• Nenhum resultado encontrado

O jornalismo advocatício como contraponto ao jornalismo de paradigma

2 O MARCO TEÓRICO-CONCEITUAL DESTE ESTUDO: INSTITUCIONALISMO

2.2 A relevância da comunicação política para a formação da opinião pública: o

2.2.2 O jornalismo advocatício como contraponto ao jornalismo de paradigma

No mundo contemporâneo, o jornalismo exerce um papel importante nas sociedades, e a mídia também se inclui no processo de globalização, em que o alcance de determinados grupos de mídia se faz sentir em dezenas de países. A nível mundial, a convergência da propriedade das corporações de mídia globais tem alimentado oligopólios em vez de competição (McCHESNEY, 1999 apud SAMMUT, 2007, p. 237), em um contexto de “aldeia global”, que desde o final da Guerra Fria tem se acentuado.

A nível mundial, no que diz respeito à distribuição global de notícias e conteúdo de entretenimento, há um domínio de um pequeno número de grupos de comunicação transnacionais, formando quase um oligopólio, sendo que muitos desses são provenientes dos Estados Unidos da América (EUA) (McCHESNEY, 1999 apud SAMMUT, 2007, p. 8), país dominante no cenário global de mídia, cujos paradigmas jornalísticos acabam por ser mais facilmente disseminados.

Os jornais estadunidenses do século XIX frequentemente eram partidários, publicando conteúdo que retratavam apenas as opiniões dos jornalistas, editores e proprietários do veículo de comunicação, promovendo ideologias políticas e atuando para a promoção partidária de certos grupos políticos (BAUGHMAN, 2011). Em resposta a esse tipo de comportamento partidário dos jornais estadunidenses estabeleceu-se um conjunto de códigos de conduta e ética para a prática do jornalismo. Muitos desses códigos de conduta e ética jornalística foram estabelecidos segundo paradigmas liberais, dentro de princípios positivistas e objetivos, que passou a também ser conhecido como jornalismo objetivo. E, assim, o jornalismo atingiu um certo nível de profissionalização.

Em boa medida, a noção moderna de objetividade no jornalismo se deve a Lippmann (1920), tendo sido o primeiro a sugerir aos jornalistas que utilizassem métodos científicos para a coleta de informações, para evitar práticas partidaristas

no jornalismo e entregar aos leitores a realidade dos fatos. Apesar das contribuições ao jornalismo que os paradigmas objetivos e liberais deram à área, algumas contradições emergiram, expondo lacunas não preenchidas por esse conjunto de princípios, surgindo críticas e formas alternativas de jornalismo. Mesmo que dentro da ideologia liberal do profissionalismo, o status seja influenciado pelo grau de confiança da audiência e credibilidade dos jornalistas (McNAIR, 1998), no jornalismo baseado nos paradigmas liberais do profissionalismo é praticamente impossível obter a autonomia editorial e a credibilidade na base dos ideais de objetividade e honestidade – que constituem os axiomas básicos do jornalismo anglo-americano.

A razão disso deve-se ao fato de que as notícias na mídia possuem agendas ocultas, podendo empregar uma agenda definida através de técnicas sutis de enviesamento de um noticiário, deixando inatingível o ideal de objetividade (CALCUTT; HAMMOND, 2011). Os proprietários dos veículos de mídia têm suas próprias agendas e interesses políticos, assim sendo, a objetividade no jornalismo serve como uma fonte de “viés estrutural” em favor dos grupos dominantes na sociedade (HOFSTETTER apud McNAIR, 1998, p. 75), um ritual (TUCHMAN, 1972) que serve às estratégias de influência da opinião pública.

Empregando dentro do paradigma objetivo do jornalismo o conceito de “autonomia licenciada” aos jornalistas, é permitido a estes ser independente, contanto que a independência seja exercida de uma forma que se enquadre nos requerimentos de sua organização empregadora (CURRAN, 1990, p. 120 apud SAMMUT, 2007). Segundo Chomsky (1989), a imprensa livre como profissional e observadora é uma “ilusão necessária” criada pela propaganda, que retrata os meios de comunicação como advogados da livre expressão e da democracia, quando na realidade os jornalistas se submetem a um certo grau de autocensura. Nesse contexto, se os jornalistas não se sentem livres, aumenta a possibilidade de realizarem uma cobertura débil, afetando sua credibilidade.

Como uma resposta a essas contradições e ao viés estrutural favorável aos grupos dominantes na sociedade, o empoderamento de profissionais do jornalismo surge como um princípio para tipos alternativos de jornalismo, na base da liberdade destes em interpretar e selecionar as notícias (SAMMUT, 2007, p. 18). Dentre os tipos de jornalismo alternativos ao de tipo objetivo e profissional, há o jornalismo advocatício, que assume uma posição e realiza práticas jornalísticas com um código de conduta ética que contempla a defesa dessa posição.

