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1 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO COMO EIXO

Não se pode adentrar nas discussões acerca do Materialismo Histórico Dialético sem referência ao Materialismo Dialético, enquanto base filosófica do Marxismo, e como tal realiza a tentativa de buscar explicações coerentes lógicas e racionais para os fenômenos da natureza e da sociedade. Caracteriza-se por ressaltar, a partir da teoria do conhecimento, a importância da prática social como critério de verdade para a construção do mesmo ao operar as suas atividades produtivas (TRIVIÑOS, 1995).

Essa prática social, limitada pela história modificou e originou o estudo das leis sociológicas que caracterizavam a vida da sociedade, de sua evolução histórica e dessa prática social, no desenvolvimento da humanidade. Assim, após o marxismo, o materialismo histórico, ressalta a força das idéias, capaz de introduzir mudanças nas bases econômicas que as originou (TRIVIÑOS, 1995).

Esses pressupostos se constituem num conjunto articulado de juízos a respeito de uma dada realidade, enquanto que o método se constitui num conjunto de procedimentos racionais que operacionalizam a investigação científica e que

estão, indissoluvelmente, ligados a uma determinada teoria da realidade e do conhecimento.

Os principais conceitos do Materialismo Histórico, segundo TRIVIÑOS (1995), são:

- SER SOCIAL: é a expressão das relações que o homem estabelece com a natureza e entre si e independem da consciência; uma vez que a matéria é anterior à consciência;

- CONSCIÊNCIA SOCIAL: representa o conjunto das idéias políticas, jurídicas, filosóficas, estéticas, religiosas e psicológicas, entre outras;

- MEIOS DE PRODUÇÃO: corresponde a tudo o que os homens empregam para gerar bens materiais;

- FORÇAS PRODUTIVAS: são os meios de produção, os homens, sua experiência de produção, seus hábitos de trabalho. Não desconsiderando a importância do homem, a força de produção depende fundamentalmente dos instrumentos da tecnologia;

- RELAÇÕES DE PRODUÇÃO: são aquelas que não podem ser separadas das forças produtivas e podem ser de cooperação, de submissão ou outras formas que indiquem uma transição entre as duas anteriores;

- MODOS DE PRODUÇÃO: são assinalados historicamente cinco modos de produção, quais sejam: o modo de produção das comunidades primitivas, da sociedade escravagista, da sociedade feudal, capitalista e comunista, esta última com duas fases: a socialista e a comunista.

O Materialismo apresenta ainda três características importantes. A primeira é a materialidade do mundo onde os fenômenos, objetos e processos que existem na realidade, ou seja, são materiais estando ou não em movimento. A segunda característica ressalta que a matéria é anterior à consciência, isto é, o reconhecimento do fim, e que a consciência é um reflexo da matéria. E por fim, o mundo pode ser conhecido pelo homem (TRIVIÑOS, 1995; KONDER, 1991; MARX, 2005).

A visão materialista histórica concebe que é no percurso social que o indivíduo vai aprender, desenvolver e reproduzir os valores e as virtudes. As virtudes seriam, então, igualmente, produtos ou construções sociais e embasariam a vida

humana a partir da constituição da sociedade, num processo fortemente influenciado pela superestrutura social (RIBEIRO, 2009).

Os fenômenos de saúde, segundo o MHD, são compreendidos como resultado da organização social para a produção/consumo, pois é dela que dependem os seres humanos para suprirem suas necessidades vitais. Portanto, transformações no modo de produção e reprodução social de um determinado momento histórico geram igualmente transformações na saúde humana (PERNA; CHAVES, 2008).

Para estudar o processo de cuidado nos cenários das unidades do sistema de saúde no desenvolvimento do ECS, na perspectiva do MHD, é necessário caracterizar cada um dos fenômenos constitutivos desta realidade e pesquisar, paralelamente, os fatos históricos, políticos, econômicos e sociais que a permeiam, do superficial ao profundo.

