• Nenhum resultado encontrado

O juízo de valor de Kierkegaard sobre Agostinho

No documento humbertoaraujoquagliodesouza (páginas 45-61)

CAPÍTULO 1: KIERKEGAARD E AGOSTINHO

1.2. O juízo de valor de Kierkegaard sobre Agostinho

Após as considerações acima, sobre a porção da “extensa sombra” do agostinianismo sob a qual Kierkegaard produziu sua obra, há dois importantes pontos que cumpre examinar, ambos relacionados àquilo que Barrett chamou de “avaliações explícitas de Kierkegaard sobre Agostinho”77. Um deles é a interpretação de passagens dos escritos kierkegaardianos nos quais Agostinho, ou textos indiscutivelmente agostinianos, são citados. Esse ponto é indissociável do exame comparado que se pretende fazer entre ideias agostinianas e kierkegaardianas, tanto nas “avaliações explícitas” quanto nos textos em que se pode identificar as “justaposições” ou as “ressonâncias temáticas”. O outro ponto, que também é importante para qualquer estudo desta natureza, diz respeito aos juízos de valor que Kierkegaard fazia sobre Agostinho.

Este ponto é tão problemático quanto importante. É importante quando se leva em consideração tudo o que foi afirmado até aqui acerca das dificuldades de se avaliar as concordâncias ou discordâncias entre as ideias de ambos os pensadores. Afinal, por se tratar de um escritor com estilo tão peculiar, que se comunica indiretamente, e que frequentemente faz uso de ironia, é preciso maior atenção nas interpretações de seus argumentos, de suas disputas e das polêmicas que travava tanto com seus contemporâneos quanto com outros autores já falecidos em seu tempo. E é problemático porque é possível encontrar dentre os escritos de Kierkegaard tanto um elevadíssimo elogio a Agostinho quanto reprimendas muitíssimo severas. O uso de superlativos aqui não é inadequado e se justifica plenamente. Os

76 Basta comparar o que se lê em SKS 4, 388-390 [Søren KIERKEGAARD. O conceito de angústia, p. 93-94]

com o texto agostiniano.

77 Lee BARRETT. Eros and Self-Emptying, p. 53. No original: “Kierkegaard’s Explicit Evaluations of

juízos de valor que Kierkegaard faz sobre Agostinho em seus Papirer foram objeto de discussão entre a maior parte dos acadêmicos que investigaram as relações entre os dois autores, pois parecem apresentar uma espécie de inconsistência, ou inconstância, no modo como Kierkegaard apreciava o filósofo romano, ora parecendo concordar com ele e considerá- lo um modelo a ser seguido tanto no campo intelectual quanto no campo religioso e existencial, ora repreendendo-o severamente tanto como pensador quanto como homem e sacerdote, atribuindo à influência e aos escritos do Bispo de Hipona um grande malefício ao cristianismo.

Para se fazer um exame do juízo de valor que Kierkegaard fazia sobre Agostinho, é preciso examinar, em primeiro lugar, suas anotações nos diários e cadernos, os Papirer. Mas é preciso levar em conta também as relações entre essas anotações e os argumentos em obras publicadas, pois elas parecem deixar o problema ainda mais confuso. Afinal, no mesmo período em que Kierkegaard fazia observações geralmente positivas sobre Agostinho (na década de 1840), ele parece argumentar contra as ideias do Bispo de Hipona quando escreve O Conceito de Angústia, de Haufniensis. Para mostrar esse contraste de juízos de valor conflitantes, é preciso transcrever aqui algumas das mencionadas anotações dos Papirer. Três delas são bastante significativas. Em 1848, Kierkegaard escreveu:

O que é curioso sobre o modo como os homens falam a respeito de Deus ou sobre seus relacionamentos com Deus é que nunca parece ocorrer a eles que Deus também os ouve falando. Alguém diz: no presente momento eu não tenho a oportunidade ou a concentração para pensar em Deus – mas só daqui a pouco. Ou, ainda melhor, um jovem diz: “agora eu sou muito jovem; eu quero aproveitar a vida primeiro – e então”. Eu me pergunto se seria possível falar desse jeito se eles pensassem que Deus os ouve. Mas a reduplicação quase nunca é vista. Eu realmente não conheço nenhum único autor religioso (exceto, talvez, Agostinho) que efetivamente reduplica seu pensamento78.

