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O movimento da subjetividade no processo de superação das

4.1 A Produção Teórica da Pesquisadora I: Análise das Informações

4.1.3 O caso de Daniel

4.1.3.2. O movimento da subjetividade no processo de superação das

e quando sei a resposta alguém já falou”.

a. Os elementos subjetivos envolvidos nas dificuldades de aprendizagem de Daniel, no período de abril a junho de 2008.

Daniel, no momento inicial da pesquisa, no que concerne às qualidades do sujeito, apresentou-se de forma primária, mostrando-se muito orientado pelo que o pai idealizava que ele fosse: um menino esperto! (Dinâmica Conversacional com Família). Para Daniel, “ser esperto é ser ativo, é ser rápido no pensamento, é fazer rápido tudo o que me

pedem” (Dinâmica Conversacional), porém isso ainda tem ficado muito no nível do seu

desejo, comprometendo o planejamento e a reflexão de suas ações antes de executá-las, tanto em casa como na escola. Consideramos que o desejo pode ser mobilizador dos motivos para a ação, pode ser um forte aliado na constituição do sujeito, contudo, o desejo de Daniel está voltado em ser como o pai é, impedindo que se constitua como sujeito. A figura do pai era tão presente em Daniel que gerava uma emocionalidade dominante na produção da maioria dos sentidos subjetivos produzidos em suas relações e ações, organizando-se como uma configuração subjetiva de sua personalidade.

No caso de Daniel, o simbólico-emocional envolvido na produção dos sentidos subjetivos, em qualquer situação – de modo especial as que envolvem a escola – estavam vinculados em agradar o pai, o que vinha impedindo que ele se posicionasse, que rompesse, que criasse, independentemente do pai, ou seja, esse excesso de idealização estava impedindo que Daniel se constituísse como sujeito: queria ser imagem e semelhança do pai. Como não se via como sujeito, produzindo sentidos subjetivos que não estivessem vinculados aos desejos do pai, manifestava insegurança na aproximação com as pessoas.

Os relacionamentos para Daniel eram marcados pela insegurança de ser aceito no grupo e isso pode ser evidenciado em vários momentos da pesquisa. No instrumento sobre mudanças (Instrumento 6), fez o seguinte destaque: “No recreio brinco de ‘pega’,

queria pegar mais rápido e não ficar de bobinho”. No desenho a seguir, também

evidenciamos o desconforto que sentia quando não era aceito no grupo (Instrumento 2).

A intensa subjetivação dos desejos do pai foi identificada na produção das informações a partir de duas referências: valorização da esperteza e a relação com a

informática (profissão do pai). No instrumento sobre mudanças que gostaria de fazer em

si mesmo (Instrumento 6), destacou: “Pensar mais rápido. Quando a professora pergunta

uma coisa eu fico pensando e quando sei a resposta, um colega já falou”. No instrumento

de escolhas diante de gravuras (Instrumento 7), a esperteza conduziu a maioria de suas decisões:

Frase 1: Para estudar junto: Avatar, porque eles tem poderes especiais. Eu gosto do

poder do vento, porque é muito rápido.

Frase 3: Para ajudar a resolver problemas de matemática: Os Incríveis, porque são

espertos, aí eu também conseguiria fazer.

Frase 5: Para brincar na hora do recreio: O menino que está jogando xadrez, ele poderia

jogar comigo.

Frase 8: Para fazer algo escondido: Avatar, ele tem poderes especiais para caso uma

pessoa maior quisesse me bater, ele me defenderia.

Frase 9: Para contar suas dificuldades na escola: Menino Maluquinho, ele pode me ajudar

porque ele é muito esperto, gosto das revistinhas dele.

Outro exemplo revelador desse foco identificado em Daniel foram os relacionamentos que considerava importantes em sala de aula. Apontava como seus melhores amigos dois colegas diagnosticados com distúrbios de comportamento, de modo especial Murilo, que, a seu ver, era ativo, comunicativo, respondia tudo rápido, etc. Dois episódios presenciados pela pesquisadora ilustram essa vinculação afetiva: num

primeiro momento, Daniel quis levar um bolo para a escola para comemorar seu aniversário junto com Murilo e, em outro momento, na readequação do número de alunos na sala, justamente em função da presença de Murilo, Daniel quis ficar na mesma sala que ele, enquanto a maioria dos alunos queria ir para outra. Passou a sentar junto com Murilo sempre que havia trabalhos em grupo, defendendo-o e ajudando-o nas atividades e mesmo realizando-as por ele, como foi possível observar em vários momentos. Vale destacar que não identificamos reciprocidade da amizade de ambos os colegas aos quais Daniel manifestou tanto apreço. Ao longo do processo de produção das informações, a mãe apareceu apenas como uma figura coadjuvante para Daniel: providenciou o bolo, reiterou a decisão de permanência na mesma sala diante da possibilidade de troca, é quem todos os dias o conduz à escola.

