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saúde. 4.4. Instrumentos legais de controle e aferição da eficiência das despesas com saúde.

Como destacado no capítulo introdutório, a premissa básica do presente trabalho é que os direitos têm custos; a segunda, que a cada direito fundamental corresponde (a pelo menos) um dever o Estado; e a terceira, o custo do direito não necessariamente é igual ao custo do dever do Estado.

O estabelecimento ou reconhecimento de direitos positivos pelo Estado, de fato implica em que as prestações estatais são sempre positivas184 . Assim, tende-se a superar a

divisão entre direitos positivos e negativos, mesmo quando se refiram aos direitos fundamentais, uma vez que o Estado sempre agirá para proteger, afirmar ou promover os direitos dos cidadãos185. Essa compreensão é compatível com a ideia de superação da tese das “gerações”

de direitos – ou mesmo de “dimensões”, como discutido no Capítulo 2.2. Por outro lado, cumpre destacar que trataremos de direitos prestacionais em sentido estrito, em linha com Alexy, isto é, direitos a algo que se demanda do Estado, porém capazes de obter-se no mercado, desde que disponível.186. Importa mencionar, no plano dogmático, os “direitos a prestações previstos de

184 HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The Cost of Rights. Why liberty depends on taxes. New York: W. W.

Norton, 1999.

185 Cf. HOLMES; SUSTEIN. op. cit. Cap. 1.

186 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015, pág. 499: “Direitos a

prestação em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares.”.

forma expressa (...) e direitos a prestação atribuídos por meio de interpretação” de modo a traçar um panorama de normas de estrutura segundo os seguintes critérios: se se tratam de direitos subjetivos ou deveres objetivos do Estado, se estes são vinculantes ou não-vinculantes e se se tratam de norma que fundamentem direitos e deveres definitivos ou prima facie, isto é, regras ou princípios187.

Com a Constituição de 1988, o Estado brasileiro assumiu, mais do que em qualquer outro período histórico, uma gama de obrigações (deveres), mormente os de cunho social, na tentativa de implementar positivamente o “Estado de Bem-Estar Social”188, mesmo

quando já estava esse conceito em crise189, e que, por outro lado, impuseram o debate sobre as

escolhas alocativas e a escassez190. De todo modo, sob a perspectiva da atividade financeira do

Estado (Direito Financeiro), são necessários recursos públicos para executar as necessidades públicas, isto é, o Estado precisa de recursos financeiros para que possa cumprir seus objetivos e deveres191, especialmente os prestacionais; sem recursos, o Estado não viabiliza o gozo de

nenhum direito dos cidadãos192. Para tanto, o balanceamento entre receitas e despesas se faz

imprescindível, cuja gestão revela, entre outras, informações sobre a capacidade gerencial do

187 Idem, ibidem, pág. 500-502. A discussão sobre estes critérios foge ao escopo do presente trabalho, logo não se

expandirá o tema.

188 JESSOP, BOB. Política Social, Estado e “Sociedade”. SER social, Brasília, v.15, n. 33, p261-384, jul-dez.

2013. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Da Administração Pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público. Ano 47, v. 120, n. 1, pág. 7-40, jan-abr. 1996.

189 “A dificuldade analítica para distinguir corretamente os casos de retrocesso dos casos de acomodação ou

calibração inicia-se pela própria caracterização do que seria um Estado de Bem-Estar e dos seus tipos ideais ou “regimes”, passando pela escolha das variáveis apropriadas para medir a evolução das características previamente definidas. As primeiras especulações a respeito de uma crise terminal do Estado de Bem-Estar, da parte tanto de neomarxistas quanto de neo-liberais conservadores, aparentemente, não exerceram papel estruturante sobre o debate subsequente, que estaria oscilando entre hipóteses mais contidas diante dos desafios e pressões colocados pelas crescentes internacionalização do sistema econômico e redução dos espaços de ação política dos Estados nacionais, a saber: a hipótese do retrenchment versus a hipótese da mera reestruturação dos welfare states”. SCHUARTZ, Luis Fernando. Universalização dos fins e particularização dos meios: política social e significado normativo dos direitos fundamentais. Revista Direito GV. v. 5, n. 2, p. 359–376, dez. 2009. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/ S1808-24322009000200005. Acesso em: 16 abr. 2016.

