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O modelo de desenvolvimento e os impactos socioeconômicos na

1. INTRODUÇÃO

1.4. Alguns desafios da Agricultura Orgânica Familiar

1.4.1. O modelo de desenvolvimento e os impactos socioeconômicos na

Após analisar o sistema de produção agroalimentar, com base no sistema convencional que não tem atendido os princípios de SAN, é preciso se entender como este tem afetado o agricultor familiar.

Também ressaltam-se as contradições que se evidenciam do modelo produtivo atual: mesmo o País sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo, é também o sexto colocado no quesito da fome, desnutrição e subnutrição (INSTITUTO AKATU, 2003). Para Valente (BRASIL, 2002, p.15), tal contradição é decorrente da valorização de “um modelo agro-exportador, baseado no latifúndio, na monocultura e na super-exploração do trabalho”. Tal modelo é fruto de uma construção histórica de estímulo à expansão da agricultura latifundiária e de reforço ao agronegócio patronal16.

Segundo AZEVEDO (2006), citando Lamarche, na perspectiva da dimensão econômica, a busca de elevados ganhos de produtividade associados à eficiência tecnológica e comercial, resultou, muitas vezes na “superprodução” e seus efeitos na dinâmica de produção e consumo. Na dimensão social houve a redução da força de trabalho e exploração da mesma, etc.; na dimensão ambiental, o uso excessivo e indiscriminado dos insumos químicos de origem industrial, com o risco de um sério desgaste de recursos naturais (Lamarche citado por AZEVEDO, 2006; CONSEA, 2007). Tais efeitos causam impactos na saúde pública através da contaminação do ar, das águas e do solo, além da modificação da qualidade dos alimentos consumidos (AZEVEDO, 2006).

A nutricionista Elaine Azevedo autora do livro “Alimentos Orgânicos: ampliando conceitos de saúde humana, ambiental e social” (2006), complementa Lamarche, considerando também as conseqüências negativas do sistema convencional de produção na dimensão cultural. Em seu livro a autora aponta que tal

16 Conforme o documento base da III Conferência Nacional de SAN (CONSEA, 2007), tal modelo de agronegócio é fruto do “do produto histórico da articulação entre capital financeiro, o capital industrial e a grande propriedade territorial” (p. 10).

sistema trouxe uma tendência de “uniformização dos modos de vida rural e urbano” que levou a uma modificação do modo de vida do agricultor familiar, e contribuiu, sobretudo, para “minar a importância da manutenção da sua racionalidade e identidade cultural (...) e do conhecimento agrícola tradicional de acordo com o seu ambiente.” Para AZEVEDO (2006, p. 39), isso resultou em mudanças no modo de viver dos agricultores.

Também GRAZIANO (2004), no livro Carma da Terra no Brasil, aponta a estimativa da situação da distribuição de estabelecimentos familiares que predominam no País: 4,1 milhões de produtores familiares (74,4%); cerca de 500 mil produtores patronais (grandes produtores rurais) (9,1%); e 912 mil assentados (16,5%), totalizando 5,512 milhões de estabelecimentos. Um estudo realizado pela Sociedade Rural Brasileira e divulgado em 2007 (O Estado de São Paulo, 2007, p. A 21) reforça esta estimativa, ao apontar que em 1985 os estabelecimentos com menos de 100 hectares somavam 5,22 milhões e, no início de 2000, 4,38 milhões, revelando uma redução de 17% das propriedades familiares em 15 anos. Constatando esta significativa redução dos números de pequenas propriedades familiares, o estudo conclui que os problemas dos pequenos produtores são agravados pela pouca atenção que recebem dos órgãos oficiais. Como exemplo dessa situação, o estudo aponta que no período 2001/2002 o governo teria emprestado “apenas 50% do total de R$ 4 milhões destinado ao crédito rural para a agricultura familiar. A causa desse baixo aproveitamento seria a segurança de empréstimo exigida pelo Banco do Brasil, difícil de ser oferecida pelos pequenos”. (O Estado de São Paulo, 2007, p. A 21). SAMPAIO e MEDEIROS (2007) também apontam que a agricultura familiar mesmo retendo 30% da renda do setor e 40% do valor bruto de produção, só consegue 20% de acesso ao crédito rural. Os créditos para a agricultura familiar na década de 90 chegaram a ser taxados em 40,79% ao ano, enquanto os grandes produtores rurais (ou patronais) foram taxados em 20% ao ano.