Esta é a nota de diário de Kierkegaard onde se lê o maior elogio que o pensador dinamarquês poderia fazer a um autor. Examinando a primeira parte da nota, vê-se claramente que Kierkegaard descreve uma atitude em tudo contrária à que Agostinho deixa transparecer, pelo menos no texto das Confissões. Os homens falam de Deus e de suas vidas como se Deus não pudesse ouvi-los, ao passo que Agostinho, nas Confissões, fala para Deus, de tal maneira que se poderia dizer que o célebre livro de Agostinho foi escrito em segunda pessoa. O autor

78 NB 5: 117. SKS 20, 418: “Det Mærkelige i den Maade, paa hvilken Mskene tale i Forhold til Gud ell. om

deres Forhold til Gud, er, at det ganske synes at undgaae dem, at Gud jo ogsaa hører det. En Mand siger: nu har jeg ikke Leilighed ell. Samling til at tænke paa Gud, men om nogen Tid. Eller endnu bedre: et ungt Msk. siger: nu er jeg for ung, jeg vil først | nyde Livet – og saa.« Mon det var muligt, at tale saaledes, hvis man betænkte, at Gud jo ogsaa hører det. Men Reduplikationen seer man næsten aldrig. Jeg kjender egl. ikke een eneste religieus Forfatter (det skulde da være Augustinus) der egl. reduplicerer sin Tanke.”

pressupõe sempre que é Deus quem está a ouvi-lo, que é Deus o receptor e destinatário daquilo que ele confessa. Mas Kierkegaard parece descrever justamente a atitude que Agostinho afirmava ter em sua adolescência, quando declara nas Confissões:

Eu, jovem tão miserável, sim, miserável desde o despertar da juventude, Vos tinha pedido a castidade, nestes termos: “Dai-me a castidade e a continência, mas não já”. Temia que me ouvísseis logo e me curásseis imediatamente da doença da concupiscência que antes preferia suportar que extinguir. Tinha andado por maus caminhos, em sacrílega superstição, não que estivesse certo dela, mas porque a antepunha a outras verdades que não procurava com piedade e combatia hostilmente79.

A descrição feita por Kierkegaard dos jovens que “querem aproveitar a vida primeiro” é bem condizente com o que Agostinho confessa a Deus. Mas o Agostinho adolescente, que não queria a castidade e temia que Deus o ouvisse, é diferente do Agostinho sacerdote e maduro, que escreve as Confissões. Este Agostinho mais velho é o que “reduplica seu pensamento”. Reduplicação é uma palavra importante no pensamento kierkegaardiano, e Julia Watkin afirma que “Kierkegaard usa esse termo para indicar o ser aquilo que se diz – ou seja, colocar em prática o modo como alguém pensa que se deve viver”80. É a coerência entre existência e discurso, em poucas palavras. Quando Kierkegaard, pela pena de Climacus, aborda o tema da verdade subjetiva no Pós-escrito, ele fala em reduplicação:

Quando surge a questão da verdade para o espírito existente qua espírito existente, aquela reduplicação abstrata da verdade reaparece; mas a própria existência, a própria existência no inquiridor, que por certo existe, mantém os dois momentos apartados um do outro, e a reflexão mostra duas relações. Para a reflexão objetiva, a verdade se torna algo objetivo, um objeto, e aí se trata de abstrair do sujeito; para a reflexão subjetiva, a verdade se torna a apropriação, a interioridade, a subjetividade, e aí se trata justamente de, existindo, aprofundar-se na subjetividade81.

Esse tornar-se apropriação e subjetividade da verdade, do qual fala Climacus, refere- se precisamente àquela coerência plena entre discurso, palavras, conceitos, pensamento, e

79 Aurélio AGOSTINHO. Confissões, p. 179. PL 32, Confessionum, VIII, 7.17: “At ego adulescens miser valde,

miser in exordio ipsius adulescentiae, etiam petieram a te castitatem et dixeram: ‘Da mihi castitatem et continentiam, sed noli modo’. Timebam enim, ne me cito exaudires et cito sanares a morbo concupiscentiae, quem malebam expleri quam extingui. Et ieram per vias pravas superstitione sacrilega non quidem certus in ea, sed quasi praeponens eam ceteris, quae non pie quaerebam, sed inimice oppugnabam.”

80 Julia WATKIN. Historical Dictionary of Kierkegaard’s Philosophy, p. 210. No original: “Kierkegaard uses

this term to indicate being what one says – that is, putting into practice how one thinks one ought to live”.