190 VALLE, Vanice Regina Lírio do. Direito fundamental à boa administração e governança: democratizando

a função administrativa. 2010. 254 p. Tese (Pós-doutorado em Administração) FAV/EBAPE, Rio de Janeiro, 2010. (mimeo). pág. 60. Disponível em http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/6977, acesso em 07.02.2016.

191 GOMES, Carlos Roberto de Miranda. Manual de Direito Financeiro e Finanças Públicas. 3 ed. Editora F3D:

Natal, 2006.

Estado, especialmente quando fica evidenciado, no Orçamento Público, quais escolhas públicas193 foram feitas e o modo planejado de prover os recursos.

No momento atual, porém, pós-crise mundial de 2008, o Brasil vê agudizar sua crise fiscal, tendo o Estado brasileiro adentrado pelo segundo exercício fiscal consecutivo em

déficit orçamentário194 , inflação recrudescente195 e recessão econômica196 . Esse quadro se

mostra desafiador para o Estado brasileiro, uma vez que, para além das discussões teoréticas acerca dos princípios da vedação ao retrocesso, mínimo existencial e escolhas alocativas, se depara com o ambiente econômico marcado por retração das receitas públicas e alta inflação para cumprir seus deveres constitucionais, especialmente garantir os direitos fundamentais sociais (prestacionais).

Nesse ambiente e clima, a ação governamental será testada, com muito mais vigor, no quesito das escolhas alocativas, de cunho político e legal, como sói a definição das despesas públicas197. Também nesse quadro, pode-se discutir o próprio alcance dos direitos

fundamentais, como destacado por Canotilho:

193 “Por escolhas públicas deve-se entender aquelas atividades de decisão dos agentes políticos, mediante atos

legais ou administrativos, segundo critérios democráticos ou funcionais controlados pelo Direito, exercidas ao longo de toda a atividade financeira do Estado. (...) Esclareça-se, desde logo, que a expressão "escolha pública" não equivale a alguma tradução da usualmente referida à escola americana da public choice”. Cf. TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Financeiro. Teoria da Constituição Financeira. São Paulo: RT, 2014, pág. 118.

194 “Encerrado o ano de 2015, verificou-se que o Aoverno Federal atingiu déficit primário de R$ 118,4 bilhões,

composto de déficits do Aoverno Central de R$ 116,7 bilhões e das Empresas Estatais Federais de R$ 1,7 bilhão, resultado superior ao mínimo exigido na LDO (déficit de R$ 118,7 bilhões).” BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional/MF. Secretaria de Orçamento Federal/MPOA. Relatório de Avaliação de Cumprimento das Metas Fiscais Exercício de 2015. Brasília, fev./2016. Disponível em https://www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-de- cumprimento-de-metas. Acesso em 01/06/2016.

195 “Em 2015, a taxa de inflação medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)

alcançou 10,67%, ultrapassando, assim, o limite superior do intervalo de tolerância de 2,0 pontos percentuais (p.p.) acima da meta de 4,5% ao ano (a.a.), estabelecida pelo CMN por meio da Resolução nº 4.237, de 28 de junho de 2013”. Aviso 1/2016−BCB, de 8 de janeiro de 2016. Carta Aberta de que trata o parágrafo único do art. 4º do Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999, do Presidente do Banco Central do Brasil ao Ministro de Estado da Fazenda. Disponível em http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/carta2016.pdf. Acesso em 12/03/2016.

196 “O PIB em 2015 sofreu contração de 3,8% em relação ao ano anterior, a maior da série histórica iniciada em

1996. Em 2014, o PIB havia ficado praticamente estável (+0,1%). Em decorrência desta queda, o PIB per capita alcançou R$ 28.876 (em valores correntes) em 2015, após ter recuado (em termos reais) 4,6% em relação ao ano anterior”. IBAE, A Economia Brasileira no 4º Trimestre de 2015: Visão Geral. Disponível em ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Comentarios/pib-vol-val_201504

comentarios.pdf. Acesso em 12/03/2016.

“É óbvio que os tribunais não podem ficar alheios à concretização judicial das normas directoras da constituição social. Não pode é impor-se à metódica constitucional a criação de pressupostos de facto e de direitos claramente fora da sua competência ou extravasando os seus limites jurídico-funcionais. Os tribunais não podem neutralizar a liberdade de conformação do legislador, mesmo num sentido regressivo em épocas de escassez e de austeridade financeira. Isso significa que a chamada tese da “irreversibilidade de direitos sociais adquiridos” deve entender- se com razoabilidade e com racionalidade, pois poderá ser necessário, adequado e proporcional baixar os níveis de prestações essenciais para manter o núcleo essencial do próprio direito social”198.

