• Nenhum resultado encontrado

O Misticismo Judaico “Análise dos Textos fundantes”

No documento Download/Open (páginas 57-61)

CAPÍTULO II ANÁLISE EXEGÉTICA “APOCALIPSE CAPÍTULO

6. O Misticismo Judaico “Análise dos Textos fundantes”

6.1 - Isaías 6.1-7

Machado57 em sua tese de doutorado com base em outros autores propõe que o texto de Isaías 6.1-13 pode ser visto como pertence à tradição de participação profética na corte celestial de anjos, entretanto, entende a visão restrita ao templo terrestre, o que nem todos concordam, porquanto o uso do termo (ה כדיהָה - haheykhal) traduzido por “Palácio ou Assembleia”, implica em conceber a visão não restrita ao templo terrestre em si, como pensam alguns autores e como veremos a seguir.

Todavia está situado na base do judaísmo pós-exílico que vê Isaías como único ser humano que viu a Deus, colocando assim a passagem no centro da apocalíptica e mística judaica.

A proposta de antemão pré-estabelecida para exegese é a de um olhar dos aspectos literários com base naquilo que há “comum/similar/diferente58” nos textos. A isso somamos levamos as noções do método exegético de W. Egger59 que abrange forma e gênero respectivamente como “a configuração individual de um texto particular, e por classe de texto/gênero, o que vários textos possuem em comum”.

Assim, temos como pressuposto que um texto pertencente a um mesmo gênero quando assinalado pelos seguintes aspectos:

a) Revelam uma estrutura linguístico-sintática semelhante, b) Possuem uma estrutura semântica e narrativa análoga,

c) Tem uma intenção parecida em relação ao efeito que pretendem produzir, d) Mostram uma situação vital semelhante; o entorno social e comunicativo é

semelhante.

Portanto, é sob estes olhares que analisamos os textos citados. Porém, nosso processo é separar de antemão o que se destaca em cada um dos textos para depois aproximar os resultados, assim sendo, temos em destaque no texto de Isaías os seguintes aspectos.

57 Ibid, p. 51.

58 Ibid, p. 40. 59

6.2 Análise Semântica60 - Isaías 6.1-7

1

No ano que morreu o rei Ozias, eu vi o Senhor sentado num trono alto e elevado. A barra do seu manto enchia o Templo. 2 De pé, acima dele, estavam serafins, cada um com seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés, e com duas voavam. 3 Eles clamavam uns para os outros: Santo, Santo, Santo é Javé dos exércitos, a sua glória enche toda a terra. 4 Com o barulho das aclamações, os batentes das portas tremeram e o Templo se encheu de fumaça. 5 Então eu disse: Ai de mim, estou perdido! Sou homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros, e meus olhos viram o Rei, Javé dos exércitos. 6 Nesse momento, um dos serafins voou até onde eu estava, trazendo na mão uma brasa que havia tirado do altar com uma tenaz. 7 Com a brasa tocou-me os lábios, e disse: Veja, isto aqui tocou seus lábios: sua culpa foi removida, seu pecado foi perdoado.

Evidenciamos os seguintes elementos e sua relevância na visão de Isaías: vi o Senhor

sentado

trono alto e elevado.

barra do seu manto enchia o Templo acima dele

serafins seis asas: cobriam o rosto, cobriam os pés com duas voavam

clamavam uns para os outros: Santo, Santo, Santo é Javé dos exércitos glória enche toda a terra

barulho das aclamações portas tremeram

Templo se encheu de fumaça

Então eu disse: Ai de mim, estou perdido! Sou homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros, e meus olhos viram o Rei, Javé dos exércitos (medo e temor)

serafins voou até onde eu estava trazendo na mão uma brasa

brasa tocou os lábios - culpa removida, pecado perdoado.

Segundo o que já temos esboçado fica evidente que o texto de Isaías se configura por meio de uma linguagem comum ao misticismo da Mercaváh.

Com base no verso 1 a experiência do profeta se concentra numa visão (הָא ורָא ְ - vaerëeh), o termo hebraico aqui utilizado traz o sentido não apenas de ver, mas de temer, honrar, respeitar diante do impacto e da grandeza da visão.

60

Semântica (do grego σημαντικός, sēmantiká, plural neutro de sēmantikós, derivado de sema, sinal), é o estudo do significado. Incide sobre a relação entre significantes, tais como palavras, frases, sinais e símbolos, e o que eles representam, a sua denotação. A semântica linguística estuda o significado usado por seres humanos para se expressar através da linguagem.