81 Søren KIERKEGAARD. Pós-escrito às migalhas filosóficas, vol. I, p. 202. SKS 7, 176: “Idet der for den

existerende Aand qva existerende bliver Spørgsmaal om Sandheden, kommer hiin Sandhedens abstrakte Reduplikation igjen, men Existentsen selv, Existentsen selv i Spørgeren, der jo existerer, holder de tvende Momenter ud fra hinanden, og Reflexionen udviser tvende Forhold. For den objektive Reflexion bliver Sandheden et Objektivt, en Gjenstand, og det gjælder om at see bort fra Subjektet; for den subjektive Reflexion bliver Sandheden Tilegnelsen, Inderligheden, Subjektiviteten, og det gjelder netop om existerende at fordybe sig i Subjektiviteten”.

existência. Quando escreveu a nota de diário citada acima, afirmando que Agostinho é talvez o único dos escritores que ele conhece que efetivamente reduplica seu pensamento, Kierkegaard já havia escrito e publicado, sob o pseudônimo Climacus, essas palavras encontradas no Pós-escrito. O juízo de valor que ele faz de Agostinho em 1848, portanto, é muito elevado. Essa admiração que Kierkegaard mostra por Agostinho nos anos 1840, e até o ano de 1851, é compreensível também a partir da influência da literatura secundária que já foi discutida acima. O modo como outros autores retratam Agostinho e os Pais da Igreja é bastante condizente com a admiração que Kierkegaard tinha pelo cristianismo da antiguidade, tão diferente da cristandade institucionalizada de seu tempo. Lee Barrett assim se expressa sobre esse ponto:

Kierkegaard expressa admiração pelos primeiros Pais da Igreja em geral, entre os quais ele sempre situou Agostinho, porque suas vidas expressavam a seriedade e o pathos dos quais a cristandade contemporânea tão frequentemente carecia. Como é evidente, Kierkegaard foi atraído pelas descrições de Agostinho como um discípulo sério de Cristo, com uma piedade apaixonada, desenvolvidas por estudiosos como Böhringer, Neander, de Wette, e outros82.

Até 1851, Kierkegaard continua escrevendo de um modo que expressa concordância e apreço pelas ideias de Agostinho. Especialmente no ano de 1851, Kierkegaard faz constantes referências ao pensamento de Agostinho por causa de suas leituras de Böhringer, teólogo suíço do século XIX e biógrafo do Bispo de Hipona. Das onze notas dos Papirer nas quais Agostinho é mencionado em 1851, nove fazem referência a Böhringer, e apenas duas mencionam Agostinho sem mencionar seu biógrafo suíço83. É possível até mesmo afirmar que aquelas referências ao filósofo bérbere-romano em 1851 são muito mais reflexões sobre um agostinianismo específico, o de Böhringer84, do que sobre o pensamento de Agostinho considerado em si mesmo. Dentre essas anotações, é digna de menção aquela feita no diário NB 23: 16785, na qual Böhringer, interpretando Agostinho, faz uma apologia da autoridade quando esta pretende combater os obstáculos e barreiras que impedem alguém de chegar até a fé. Kierkegaard parece concordar com esse papel da autoridade, e com a ressalva de que ela

82 Lee BARRETT. Eros and Self-Emptying, p. 55. No original: “Kierkegaard expresses admiration for the early

church fathers in general, among whom he always placed Augustine, because their lives expressed the earnestness and pathos that contemporary Christendom so often lacked. As is evident, Kierkegaard had been attracted to the depictions of Augustine as an earnest disciple of Christ with a passionate piety that had been developed by such scholars as Böhringer, Neander, de Wette, and others”.

83 Cf. Robert PUCHNIAK. Kierkegaard and Augustine: A Study in Existence, p. 199-202.

84 A influência de Böhringer sobre Kierkegaard, a partir das leituras que o dinamarquês fez desse teólogo suíço

em 1851, foi significativa, e deve ser levada em consideração em pesquisas sobre os últimos anos da vida do filósofo de Copenhague, de acordo com análise do Prof. Niels Jørgen Cappelørn, dada em entrevista ao autor desta tese em 07 de junho de 2016.

não conduz ninguém à fé, uma vez que a fé não pode ser dada pela força, não pode ser forçada pela autoridade. Nessa anotação de diário, Kierkegaard faz explícita menção à polêmica entre Agostinho e os Donatistas, sempre se referindo ao texto de Böhringer.

