• Nenhum resultado encontrado

O MARKETING NA POLÍTICA: algumas reflexões

Podemos pensar aqui no lugar que o marketing ocupa na atualidade, considerando que ele vai estar articulado a essa lacuna deixada pelos dirigentes políticos, que necessitam de artifícios que sirvam de elo entre eles e o eleitor.

Para Freud, a massa é uma reunião de indivíduos que substituíram seu ideal de eu por um objeto exterior a cada um, em conseqüência do qual se estabelece entre eles uma recíproca identificação de eu, por isso precisam da ilusão de que um dirigente ame a todos de forma justa e igual, como uma forma de manter a sua coesão. Esse é geralmente o discurso fomentado pelo marketing, que constrói a imagem do dirigente baseado naquilo que a população precisa ouvir, necessitando, pois, de estar constantemente informado sobre as demandas desta através das pesquisas eleitorais.

Através do marketing, pode-se amenizar a falta desse dirigente que tanto a população procura: a de um pai provedor, mantenedor da ordem, protetor, que dá seguridade aos indivíduos e que mantém a estabilidade. José Penteado Filho (1987,

16 Ver Psicologia das massas e análise do “eu” (1921)

17 A parcela da população por nós pesquisada. Há indícios de que essa crise da representatividade é

p. 8), no livro Marketing: o que é?, define o marketing “como o conjunto de atividades desenvolvidas por uma instituição, no sentido de satisfazer os desejos e as necessidades dos consumidores e, ao mesmo tempo, atender aos interesses da instituição”. Através das necessidades e desejos humanos, os marketeiros chegam ao produto. Para esse autor, “os produtos só existem em função de sua capacidade de preencher uma expectativa ou um desejo que o consumidor já tenha previamente”. Como os sujeitos se utilizam de objetos para tentar dar conta da falta, da incompletude do ser, a ética dos marketeiros é uma ética da promessa da completude: prometem tamponar essa falta. Avaliamos, portanto, que o marketing político é um sintoma da falta de um lugar para a política na vida do cidadão. Ela não responde mais às aspirações do cidadão e, dessa forma, torna-se necessário um dispositivo que venha dar contornos a essa crise dos ideais políticos e sociais.

Nessa perspectiva, a imagem do candidato que o marketing constrói é aquela cujos atributos se firmam na vida particular, tendo em vista que a coisa pública não empolga, não serve mais como um referente para o eleitor. Essa imagem tenta dotar o candidato de ideais que venham proporcionar ao sujeito a seguridade almejada.

Através dessas características, constrói-se para o eleitor menos prevenido uma realidade que não existe, o que induz a escolhas que não se sustentam em fatos concretos, mas na ficção. O marketing político, portanto, trabalha com os ideais, ou seja, sempre que faz uma pesquisa, tanto no nível qualitativo quanto no nível quantitativo, procura ver qual é o ideal de um produto para os sujeitos. É nessa busca do objeto ideal que o sujeito se enlaça, na tentativa de se defender do impossível, ou seja, da sua condição de desamparado. Diante do desamparo, o que ele precisa é justamente a garantia de que o seu ser será preservado.

Em suma, o marketing político infla o imaginário social dos sujeitos. Tenta dar conta do seu mal-estar, na ilusão de lhes dar a completude.

Lembramos, no entanto, que o trabalho do marketing induz, mas não define, as escolhas eleitorais, tendo em vista que as pessoas não absorvem passivamente as informações e conteúdos transmitidos pelos meios de comunicação; elas interpretam de forma distinta as mesmas mensagens veiculadas pela mídia e fazem diferentes leituras sobre o significado dos fatos, acontecimentos noticiados e comentados, construindo e modificando a sua própria representação da realidade. O uso das informações recebidas diferencia-se conforme a visão de mundo de cada um, ou seja, as referências valorativas e simbólicas dos indivíduos. Não podemos

negar, no entanto, a força que os meios de comunicação vêm apresentando na construção de um sentido, induzindo as pessoas a opiniões que são por eles construídas e articuladas.

É útil destacar aqui uma passagem das reflexões de Moore Jr., quando ele diz:

Para muitos indivíduos, especialmente aqueles situados na base da pirâmide das sociedades, a ordem social é uma coisa boa em si mesma. Eles detestam a interferência violenta e caprichosa em suas vidas cotidianas. As pessoas apoiarão ainda que parcialmente atemorizadas, um líder que prometa paz e ordem (MOORE Jr., 1987, p. 45).

Nessa perspectiva, os traços estabelecidos como parâmetros de escolha são, geralmente, aqueles tomados pelos sujeitos como representando a manutenção de uma certa ordem. Essa representação da ordem estaria em consonância com as representações que esse mesmo indivíduo faz do seu ser.