O termo hebraico (בישהד – yoshev “sentado”) tem o significado de sentar; morar, habitar, viver, residir; permanecer, ficar.

Trono alto e elevado

Temos aqui o termo (איסֵּא – kise) usado para a palavra trono e (הָל – al) para elevado. (ְד הלשוְ – vëshulayv) margem, borda: referindo-se a borda do manto

(מדֵּאיהומ – mëleym) encher, completar

Evidenciamos que Isaías no verso 1 usa o termo (ה כדיהָה - haheykhal) para o Templo e que este também pode ser traduzido por “Palácio ou Assembleia”, com efeito, seu uso aqui levantou a hipótese da concepção de que Isaías era um integrante da “corte celestial” ou “assembleia dos deuses”. O fato de o Trono estar no “alto ou elevado” junto ao termo (ה כדיהָה - haheykhal - Palácio), nos permite entender que a visão de Isaías parece se referir a uma visão da “sala do trono” no Templo “Palácio” Celestial. Assim, temos a visão do Templo Celestial a partir do Templo Terrestre, sendo, portanto, uma visão do templo celestial isenta de uma ascensão ao mesmo.

Essa hipótese é corroborada quando também notamos que no verso 4 ao se mencionar que o Templo se encheu de fumaça se usa outro termo, ou seja (וֵּדָבָהוְ – vëhabayt “e a casa”) para se referir ao mesmo.

No verso 2 temos a descrição dos seres celestiais que possuem os seguintes aspectos:

São chamados de (מדֵָּ רום – sërafym)

possuem 6 asas rosto – (ְד ָ ָ – fanayv) pés – (ְד הוָ ָר – ragëlayv) voavam – (ייָוֹלוד: - yëofef:) מ ר ram איסֵּא kise הָל al מֵּדָָ ָוא kënafaym שיש shesh

clamavam - (א ר רוְ – vëqara)

No verso 3 temos o louvor celestial no Templo por parte dos serafins:

...santo, santo, santo é o senhor dos exércitos

ווֹא בות tsëvaot

ה ְהוד yhvh

שוֹי ר שוֹי ר שוֹי ר qadosh qadosh qadosh

junto ao reconhecimento de que

...a sua glória enche toda a terra

Nosso olhar também se volta para a expressão “o barulho das aclamações, os batentes das portas tremeram”, uma vez que para efeitos comparativos, será aproximado de outros textos da tradição mística e analisados para evidenciarmos quais os aspectos lhes são similares.

Propomos aqui uma tradução literal, na qual podemos ler: ...e moveu os umbrais da porta.

מדִֵֵּּּסָה hasipym ווֹמָּא amot לליָ ְָֻ vayanuu

“...à voz das aclamações, e a casa se encheu de fumaça”.

איה מֵּּד ymale וֵּדָבָהוְ vëhabayt א ירוֹרָה haqore הוֹרֵּמ miqol ע ש ל: ashan:

Portanto, a análise da visão de Isaías parece se configurar por meio da singularidade do uso do termo (ה כדיהָה - haheykhal) para se referir ao “Templo-Palácio” no verso 1 distinguindo assim, inicialmente a visão. Ficando evidente que nos versos 4 e 6 o autor usou o termo (וֵּדָבָהוְ – vëhabayt “e a casa”).

וֹיוֹבוא: këvodo: ה ָרר ה haarets ה כ khal

Já no livro de Ezequiel podemos constatar de modo mais frequente o uso do termo ודיב – beyt = casa aplicado ao templo, o que corrobora sua ênfase e, se encontra perfeitamente contextualizado com a profanação do santuário terrestre. Porém, acrescentamos que não temos nenhuma menção ao “Templo-Palácio” em Ezequiel 1, senão apenas a visão do Carro-Trono.

Estas imagens nos permitem também penetrar no imaginário do misticismo judaico e conceber a Deus como aquele que possui uma sala na qual habita, e na qual se encontra o trono, porém, este trono não é imóvel, antes pode se locomover, o que nos remete a visão de Ezequiel.

De modo que, a experiência visionária de Isaías parece ter sua manifestação na “sala do trono ou corte celestial e/ou assembleia (Palácio celestial)”. De sorte que, podemos deduzir que o profeta em êxtase tem uma visão onde o (Palácio e o trono de Deus estavam) e que este é ligado ao templo terrestre; tornando-se assim, um símbolo da conexão entre o céu, o templo e a terra. Deste modo, pode-se dizer “a sua glória enche toda terra”.

Assim, passamos agora para a contemplação das imagens da Carruagem-Trono no texto de Ezequiel.

No documento Download/Open (páginas 57-61)