A admiração por Agostinho expressada por Kierkegaard naquela anotação de 1848, citada acima, contrasta fortemente com o que o pensador de Copenhague passou a escrever sobre o Bispo de Hipona em 1853, e mais ainda com as notas dos Papirer em 1854. Os juízos de valor negativos em relação a Agostinho, a partir de 185386, estão quase sempre ligados a uma identificação do agostinianismo com perspectivas às quais Kierkegaard se opôs, oposição esta que se intensificou nos últimos anos de vida do pensador de Copenhague. Uma “confusão do cristianismo”, como Kierkegaard afirmou na referida nota de 185387. Nesses três últimos anos de vida, Kierkegaard passa a associar o agostinianismo à intelectualização da fé promovida pela filosofia especulativa. Kierkegaard critica especificamente a ideia de que é possível uma progressão que vai da fé ao conhecimento. Para Kierkegaard, “Deus não atuou no papel de um docente que apresenta algumas doutrinas nas quais a pessoa deve antes acreditar para depois entender”88, conforme escreveu em 1854 no diário NB 30:57 sob a rubrica “Augustinus”. Esta mesma anotação de diário afirma o seguinte:

A. [Agostinho], contudo, fez um estrago incalculável. Todo o sistema de doutrina através dos séculos se apóia essencialmente nele – e ele confundiu o conceito de “fé”. De modo bem simples, Agostinho restabeleceu a definição platônico- aristotélica, toda a definição filosófica grega pagã de fé. [...] Porém, já no tempo de A. [Agostinho], o cristianismo estava muito, demasiadamente, confortável, se comprazia em permitir que o acadêmico e o científico emergissem – com sua presunçosa e mal compreendida importância – e então nós ganhamos a filosofia pagã – e supõe-se que isso seja progresso cristão.89

Kierkegaard, aqui, associa Agostinho diretamente ao paganismo, a uma mentalidade pagã, algo que jamais havia feito antes, uma opinião bem diferente das ideias que ele desenvolveu nas obras publicadas antes de 1846. Em outra passagem de diário, o NB 31:42, de 1854, Kierkegaard apresenta aquela que pode ser considerada a mais severa reprimenda (de um ponto de vista kierkegaardiano) a um pensador: Kierkegaard acusa Agostinho de

86 Cf. NB 28:43, SKS 25, 249.

87 Idem. No original: “Christendommens Forvirring”.

88 SKS 25, 433. No original: “Gud er ikke optraadt i Charakteer af Docent, som har nogle Læresætninger, man

først maae troe, siden begribe”

89 SKS 25, 432-433. No original: “A. har dog gjort uberegnelig Skade. Hele det christelige Lærebegreb gjennem

Aarhundrederne støtter sig egl. til ham – og han har forvirret Begrebet »Tro«.

A. har ganske simplement bragt den platonisk-aristoteliske Bestemmelse, hele den græske philosophiske hedenske Bestemmelse af Tro op igjen […] Men allerede paa Augustins Tid havde Χstd. meget for meget Ro, fik Tid til at det Videnskabelige kunne komme op med samt dets indbildske og misforstaaede Vigtighed – og saa faaer vi hedensk Philosophie, og det skal være det christelige Fremskridt”.

argumentar com base em números! A partir do que leu em Böhringer, o pensador de Copenhague afirmou:

Ó, Sócrates, você foi e é, no fim das contas, o único filósofo no reino do puramente humano. Os assim chamados filósofos cristãos – que cabeças-de- vento! Considere o muito aclamado Agostinho! Em algum lugar (Cf. Böhringer, op. cit., I, p. 322-324) ele discute com os Donatistas mais ou menos assim: O que uma dúzia de homens como vocês pensam que são contra toda a Igreja Cristã, como se uma dúzia de homens como vocês possuíssem a verdade. Ó Sócrates, pode isto ser chamado de filósofo! Ele argumenta acerca da verdade com base em números. E um pensador cristão! No entanto, o cristianismo se relaciona com a categoria do indivíduo singular90.

Como compreender esses juízos de valor tão diferentes? Do fascínio pelo único pensador que reduplica seu pensamento, Agostinho chegou a ser chamado por Kierkegaard de “cabeça-de-vento”. Puchniak e Barrett sugerem, cada um a seu modo, que a apreciação que Kierkegaard fazia de Agostinho era ambivalente. Em sua análise dessa ambivalência, Barrett percebe que Kierkegaard admira o Agostinho que representa o homem que se desespera ao perceber suas falhas morais e espirituais, mas que aprende a confiar no amor de Deus. É o Agostinho voltado para as vicissitudes da existência e da condição humana após a queda, o Agostinho capaz de “soar o alarme sobre as profundezas da corrupção humana e capacitar o leitor para sentir o peso esmagador da culpa”91. Por outro lado, ainda segundo Barrett, o Agostinho repreendido e rejeitado por Kierkegaard é aquele que é percebido como pensador sistemático, que “inventou a doutrina da predestinação”92, e cujas doutrinas acerca do pecado e da graça dificultam a afirmação da responsabilidade humana. Como se verá no próximo tópico (e isto deve ser reforçado aqui), esse Agostinho que elimina a possibilidade de atribuição de responsabilidade ao homem é reflexo do agostinianismo característico daquela cultura luterana na qual Kierkegaard viveu.