O método Materialista Histórico Dialético, caracteriza-se pelo movimento do pensamento, desvelando leis que ordenam os homens na História, tendo como fontes: a natureza, a observação dos fenômenos naturais; o estudo da história humana e as transformações no modo de produção, nas configurações sociais e nas idéias derivadas dessas; e o estudo do pensamento em si. Além das leis, é constituído, também, por princípios, categorias e, por conseguinte, conclusões metodológicas (TRIVIÑOS, 1995; (PIRES, M.F.C.1997).

Utilizando os pressupostos teórico-filosóficos do Materialismo Histórico Dialético, analiso o processo de produção do cuidado no desenvolvimento do ECS, entendendo esse processo como dinâmico, pois a cada momento há uma ação diferente, reproduzindo inúmeras contradições específicas.

Para tanto, é necessário refletir a realidade da produção do cuidado no desenvolvimento do ECS em si mesma, como ela se mostra e analisar o que há de essencial nessa realidade aparente em direção a totalidade da mesma a partir de suas contradições.

Essa escolha foi fundamentada no entendimento de que esse referencial possibilita direcionar a análise para as causas e conseqüências dos problemas apontados e suas contradições, considerando todo o contexto histórico do fenômeno estudado (KONDER, 1991).

Na perspectiva de que esse eixo teórico-metodológico se constitui num paradigma explicativo da realidade, isto é, a produção do cuidado no desenvolvimento do ECS em um curso de Graduação em Enfermagem, de uma Universidade pública, do estado da Bahia, com seu caráter histórico e sua natureza contraditória, numa realidade concreta; o Materialismo Histórico Dialético, procura conhecer a realidade objetiva e subjetiva para transformá-la, parecendo, destarte, adequado ao estudo em pauta.

Assim, é que o objeto de estudo, da presente investigação, é abordado na sua historicidade, contradições e na sua totalidade. A contextualização do fenômeno estudado fundamenta-se na lógica e nos métodos que explicitam a dinâmica e contradições internas desse fenômeno. A sua totalidade é caracterizada pela intensa interação e conexão do fenômeno, consigo mesmo, e com o todo.

Para o reconhecimento desses fenômenos ancoramos as observações e a análise dos achados e discussões nas categorias e leis que caracterizam a teoria do Materialismo Histórico Dialético.

As categorias e as leis se apresentam como a essência de qualquer teoria. Elas se formaram no processo de desenvolvimento histórico do conhecimento e da prática social que caracteriza a existência humana, de pensar e agir continuamente sobre a natureza (KONDER, 1991; TRIVIÑOS, 1995).

Isto nos permite dizer que na perspectiva do Materialismo Histórico Dialético, o fenômeno de ocorrência do Estágio Curricular em um curso de graduação em Enfermagem e a produção do cuidado nos sistemas de saúde, se constitui numa prática social dos sujeitos, que buscam interagir nesse processo de relações sociais que se estabelecem nas unidades que atuam como cenários de prática. Apropriam- se ou não da consciência critica a partir da materialidade do processo como forma de se perceber no mundo através das relações de trabalho e do cuidado inerentes ao “ser enfermeiro”.

Essa aproximação com os discursos, que se entrecruzam nos conteúdos dos textos dos sujeitos deste estudo, consiste em tentar fazer uma releitura dos momentos vividos, construídos e re-inventados que estão inseridos nas entrelinhas dos conteúdos manifestos das entrevistas e observação sistemática, pois em se tratando da experiência prática dos atores durante o Estágio Curricular Supervisionado em Enfermagem, no contexto do sistema de cuidados à saúde,

incorporam o novo nas suas práticas cotidianas, nas situações de aprendizagem e trabalho desencadeadas pelo processo de produção do cuidado.