Na realização das atividades de sala de aula, Daniel demonstrou querer ser constantemente elogiado, ser reconhecido pelo que faz (Instrumentos 4, 6 e 7), entrando em confronto com a configuração subjetiva da professora, voltada para a aprendizagem das meninas, sendo mais atenciosa com elas e elogiando-as constantemente, ao contrário dos meninos, aos quais, frequentemente, reservava advertências e cobranças. A professora de Daniel, em 2008, foi a mesma de Fernanda, que, como vimos anteriormente, demonstra dificuldades na equiparação valorativa entre homens e mulheres, o que tem refletido numa atuação pedagógica diferenciada entre meninos e meninas.

b. Mudança na subjetividade e a superação das dificuldades de aprendizagem.

A relação de Daniel com a professora foi conturbada desde o início do ano de 2008. A professora o considerava com dificuldades de aprendizagem, chegando inclusive a preencher ficha de encaminhamento para avaliação diagnóstica, a qual não foi encaminhada porque a mãe discordou da existência das supostas dificuldades de aprendizagem na escola. As tensões de Daniel com a professora ocorriam, por um lado, pelas suas dificuldades em estabelecer uma dinâmica comunicacional com a professora e, por outro, em decorrência da subjetividade individual da professora, que demonstrava certo preterimento em relação aos meninos da sala.

Um fato ocorrido no mês de junho de 2008 ganhou forte repercussão, e foi identificado, naquele momento, como desencadeador das mudanças ocorridas com

Daniel. Um comentário que circulou pela escola sobre possíveis problemas familiares vividos pelo aluno deixou a professora totalmente sensibilizada e sentindo-se culpada por ter-lhe feito tantas cobranças. Depois disso, passou a tratá-lo com mais cordialidade e compreensão. Daniel passou a ser constantemente elogiado pela professora e percebido pelos colegas, chegando, inclusive, a ser disputado nas atividades de grupo, como constatamos nas observações feitas em sala. A lentidão que Daniel apresentava nas respostas e que lhe incomodavam nas relações de sala de aula também foram superadas, uma vez que, mais amigo da professora, sentia-se mais à vontade para manifestar o que pensava sem tanta preocupação com o certo e o errado. Nas palavras da professora, “Daniel é outro menino!” (Dinâmica Conversacional).

A análise das mudanças na subjetividade e da superação das dificuldades de aprendizagem escolar identificadas naquele momento foi realizada, no caso de Daniel, a partir de dois desdobramentos principais: novos sentidos subjetivos em relação à professora, que passou a acolhê-lo mais carinhosamente; novos sentidos subjetivos produzidos na relação com os colegas, a partir dos elogios promovidos pela professora.

c. Os elementos subjetivos envolvidos nas dificuldades de aprendizagem escolar de Daniel, no período de abril a junho de 2009.

Daniel, no período de abril a junho de 2009, manifestou-se muito ligado ao pai, expressando um forte interesse em agradá-lo com suas conquistas na escola. Suas qualidades de sujeito ainda estão se constituindo e a forte relação que mantém com pai tem limitado esse processo. De modo geral, os sentidos subjetivos em relação ao pai conduzem a vida de Daniel, que nutre uma forte representação simbólica do pai herói, recebendo dele o reconhecimento e muito incentivo para que siga seus passos. Essa situação não tem permitido que sua personalidade se constitua independentemente do pai. Quando o assunto gira em torno do futuro, das coisas de que gosta ou não gosta, sempre há uma ligação com o pai ou com a informática, que é a profissão que o pai exerce. A significação da aprendizagem, por exemplo, constitui-se em função de agradar o pai. Nas frases a seguir, é possível observar como essa questão continua relacionada à sua aprendizagem escolar:

Frase 4: Eu fico decepcionado quando não consigo ganhar no jogo e quando tiro nota

Frase 8: Eu sei que sou capaz de ganhar no jogo de xadrez... eu ainda vou ganhar do

meu pai, estou quase chegando lá.

Frase 9: Acho que mereço parabéns quando ganho e quando tiro nota alta.

Frase 23: É fácil aprender quando tem experiência científica na Ciência em Foco. Quando

meu pai me explica as coisas.

A retomada da pesquisa com Daniel, no período de abril a junho de 2009, revelou- nos uma situação diferente da identificada em João e Fernanda: Daniel estava apresentando novamente dificuldades de aprendizagem escolar e reencontramos elementos subjetivos muito semelhantes aos que havíamos identificado em 2008. Em uma análise mais detalhada, novamente recorremos às informações de sua Documentação Escolar e identificamos que essa situação foi, com mais ou menos intensidade, recorrente em todos os anos de sua escolaridade, ou seja, com o tempo de convivência, Daniel cria um campo de abertura com a professora e a qualidade de sua aprendizagem melhora significativamente. Essa hipótese chegou a ser levantada pela pesquisadora quando registramos a melhora em sua aprendizagem na metade do ano de 2008, mas foi abandonada por falta de informações que pudessem sustentá-la e pela emergência da nova relação mobilizada pela professora diante dos supostos problemas familiares que Daniel estaria vivenciando.