Puchniak tem uma opinião semelhante à de Barrett, e fala em temos de uma “avaliação bifurcada”. Ele inclusive deu a seu texto no KRSRR o sugestivo título de “A admiração temperada de Kirkegaard por Agostinho”. Segundo Puchniak,

A avaliação de Kierkegaard das ideias de Agostinho era bifurcada em duas partes distintas: de um lado, Kierkegaard via Agostinho como um “autor religioso” cuja

90 SKS 26, 31: “O Socrates, Du var og er dog den eneste Tænker blandt hvad der blot er Msk.

De saakaldte christelige Philosopher, hvilke forvirrede Hoveder! Tag den saa udraabte Augustin! Han argumenterer etsteds mod Donatisterne saaledes: hvad ville I halvsnees Msker bilde Eder ind ligeoverfor hele den christelige Kirke, som have I halvsnees Msker Sandhed. O, Socrates, ikke sandt det kan man kalde en Tænker! han argumenterer i Forhold til Sandhed fra det Numeriske. Og en christelig Tænker! Medens Christendom just hviler i dette om den Enkelte”.

91 Lee Barrett. Eros and Self-Emptying, p. 63. No original: “[…] sound the alarm about the depths of human

corruption and enable the reader to feel the crushing weight of guilt”.”

vida exemplificou as “provações espirituais” do tornar-se cristão. Kierkegaard também pensava que Agostinho havia trazido a atenção necessária para uma dimensão chave do cristianismo: a autoridade divina da Encarnação que pôs à prova o entendimento humano e demandou uma resposta de obediência ou rejeição. Mas, por outro lado, Kierkegaard foi um crítico do que ele pensava ser uma distorção do cristianismo em direção a um sistema racional de doutrina que compreendia mal o que a “fé” acarreta. Tal “confusão,” disse Kierkegaard, interpreta mal a fé como se fosse alguma coisa intelectual, e perde o “existencial” ao transformar o cristianismo em filosofia. Aos olhos de Kierkegaard, Agostinho poderia ser assim tanto um vilão quanto uma fonte de valiosa percepção para a existência cristã93.

Tanto Barrett quanto Puchniak não deixam de ter razão em suas avaliações. Eles percebem que, quando Agostinho é associado a uma perspectiva contra a qual Kierkegaard polemizava, como a identificação do cristianismo com uma doutrina racional e passível de apreensão pelo intelecto, ou a identificação da fé com um sistema filosófico acessível ao entendimento, então o pensador de Copenhague se mostra hostil àquilo que é atribuído ao pensador de Tagaste. Mas quando Agostinho é percebido como um exemplo de reduplicação, de homem que percebia a dimensão existencial da fé e o valor do cristianismo para a interioridade, então Kierkegaard se mostra favorável ao Bispo de Hipona.

Contudo, há um problema com essas interpretações de Puchniak e Barrett. Elas acabam por passar ao leitor a impressão de que Kierkegaard avaliou Agostinho de modo uniformemente ambivalente, ao longo de toda a sua carreira como escritor e pensador. Ou seja, fica parecendo que Kierkegaard sempre se mostraria hostil a Agostinho quando alguns pontos fossem postos em discussão, e sempre se mostraria favorável a ele quando fossem discutidas outras questões. Mas isso seria um engano. Como visto acima, Kierkegaard chegou até mesmo a escrever uma nota de diário em 1851 concordando com as posições de Agostinho nas disputas com os Donatistas, ao passo que, em 1854, ele insulta Agostinho ao pensar justamente naquela mesma questão. O que se deve também levar em conta é um dado cronológico bastante simples, também já mencionado acima: até 1851, todas as referências a Agostinho nos Papirer são compatíveis com juízos de valor favoráveis, ao passo que, de 1853

93 Robert PUCHNIAK. Kierkegaard’s Tempered Admiration of Augustine, p. 15-16. No original: “Kierkegaard’s

evaluation of Augustine’s ideas were bifurcated into two distinct parts: on the one hand, Kierkegaard saw Augustine as a “religious author” whose life exemplified the “spiritual trials” of becoming a Christian.

No documento humbertoaraujoquagliodesouza (páginas 45-61)

Documentos relacionados