Segundo PEREIRA (2007) 17, há uma alta concentração de extensão de terras na mão dos proprietários patronais, que possuem 554.501 UPAs (11,4 % do total de Unidades Produtivas Agrícolas - UPAs), mas que retém 240.042.122 ha (67,9 % do total de extensão de terra ocupada na agricultura), enquanto que a agricultura familiar detém cerca e 85% do número de UPAS, mas que correspondem a apenas 30,5% da extensão total das terras no Brasil. Ressalta-se que nesse percentual de propriedades, o maior contingente é de famílias que quase não possuem renda, 39,4% das unidades, retendo apenas 8,9% do total de extensão de terra. (PEREIRA, 2007)

Some-se a isso o fato de que, no Brasil, 13,8 milhões de pessoas têm na atividade agrícola, praticamente, sua única alternativa de vida, o que corresponde a 77% da população ocupada na agricultura (PEREIRA, 2007). Segundo Escheverria (citado por CARVALHO, 2003), a incidência da pobreza extrema é muito maior nas zonas rurais do que nas zonas urbanas. O mesmo autor estimou que em 1997 cerca de 50% da população rural se encontrava em situação de pobreza no Brasil, e segundo MALUF (1999) na região Nordeste o índice chega até a 60% da população. A pobreza da área rural está contribuindo para a expulsão de diversos agricultores familiares de suas propriedades. CARVALHO (2003, p. 2), citando vários estudos conclui que “com qualquer parâmetro de medição” aqueles que trabalham na pequena propriedade da agricultura familiar, seja ela “rural, periurbana ou urbana, estão, em sua maioria, na condição de pobreza”.

Por outro lado, a agricultura familiar se destaca na produção de alimentos para o mercado interno e na sustentação de algumas cadeias de produtos de exportação, sendo responsável pela produção de cerca de 60% dos alimentos agropecuários consumidos pela população brasileira, a exemplo de cerca de 70% do feijão, 49% do milho, 84% da mandioca, 54% da bovinocultura de leite, 40% de aves e ovos, e grande parte das hortaliças e frutas (PEREIRA, 2007).

Considerando que a agricultura familiar abastece uma parte expressiva do mercado interno de produtos agropecuários, e se ela está sendo impactada

17 Dados apresentados em palestra da Dra. Marly Pereira na Conferência Estadual de SAN em Águas de Lindóia-SP, em 19 de abril de 2007, se referem ao Projeto de Cooperação Técnica INCRA / FAO - Novo Retrato da Agricultura Familiar - O Brasil Redescoberto, Brasília, 2000. Disponível em: http://200.252.80.30/sade/doc/AgriFam.doc. Acesso em: 26 abr. 2007.

negativamente pelo sistema de produção vigente, entende-se que este sistema não está sendo sustentável. Daí a busca de alternativas através da agricultura orgânica, que está sendo vista como um importante desafio por diversas políticas públicas, na articulação integrada da agricultura familiar, desenvolvimento sustentável e garantia da SAN, conforme se apontou anteriormente.

Quer seja rural, urbana ou periurbana, a agricultura familiar é apontada em todos os documentos de estímulo à implementação da SAN como sendo o segmento estratégico para se incitar a prática de uma agricultura sustentável, visando minimizar os impactos no ambiente, oferecer uma alimentação saudável para a população, promover a geração de emprego, renda e desenvolvimento sustentável para agricultores familiares e comunidades com tradição agrícola, além de poder ainda apoiar a formação de redes de cooperativas para processamento e comercialização de alimentos. (BRASIL, 2005)

Faz-se então necessário abordar a seguir alguns caminhos que têm sido adotados para a emancipação da agricultura familiar e a adoção do sistema de produção orgânica. Dessa forma justifica-se também a oportunidade do estudo de representação de agricultores familiares proposto neste estudo.

1.4.2. Alguns caminhos para a emancipação da agricultura orgânica familiar:

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