Estas observações se agudizam porque será pela ação do legislador ordinário que se farão os ajustes nas políticas públicas, que visam a garantir a concretização do programa constitucional especialmente quanto aos direitos fundamentais.

4.1 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E EFICIÊNCIA DO DIREITO.

A chamada escola da “Análise Econômica do Direito - AED” (Law and

Economics) surgiu nos Estados Unidos da América, e ganhou corpo na década de 1960 com a

publicação The Problem of Social Cost, de Ronald Coase, em 1961, pelo Journal of Law and

Economics.199

198 CANOTILHO, José Joaquim Aomes. O Direito Constitucional como Ciência de Direcção: o núcleo essencial

de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (Contributo para a reabilitação da força normativa da “constituição social”). Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 22, fev. 2008. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Jose_Canotilho.htm Acesso em: 22 jul. 2016.

199 “Identificar qual a teoria econômica que melhor reflete o núcleo central do Law and Economics não é tarefa

fácil. A maioria dos pesquisadores que se debruçam atualmente sobre o tema prefere não entrar nesse debate, contentando-se em apresentar a Análise Econômica do Direito como uma escola eclética, que comportaria diversas

A Análise Econômica do Direito se apresenta, com fundamentos na teoria econômica, como instrumento técnico para operação jurídica da decisão em busca da eficiência200.

As premissas básicas da AED são o individualismo metodológico e as escolhas racionais, uma vez que os indivíduos agem sempre de forma a maximizar sua satisfação respondendo racionalmente, portanto, a incentivos e desincentivos externos201. Essas premissas

conduzem a maior eficiência do sistema, que vem a ser o objetivo desta metodologia202.

Importa destacar a ênfase que se dá no quesito “eficiência” para a AED, com forte sede na Ciência Econômica trasladando-o para o Direito. No nosso ordenamento jurídico, a eficiência foi introduzida pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998, como um dos princípios basilares da Administração Pública (CF, art. 37, caput). Nesse sentido, mais do que ligar-se à noção de “eficiência” no plano da dogmática jurídica ou da teoria geral do direito (às normas), a eficiência de que trata o princípio se dirige à atividade da Administração Pública203, inclusive

no plano da gestão orçamentária, tangenciando o princípio da economicidade204. Desta maneira,

a eficiência diz respeito a ação administrativa voltada para atingimento dos fins lícitos, por vias lícitas, para resolver problemas que a Ordem Jurídica impõe ao Estado; noutras palavras, “toda a ação administrativa deve ser orientada para a concretização material e efetiva da finalidade

tradições. Os professores Mercuro e Medema, por exemplo, listam como subdivisões teóricas do Law and

Economics, a Escola de Chicago, a teoria da Public Choice, a Escola Institucionalista e Neo-institucionalista, a

Escola de New Haven, o Moderno Republicanismo e, até mesmo, a Escola do Critical Legal Studies” COELHO, Cristiane de Oliveira. A Análise Econômica do Direito enquanto Ciência: uma explicação de seu êxito sob a perspectiva da História do Pensamento Econômico. In: XI Annual Alacde Conference, 2007, Brasília. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers. Berkeley: University of California, 2007. p. 1-26. Disponível em http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/050107-10. Acesso em 30/01/2016.

200 LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. A análise econômica do Direito como método e disciplina. E-civitas

Revista Científica do Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do UNI-BH Belo Horizonte, vol. I, n. 1, nov-2008. ISSN: 1984-2716. Disponível em: www.unibh.br/revistas/ecivitas. Acesso em 20/01/2016.

201 COELHO, Cristiane de Oliveira. op. cit., pág. 8. 202 LARA, Fabiano Teodoro de Rezende. op. cit., pág. 9. 203 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. op. cit., pág. 126.

204 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário. Vol. V: o orçamento na

posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo”205. Contudo, do ponto de

vista econômico e econométrico, há indicadores para aferir a eficiência do gasto público quanto a geração de bem-estar a população, o que é indicativo da realização ou satisfação de direitos206.