Buscar-se-á a análise da produção do cuidado, através das experiências de aprendizagem e trabalho vivenciadas pelas (os) docentes, discentes e enfermeiras (os) preceptoras (es) no desenvolvimento do Estágio Curricular Supervisionado de Graduação em Enfermagem da Instituição pesquisada, no sistema de saúde, no processo de formação do enfermeiro, sem pretender esgotar esse objeto.

São sujeitos que atuam em diversos espaços, possuem conhecimentos e valores, socialmente construídos, e que serão analisados na sua dinamicidade, pluralidade, heterogeneidade e complexidade, em suas articulações e associações que forem possíveis.

São essas experiências dos múltiplos sujeitos envolvidos no processo formativo e, mais especificamente, no desenvolvimento do Estágio Curricular Supervisionado em Enfermagem, que me levou a buscar as teorias que possam contribuir para a discussão e análise deste objeto do estudo.

Em cada ação realizada o ser humano se defronta, inevitavelmente, com problemas que se interligam. Para encaminhar uma solução para os problemas, é preciso se ter uma visão de conjunto, ou seja, do todo.

A partir dessa visão do conjunto, se pode avaliar a dimensão de cada elemento da situação, para se evitar atribuir um valor exagerado a uma verdade limitada, em prejuízo da verdade geral. A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem, pois é nessas partes, que se terá a expressão da complexidade dos elementos, que conformam o fenômeno em si. Este é o fundamento da lei da dialética, da transformação da quantidade, em qualidade (PERNA; CHAVES, 2008).

Assim, ao analisar a produção do cuidado no Estágio Curricular Supervisionado de um curso de Graduação em Enfermagem, em uma Universidade pública, do estado da Bahia, busquei identificar no processo histórico da prática social dos sujeitos envolvidos, os movimentos antagônicos e similares, a sua totalidade e suas partes, sem perder de vista a construção e desconstrução de saberes, de redes sociais e formas de operar o cuidado em saúde.

Por se tratar de um estudo que se propõe analisar a produção do cuidado, durante o desenvolvimento do ECS, realizado pelas (os) docentes, discentes e

enfermeiras (os) preceptoras (es), de uma Universidade pública, do estado da Bahia, identifico a complexidade desse processo, numa perspectiva da contemporaneidade exigida pela sociedade, para a construção da criticidade do homem e transformação da práxis.

Para Minayo (2000), o marxismo interpreta a realidade como uma totalidade, na qual tanto os aspectos visíveis, objetivos, quanto às representações sociais sobre o real integram e configuram um modo de vida condicionado pelo modo de produção específica.

No marxismo, a base material é considerada essencial para a formação da consciência, sem, no entanto, desconsiderar a importância das representações sociais como condicionantes na reprodução da consciência, e construção da realidade mais ampla.

Para o marxismo, não existe nada eterno, fixo e absoluto. As idéias, instituições e categorias não são estáticas. Toda a vida humana é social, em constante mudança. A transformação é perecível, portanto toda construção é social e histórica.

Encontro em Minayo (2000, p.76), algumas considerações sobre os conceitos tidos como fundamentais para o entendimento da saúde no quadro da totalidade e que, certamente, influenciaram e reforçaram minha opção por este referencial teórico, quais sejam:

a) Na concepção marxista o processo de trabalho é considerado lócus privilegiado das relações de produção e sua reprodução. É também matriz de formação social, econômica, política e ideológica, portanto de luta de classe, de dominação e de resistência;

b) As condições gerais de produção na relação imediatamente estabelecida entre o processo de produção e a estrutura social e política, onde se dá a distribuição da riqueza;

c) O papel central da luta de classes na transformação e no advento de novas estruturas;

d) A importância da cultura como mediadora entre objetividade e subjetividade do sujeito histórico transformador.

Conforme nos aponta Triviños (1995), uma das idéias mais originais do Materialismo Dialético foi a de ter destacado, na teoria do conhecimento, a prática social como critério de verdade, colocando em relevo a interconexão entre o relativo e o absoluto, quando trata do conhecimento em sua dimensão histórica.

