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O mito da alma exilada

No documento victorhugodecastrodutra (páginas 70-73)

2.1 Mitologias do mal

2.1.5 O mito da alma exilada

Diferentemente dos outros mitos, este tenta explicar a relação entre corpo e alma à medida que explica também a culpabilidade do homem. Este mito essencialmente órfico encontra-se também em outras culturas exemplificado em contos, contudo a avaliação de Ricoeur se centra no mito órfico. Nele a alma é de um nível e o corpo de outro, mas propõe que a alma viaje de um corpo ao outro acumulando experiências.

Torna-se então evidente que este mito é o único que é, no sentido próprio da palavra, um mito da "alma" e, ao mesmo tempo um mito do "corpo". Ele conta como a "alma", em sua origem divina, tornou-se humana - como o "corpo" um estranho para a alma e ruim em muitos aspectos, cai no muito da alma - como a mistura da alma e do corpo é o evento que inaugura a humanidade do homem e faz do homem o lugar de esquecimento, o lugar onde a diferença primordial entre a alma e corpo é abolida. Divino como sua alma, terreno como seu corpo, o homem é o esquecimento da diferença, e o mito conta como isso aconteceu.41 (Ricoeur,

1969, p.280)

39“the serpent, then, represents this passive aspect of temptation, hovering on the border between the outer and the inner.”

40“Evil is part of the interhuman relationship, like language, tools, institutions.”

41“It then becomes apparent that this myth is the only one wich is, in the proper sense of the word, a myth of the “soul” and at the same time a myth of the “body”. It tells how the “soul”, divine in its origin, became human - how the “body” a stranger to the soul and bad in many ways, falls to the lot of the soul - how the mixture of the soul and the body is the event that inaugurates the humanity of man and makes man the place of forgetting, the

O mito da alma exilada, ou também chamada alma desterrada, demonstra a criação do homem com o propósito de explicar também a fragilidade que nos acomete com o mal, e, a propósito, a própria culpabilidade. Neste mito a alma é a culpada, e então é condenada ao corpo. Neste mito a alma é fruto dos Titãs que após banquetearem-se do jovem Dionísio são fulminados pelos raios de Zeus, e do pó que restou dos Titãs nasce a humanidade. Assim, há uma culpa inicial atribuída à humanidade que descende dos Titãs e explica também sua natureza. Lembramos que o esquecimento de que nos fala Ricoeur é proposto também no mito órfico. A alma quando morre mergulha no rio Létes (rio do esquecimento) e assim não se lembra de sua vida pregressa. E cabe ao homem aos poucos ir se lembrando do que já sabia.

Neste mito, há o exemplo do dualismo antropológico que divide o homem em alma e um outro que é seu corpo. Mas é a partir do esquecimento que se formula sua salvação. A salvação se encontra no lembrar de sua própria condição falível, lembrar de que cometeu erros e, assim, ratificá-los através de uma vida justa. E ainda, a própria filosofia é quem prepara o homem para a morte, dando-lhe subsídios para um bem proceder, o que lhe renderá uma vida plena e um lugar melhor no Hades.

Para Ricoeur, o mito da alma exilada tem três características básicas. A primeira denota o corpo como prisão, e não origem do mal. O mal é um já lá, advindo do pecado da alma. No caso órfico o pecado dos Titãs, ou mesmo o pecado de uma vida pregressa. O corpo, neste sentido é o exílio da alma de seu lar primevo. O segundo elemento do mito da alma exilada é de que a alma paga o preço do pecado original, seu exílio é esse preço. Contudo, é necessário frisar que o entendimento grego é cíclico, e não linear como o ciclo judaico-cristão, o entendimento grego assinala que a vida nos lança à morte, e que a morte nos lança à eternidade da vida, assim vida e morte, num ciclo de encarnações, mas não só encarnações, mas já reencarnações. E há também uma repetição dos erros das vidas pregressas, neste caso o desejo da alma é mais forte e se prende ao corpo, que por sua vez é também desejo. Por fim, o terceiro aspecto do mito órfico se concentra na escatologia. De um lado, os eleusianos pregavam que a alma segue para os campos elísios, enquanto os órphicos pregavam a punição para os infratores no hades. Contudo, “Este jogo de reflexão entre o inferno e o corpo está no centro da compreensão do corpo; ela explica que a expiação no corpo é muito contrário à uma purificação; a alma na prisão torna-se um delinquente place where the primordial difference between soul and body is abolished. Divine as to his soul, earthly as to his body, man is the forgetting of the difference; and the myth tells how that happened.”

secundário corrompido pelo castigo; e então a existência aparece como uma recaída eterna.”42 (P. Ricoeur, 1969, p. 287). A alma já corrupta transgride novamente a lei e passa a ocupar as lamas do Hades. Para só então retornar à prisão.

A alma é, então, no mito órfico, prisioneira do corpo em um ciclo de vida e morte, morte e vida, e só encontra, então, sua salvação à maneira dos filósofos. É preciso discernir o bem do mal, para então ser mais mais sábio e merecer um bom lugar no Hades e não ficar preso à lama, destino esse reservado aos que repetem os erros do passado. O desejo do corpo então encaminha a alma à lama, e só pode ser superado pelo entendimento da sabedoria. Neste sentido é a filosofia quem dá subsídios ao homem a escolher melhor os caminhos de sua vida e assim merecer um bom lugar no Hades.

Para Ricoer, Platão e Pitágoras são exemplos dessa salvação através do conhecimento. Nas palavras de Ricoeur: “Os órficos, diz Platão, "nomeado" o corpo, na nomeação do corpo, eles nomearam a alma, ou melhor, se torna o mesmo que sua alma o que não é o seu corpo - outro que não seja a alternância da vida e da morte-este ato purificador é par excellence o conhecimento.”43 (P. Ricoeur, 1969, p.300). Ricoeur frisa que por excelência

o conhecimento, para Platão, é capaz de libertar a alma de seu ciclo de morte e renascimento. E nos pitagóricos é a própria palavra filosofia (P. Ricoeur, 1969, p.304) usada para indicar o conhecimento que liberta.

É o lógos apartado assim do soma, a razão do corpo. Mas o corpo tem em si o desejo e cabe à razão discernir o bem do mal. Um ato fundamental aqui neste mito é o saber desejar. E ainda mais, buscar a sabedoria e dessa forma salvando a alma da lama do Hades e atingindo a comunhão com os deuses.

Tanto em Platão como em Pitágoras o mito órfico ganha caracteres de filosofia, ou a filosofia ganha caracteres mitológicos. Este mito reitera a antropologia numa antropogenese que explica o mal do mundo e encaminha uma solução para o aperfeiçoamento da humanidade.

42 “This play of reflection between hell and the body is at the center of the understanding of the body; it explains that expiation in the body is quite contrary of a purification; the soul in prison becomes a secundary deliquent corrupted by punishment; and so existence appears as an eternal relapse.”

43“The Orphics, says Plato, “named” the body; in naming the body, they named the soul, or better makes himself the same as his soul and other than his body-other than the alternation of life and death - this purifying act par

No documento victorhugodecastrodutra (páginas 70-73)