Como princípio, há de se realçar que se constitui em um mandato de otimização207, ou seja, deve o Estado-Administração – para quem se dirige este princípio –

envidar a melhor gestão para alcançar, no grau máximo, o resultado finalístico da ação estatal, o sentido teleológico da norma, bem como qualificar as tarefas do Estado. Nesse quesito, aliás, as normas constitucionais definidoras de tarefas do Estado208 ganham relevo, tais como na

formulação das políticas de saúde pública, cuja aplicação eficiente será aferida no exercício da discricionariedade administrativa209.

A eficiência, por sua vez, do ponto de vista jurídico e das políticas públicas, pode ser aferida em graus: forte/máximo, moderado/médio e fraco/mínimo, segundo os critérios de disponibilidade de recursos, tecnologia e planejamento (formulação política)210. Em termos de

eficiência na concretização dos direitos sociais, mormente o da saúde, comentando sobre a doutrina dos níveis essenciais das prestações (Livelli essenziali delle prestazioni - LEP), consagrada na Constituição italiana, Canotilho211 destaca:

“(i) o nível essencial de uma prestação referente a um direito social consubstancia um autêntico direito individual irrestringível

205 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista de Direito

Administrativo, v. 220, pág. 167-177, abr./jun. 2000. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v220.2000.47532

206 MATTOS, Enlinson; TERRA, Rafael. Conceitos sobre eficiência. In: BOUERI, Rogério; ROCHA, Fabiana;

RODOPOULOS, Fabiana. Avaliação da Qualidade do Gasto Público e Mensuração da Eficiência (Org.). Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2015. Pág. 211-233. Esse estudo aponta conceitos da Economia para eficiência, eficácia e efetividade bastante próximos dos utilizados pelo Direito.

207 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2015. 208 HESSE, Konrad. Op. cit., pág. 40.

209 Cf. FRANÇA, Vladimir da Rocha. op. cit., pág. 174. 210 MENDONÇA, Fabiano André de Souza, op. cit., pág. 146.

211 CANOTILHO, José Joaquim Aomes. O Direito Constitucional como Ciência de Direcção: o núcleo essencial

de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (Contributo para a reabilitação da força normativa da “constituição social”). Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 22, fev. 2008. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Jose_Canotilho.htm Acesso em: 22 jul. 2016.

fundado nas normas constitucionais; (ii) a constitucionalização de um direito essencial de prestação constitui uma heterodeterminação constitucional à autonomia normativa e administrativa de todos os níveis de governo começando no governo central e acabando nos governos regionais e locais; (iii) o nível essencial de prestação condiciona as políticas económicas e financeiras”.

Ademais, a doutrina LEP ultrapassa o modelo unidimensional da definição das prestações e propõe uma aproximação multidimensional na determinação dos níveis essenciais, onde pontua212:

“Se bem interpretamos as propostas multidimensionais, elas pretendem conseguir aquilo que as interpretações – concretizações doutrinárias e jurisprudenciais clássicas – não conseguiram até agora: assegurar a efectividade da disciplina constitucional ao nível das prestações sociais. A efectivação passa pelo recurso aos esquemas tradicionais de legislação e regulação porque se considera indispensável uma lei e um regulamento de execução. Aquela disciplinaria as prestações, os destinatários, os indicadores, o sistema informativo, os recursos financeiros, as acções estaduais de suporte, programas de intervenção extraordinária e o remédio para a inobservância de standards. O regulamento devia especificar a lista dos indicadores, individualizando, para cada um deles, o valor objectivo que as administrações devem respeitar.

O que há de novo é a tentativa de introduzir guidelines de boas práticas ou de standards possibilitadores de controlo e que primariamente dirão respeito aos mecanismos de governance e de

accountability, mas que poderão constituir também elementos de

facto para a eventual jurisdicionalização dos conflitos

prestacionais. Mas não só isso: perante a incontornável pressão dos custos dos serviços de saúde e consequentes políticas de racionalização, a metodologia mais segura para a garantia dos direitos não é a da subsunção positivistaconstitucional, mas a de recortar o núcleo duro da subjectivização dos direitos sociais”.

