos é que se realiza a continuidade do processo global em vez da interrupção anteriormente descrita. O capital social total sempre possui essa continuidade e seu processo possui sempre a unidade dos três ciclos.

[... O capital] só pode, por isso, ser entendido como movimento e não como coisa em repouso. Aqueles que consideram a autonomização do valor como mera abstração esquecem que o movimento do

capital industrial é essa abstração in actu. O valor percorre aqui

diferentes formas, diferentes movimentos, nos quais se mantém e, ao mesmo tempo, se valoriza, aumenta. [...] Não são levadas em consideração as revoluções69 que o valor-capital pode sofrer em seu

processo de circulação; mas é claro que, apesar de todas as revoluções do valor, a produção capitalista só pode existir e continuar existindo enquanto o valor-capital for valorizado, ou seja, enquanto, como valor autonomizado, percorre seu processo de circulação, portanto enquanto as revoluções de valor são, de algum modo, superadas e compensadas. Os movimentos do capital 69 Por revoluções, ou transtornos, do valor Marx trata de todos os acontecimentos anteriormente

citados, desde aumento ou diminuição na composição do valor em determinadas mercadorias, e que ocorrem durante os processos reprodutivos dos capitais individuais, podendo penalizá-los ou destruí-los, bem como beneficiá-los, e faz os dois, dependendo dos estágios da produção envolvidos. Para um entendimento mais completo dessa questão ver: (MARX, 1988a, p. 72-76)

aparecem como ações do capitalista individual isolado [...] Caso o valor-capital sofra uma revolução de valor, então pode ocorrer que seu capital individual sucumba ante ela e submerja por não poder preencher as condições desse movimento de valor. Quanto mais agudas e freqüentes se tornam as revoluções do valor, tanto mais se impõe, atuando com a violência de um processo natural elementar, o movimento automático do valor substantivado em face da previsão e do cálculo do capitalista individual, tanto mais se torna o curso da produção normal vassalo da especulação anormal, tanto mais se torna o perigo para a existência dos capitais individuais. Essas periódicas revoluções de valor confirmam, portanto, o que pretensamente devem refutar: a substantivação que o valor enquanto capital experimenta e que por meio de seu movimento conserva e acentua. (MARX, 1988A, p. 73-74)

Deve-se ter em vista que a própria violência dos movimentos individuais, suas pequenas crises de realização e seus movimentos caóticos mais enfatizam do que fazem desaparecer a influência do capital em geral e de sua lógica. A partir disso, pode-se passar para o próximo capítulo e buscar compreender o movimento particular de autonomização do capital-dinheiro nas figuras mais desenvolvidas.

3.

AUTONOMIZAÇÃO DO CAPITAL-DINHEIRO: AUTONOMIA E

No documento MESTRADO DE ECONOMIA POLÍTICA (páginas 115-119)