Se, para garantir a estabilidade subjetiva, ou seja, para estar amparado, for preciso, por exemplo, votar em alguém corrupto, assim o eleitor fará. Aquele que não se julga um homem de ação, estará fadado a escolher o político mais assistencialista; aquele cujas realizações passam pelo âmbito das amizades, poderá atender à indicação de um amigo. Portanto proteção e ordem estariam relacionadas ao que para o sujeito representaria o seu ser na sua relação com o mundo.

Nessa perspectiva é que consideramos interessante trazer para essa discussão um aspecto presente na modalidade identificatória fornecida por Zizek (1992). Ele lembra que nossa idéia principal e espontânea da identificação é a de modelos, de ideais a serem imitados, de fábricas de imagens. Esse autor lembra que não podemos fixar-nos apenas nesse aspecto identificatório, tendo em vista que o traço do outro mediante o qual nos identificamos geralmente é oculto; ou seja, não é necessariamente uma característica de prestígio. O traço de identificação também pode ser uma certa falha, uma fraqueza, uma culpa do outro – isso explicaria o fato de certas escolhas eleitorais serem, aparentemente, tão contrárias aos interesses da população, do ponto de vista da política. Disso resulta que, ao enfatizarmos a deficiência de um candidato, podemos, inadvertidamente, estar reforçando essa identificação. Ainda na concepção de Zizek, a ideologia direitista, em particular, é muito hábil em oferecer às pessoas a fraqueza ou a culpa como traço de

identificação. O autor cita como exemplo Hitler, em cujas aparições públicas, as pessoas se identificavam com seus ataques histéricos de cólera impotente (ZIZEK,1992).

No Brasil, poderíamos pensar no fenômeno Eneas, que se elegeu como o deputado federal mais bem votado em São Paulo em (2002). Construindo um discurso conservador e se manifestando com um semblante de revolta e indignação, num curto espaço de tempo, ele fornecia ao eleitor elementos para a sua identificação: o eleitor, também sem espaço na vida, se identifica com aquele que, de modo contundente, esbraveja contra os que o oprimem.

As contribuições que a temática da identificação nos oferecem vêm demonstrar, portanto, que o traço idendificatório possibilita um certo amparo para o sujeito. Deduzimos daí que, nas escolhas eleitorais, os traços com os quais o eleitor se identifica seriam aqueles que dariam a ele um sentido de seguridade.

Na esteira dessa discussão, pode-se pensar, ainda, no porquê de a participação política ser tão escassa e, particularmente, no de as eleições aparecerem geralmente como algo estranho à população, desarticulado do seu cotidiano, principalmente no caso da populacão de baixa renda. O grau de indiferença e hostilidade em relação aos políticos, ou a escolha movida por puro gosto, por simpatia, passam pela falta de ideais culturais, em relação aos quais o candidato nada representa.

Os candidatos procuram se revestir com o discurso que agrade à população. A maioria não tem projeto político mais amplo, oferece pequenos benefícios, através de práticas meramente assistencialistas e paternalistas, e isso de nada ajuda para o envolvimento político da população de baixa renda. Várias das nossas entrevistas apontam exatamente nessa direção, ou seja, o nosso terceiro capítulo vai demonstrar, através dos depoimentos, quanto essa realidade se evidencia.

A pesquisa de Silveira (1996) sobre “O novo eleitor não-racional”, ao abordar as características desse novo eleitor, parece corroborar o que estamos apontando:

A escolha desse tipo de eleitor é feita a partir dos elementos que considera confiáveis, captados através da sua sensibilidade, o que ele “gosta” e o que lhe passa impressão agradável. Ele não sabe explicar racionalmente o seu gosto e identificar suas percepções e sistemas de preferências implícitos [...]. Ele não consegue traduzir em palavras e argumentos lógicos a justificação da escolha realizada (SILVEIRA, 1996, p. 116).

Estamos considerando que essas características articulam-se à crise da política na era globalizada, em que os referentes culturais estão escassos, criando- se as condições de possibilidade para uma miséria simbólica do sujeito.

Nessa perspectiva, podemos dizer que a civilização preenche uma função que é essencial: a de oferecer referentes culturais e a de “nos defender contra a natureza”. A vida dos homens em estado “natural” é difícil de suportar: está sujeita a “terrores” cotidianos e sempre gravemente ameaçada. O homem aspira, então, a ser protegido e consolado. É esse o papel que a civilização vai assumir, mas, como, apesar de tudo, ela se estrutura como um conjunto de restrições, ele vai encontrar desafogo nas idéias religiosas, principal fonte de consolo e de proteção.