E segue:

“Outra forma de dar efectividade à direcção normativo constitucional do direito fundamental à saúde é a de a metódica constitucional estar atenta aos outros instrumentos de direcção, designadamente os instrumentos reguladores e a carta de direitos dos utentes. Mesmo que se aceite a lógica sistémica da diferenciação e autonomização de sistemas – sistemas de saúde, sistemas de segurança social –, a direcção através do direito constitucional pode concretizar-se através de boas práticas emergentes da clinical governance. A qualidade dos serviços de saúde – quer sob o ponto de vista clínico, quer do ponto de vista assistencial – com a consequente garantia dos direitos dos utentes, sobretudo dos doentes, pode resultar mais da observância dos padrões técnicos e humanos definidos em códigos de boas práticas do que da execução hierárquica de regulamentos e procedimentos administrativos. Não foi a exegese da constituição e o platonismo subsuntivo que permitiram individualizar os direitos dos utentes (autonomia, informação, vontade previamente manifestada, liberdade de escolha, privacidade, acesso à informação da saúde, não discriminação e não estigmatização, acompanhamento espiritual, primado da pessoa sobre a ciência e a sociedade, direito de queixa e reclamação, equidade no acesso, acessibilidade em tempo útil). Se o direito constitucional quiser continuar a ser um instrumento de direcção e, ao mesmo tempo, reclamar a indeclinável função de ordenação material, só tem a ganhar se introduzir nos seus procedimentos

metódicos de concretização os esquemas reguladores e de direcção oriundos de outros campos do saber (economia, teoria da regulação). E a conclusão parece-nos clara: a governação clínica (clinical governance) é um esquema de boas práticas concretizador do direito à saúde

Uma vez que os direitos fundamentais são introduzidos nos ordenamentos jurídicos quase sempre via Constituição como princípios (mas também como regras), esses aexigem uma atuação estatal (legislativa) para sua positivação; quanto aos direitos fundamentais sociais, mais do que positivação, sua concretização depende da atuação estatal na formulação e implementação de políticas públicas213. Nessa toada, a Análise Econômica do

Direito se presta, em sua dimensão normativa214, a avaliar a adequação de dada política aos

postulados constitucionais215; noutras palavras, se se pode indicar a eficiência desta política.

Assim, se verifica que não é suficiente para o Direito analisar se a norma possui eficácia sintática e semântica, ou seja, se é válida no sistema e alcança (juridiciza) os fatos desejados; ou se é efetiva, no sentido de produzir resultados jurídicos esperados; interessa se é eficiente, no sentido de alterar de modo positivo a realidade social e alcançar os padrões técnicos que se pretende atingir – como, por exemplo, apontados acima nos níveis essenciais das prestações (LEP). A AED é importante nesse processo pois avalia a aderência dos comportamentos individuais aos preceitos normativos e se esses comportamentos estão conforme o esperado pela norma.

213 RIBEIRO, Márcia Carla Pereira; CAMPOS, Diego Caetano da Silva. Análise Econômica do Direito e a

concretização dos direitos fundamentais. Rev. Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 11, n. 11, p. 304-329, jan/jun. 2012.

214 “Em resumo, a AED positiva nos auxiliará a compreender o que é a norma jurídica, qual a sua racionalidade e

as diferentes conseqüências prováveis decorrentes da adoção dessa ou daquela regra, ou seja, a abordagem é eminentemente descritiva/explicativa com resultados preditivos. Já a AED normativa nos auxiliará a escolher entre as alternativas possíveis a mais eficiente, isto é, escolher o melhor arranjo institucional dado um valor (vetor normativo) previamente definido”. GICO JÚNIOR, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 1, n. 1, p. 7-33, Jan-Jun, 2010. http://dx.doi.org/ 10.18836/2178-0587/ealr.v1n1p7-33

Exemplificando: imaginemos determinada Lei Federal que criminalize a automedicação, cominando pena de um mês de detenção, a fim de evitar intoxicação medicamentosa e aumento de demandas por tratamentos evitáveis: somente Lei Federal pode tratar de direito penal (eficácia sintática), logo proibir uma conduta (eficácia semântica); sua efetividade se dará no caso de punir a conduta proibida; porém, a eficiência se mostrará se, de fato, reduzir ou eliminar a automedicação. Nesse caso, a AED pode contribuir (se aplicada) para criticar a opção legislativa (dimensão normativa) entre a norma e seu resultado, considerando os valores e comportamentos socialmente aceitos e a pena imposta em abstrato, a eficiência do