39 Para aqueles que desejam uma mudança significativa na sociedade ou na correlação de forças políticas, o jornalismo advocatício pode oferecer elementos cruciais para possibilitar novos tipos de pontos de vista e inspirar novas organizações. O jornalismo profissionalizado tende a colocar a autonomia profissional antes da audiência (SCHLESINGER, 1978; GANS, 1979 apud SAMMUT, 2007, p. 112), em contraponto, o jornalismo advocatício coloca as missões organizacionais em primeiro lugar.

Enquanto os paradigmas clássicos do jornalismo liberal clamam por princípios de objetividade e neutralidade, para a corrente advocatícia esses princípios podem estar antiquados e não ser mais universalmente aceitos, fazendo com que os jornalistas não se sintam mais obrigados a segui-los e possam rejeitar o princípio da objetividade em seu trabalho, por diversas razões.

Diferentemente do jornalismo objetivo, de paradigma liberal anglo-americano, o jornalismo advocatício é um gênero de jornalismo que adota um ponto de vista não-objetivo, de forma transparente e intencional, com algum propósito social ou político. Ele se diferencia da propaganda, pura e simples, pois possui a intenção de ser factual. Como o viés é intencional, o veículo de comunicação que prática jornalismo advocatício se distingue de outros tipos de mídia enviesados que falham na objetividade proposta.

A corrente advocatícia do jornalismo rejeita a ideia tradicional de que a objetividade é possível na prática, devido à presença de anunciantes como patrocinadores corporativos desses meios de comunicação jornalísticos, preferindo uma diversidade de pontos de vista transparentes em uma variedade de meios de comunicação, pois assim pode melhor servir ao interesse público.

Sem se opor aos paradigmas do jornalismo advocatício, uma cultura política saudável requer uma mídia politizada, para sensibilizar e engajar os cidadãos. Portanto, a ação coletiva é considerada necessária para expandir os meios de comunicação não-comerciais que garantam uma gama mais ampla de pontos de vista (McCHESNEY, 1997, 1999, 2002 apud SAMMUT, 2007, p. 3).

Na área do jornalismo, vários estudos demonstram que, apesar dos esforços em permanecer completamente imparcial, o jornalismo não é impermeável a algum grau de viés implícito, de cunho político, metafísico, pessoal, aplicado de forma intencional ou subconsciente. Não necessariamente isso indica uma absoluta rejeição da existência de uma realidade objetiva, mas o reconhecimento da inaptidão

para reportar na completa objetividade, sem conseguir ficar livre de juízos de valores, pela própria natureza controversa da objetividade no jornalismo.

Muitos jornalistas e estudiosos da área aceitam a ideia pura e filosófica de “objetividade” (TUCHMAN, 1972) como sendo impossível de alcançar (CALCUTT; HAMMOND, 2011), mas ainda ambicionam minimizar o viés em seus trabalhos. Pressupondo que a objetividade é um padrão impossível de ser satisfeito, é possível então assumir que todos os tipos de jornalismo possuem algum grau dentro dos parâmetros do jornalismo advocatício, sendo intencional ou não (FISHER, 2016).

Uma das mais reconhecidas teorizações do jornalismo advocatício emana do artigo de Careless (2000), em que ele expõe uma visão comum de quais padrões jornalísticos o gênero advocatício deve seguir. Eles incluem: 1) articule complexas questões claramente e cuidadosamente em vez de slogans, reclamações ou polêmicas; 2) o jornalista deve reconhecer sua posição e perspectiva de forma honesta e transparente; 3) não espalhar propaganda, não tirar fatos ou citações fora de contexto, não fabricar ou falsificar notícias, não julgar ou suprimir fatos vitais, nem apresentar meias-verdades, pois o jornalista deve ser confiável, preciso e credível; 4) indague questões críticas das pessoas que concordam com você, explore argumentos que desafie sua perspectiva, e reporte fatos constrangedores que dão apoio à perspectiva da oposição; 5) não é necessário conceder o mesmo tempo e espaço a seus oponentes, mas nunca os ignore; 6) faça uso de fontes neutras para estabelecer fatos; 7) seja honesto e completo.

Careless (2000) também critica os maiores e mais famosos veículos de comunicação por realizar uma cobertura jornalística desbalanceada e politicamente enviesada, com conflitos de interesse, negligenciando certas causas. A mídia alternativa tem a vantagem da independência, além de um maior foco em certas causas, por isso são mais efetivos em advogar pelo interesse público do que os principais veículos de comunicação.