Daí considerar a relevância de investigar a temática, tendo em vista que o Estágio Curricular é o momento significativo para a formação profissional e pessoal do graduando, e que nesse processo está inserida a instituição formadora (os docentes), o enfermeiro assistencial que atua como preceptor, no desenvolvimento das práticas nas unidades do sistema de cuidados à saúde.

Esses sujeitos históricos e sociais estabelecem diferentes significados e sentidos no decorrer desse processo, e por isso, optei por não investigá-los separadamente, pois na perspectiva dialética, sob a ótica de cada ator, a realidade desse momento é individual e coletiva, e é nessa realidade vivida e historicamente construída, que eles devem buscar rever e (re)significar o apreendido, e assim, operar novas formas de viver no mundo.

Toda teoria possui em sua essência as categorias e leis que a conformam como tal. Na dialética, as leis e as categorias se formaram objetivamente por meio do processo de desenvolvimento histórico do próprio conhecimento e da prática social.

Esta idéia nos remete a considerar que outras categorias podem surgir quando se trata de pensar o homem agindo continuamente sobre a natureza. A categoria essencial na dialética é a contradição presente na realidade objetiva, e a lei fundamental é a da unidade e luta dos contrários (TRIVIÑOS, 1995).

O humano, nesse estudo, é representado por diversos sujeitos que integram a instituição formadora (universidade) e as unidades de saúde (Unidades Básicas e unidades de saúde do Programa de Saúde da Família), e como tal estabelecem relações interpessoais, dialógicas numa linguagem comum e direcionada ao entendimento mútuo. Enfim, os homens agem a partir do diálogo. Essa comunicação, entre seus pares, leva a mudanças nas ações e modos de estar no mundo, e buscar modificá-lo.

Minayo (2000) discute o lugar do sujeito, para o marxismo, como sendo um sujeito social cuja consciência é como um produto social da necessidade e da ação humana, no meio sensível da natureza, em permanente relação com os outros homens, dentro de determinadas condições de produção.

Na adoção da Teoria do Materialismo Histórico Dialético para a análise da produção do cuidado no desenvolvimento do Estágio Curricular Supervisionado, em um curso de graduação em Enfermagem, nos cenários de prática, de uma

Universidade pública, do estado da Bahia, dispõe-se de algumas perspectivas de análise a serem adotadas no presente estudo e a seguir apresentadas:

- Análise centrada nos sujeitos dessa investigação, que deverão ser analisados em suas vivências, tendências, atitudes, capacidades, sistemas de valores e particularidades culturais e históricas conferidas pela prática social nos processos de aprendizagem e trabalho;

- Análise dialógica centrada nas interações entre os sujeitos e as instituições, devendo ser observadas as relações interpessoais, inclusive aquelas estabelecidas com os usuários e profissionais do sistema de cuidados à saúde, na totalidade dos modos de produção do cuidar/cuidado em saúde e de enfermagem na perspectiva de uma práxis transformadora;

- Análise centrada nas Instituições formadora e prestadora de serviços de saúde onde se estabelecem as relações de produção desencadeada a partir do processo de produção do cuidado no desenvolvimento do ECS em enfermagem, na Universidade analisada.

Por possibilitarem uma reflexão que se funda na práxis, o casamento das duas abordagens é fecundo na condução do processo ao mesmo tempo compreensivo e crítico de análise da realidade social.

Refletir sobre como isto repercute na educação, especialmente na enfermagem, como formadora de novos profissionais que interagem nos momentos de doença dos indivíduos, e como tal necessita de ferramentas que permitam esse processo complexo de cuidar de si e do outro, é uma tarefa instigante e desafiadora.

Diante do exposto, passamos para o desenho metodológico do estudo onde descrevemos a caracterização da pesquisa, o contexto local do estudo, sujeitos da pesquisa, instrumentos e técnicas de coleta de dados bem como o método de análise e interpretação da realidade apreendida.