Retomando o diálogo com a família, obtivemos informações que confirmaram a hipótese que havíamos abandonado: “Daniel geralmente precisa de muito tempo para

que se abra e se mostre como é, e mesmo para pedir ajuda em alguma coisa” (Dinâmica

Conversacional com a mãe). Os dois fatos citados – mudança de atitude da professora e a quebra da resistência de Daniel em relação à professora, pelo tempo de convivência – convergiram num grande encontro no final do 1º semestre de 2008: Daniel estava mais tranquilo em relação à professora e a professora acolheu Daniel, acreditando que passava por problemas familiares (que não foram confirmados pela mãe). Na verdade, o que constatamos é que Daniel, por querer ser esperto, tem receio de que o julgamento dos outros não seja nessa direção e, por isso, fecha-se em si mesmo, não deixando transparecer suas limitações e dificuldades, precisando de tempo para estabelecer certa intimidade com as pessoas, criando, assim, mais segurança para demonstrar o que sabe ou não. A mudança de atitude da professora foi, sem dúvida, favorecedora desse evento de mudança que tem sido recorrente a cada ano letivo, mas não o suficiente para que Daniel se movimentasse para outro nível de desenvolvimento subjetivo.

No quadro a seguir, apresentamos um resumo da trajetória de Daniel, pela qual é possível perceber que os elementos subjetivos iniciais e posteriores quase não sofreram alterações, embora tenhamos registrado alterações no período intermediário. Com certeza, houve mudanças de um ano para outro, porque a subjetividade está sempre em movimento, mas essas mudanças foram tão sutis que não fomos capazes de identificar.

Quadro 16: Movimentos da Subjetividade Identificados em Daniel

Elementos Subjetivos identificados no 1º momento da pesquisa Expressão na Aprendizagem Movimentos da Subjetividade Elementos Subjetivos identificados no 3º momento da pesquisa Expressão na Aprendizagem Pai como configuração subjetiva: • Sentidos subjetivos em relação ao pai orientados pela idealização da esperteza. • Sentidos subjetivos de insegurança na aproximação inicial com as pessoas. • Sentido subjetivo da aprendizagem escolar orientado em agradar o pai. A expressão da aprendizagem é uma forma de agradar a professora e colocar-se em evidência na relação com seus colegas. A sala de aula está organizada como um espaço de aprendizagem. Resistência à exposição de suas ideias para a professora e para seus colegas. Realização das atividades sem reflexão. Novos sentidos subjetivos em relação à professora que passou a acolhê-lo mais carinhosamente. Novos sentidos subjetivos produzidos na relação com os colegas a partir dos elogios promovidos pela professora. Novos sentidos subjetivos na relação com a professora, pela familiaridade produzida com o tempo de convivência. Pai como configuração subjetiva: • Sentidos subjetivos em relação ao pai orientados pela idealização da esperteza. • Sentidos subjetivos de insegurança na aproximação inicial com as pessoas. • Sentido subjetivo da aprendizagem escolar orientado em agradar o pai. A expressão da aprendizagem é uma forma de agradar a professora e colocar-se em evidência na relação com seus colegas. A sala de aula está organizada como um espaço de aprendizagem. Resistência à exposição de suas ideias para a professora e para seus colegas. Realização das atividades sem reflexão.

Ao encerrarmos a narrativa dos casos analisados, consideramos ter conseguido expor alguns aspectos da complexidade envolvida nas dificuldades de aprendizagem escolar, bem como nas condições para a sua superação. Embora possamos identificar situações comuns nos três casos, como os sentidos subjetivos produzidos na relação com a professora, em cada sujeito isso se deu de forma totalmente distinta e particular, assumindo desdobramentos únicos. A seguir, os casos continuarão presentes, mas agora com o objetivo de produzirmos contribuições teóricas na compreensão das dificuldades de aprendizagem escolar, na compreensão do desenvolvimento da subjetividade e, principalmente, na retomada da tese que apresentamos na Introdução.

4.2 A Produção Teórica da Pesquisadora II: A produção teórica

emergente dos casos analisados

Os três casos analisados – João, Fernanda e Daniel – são únicos em si mesmos e, dessa forma, qualquer anúncio teórico que se pretenda deve seguir na direção de abrir as portas para a permanente produção de novas zonas de sentido na compreensão dos processos de aprendizagem escolar, jamais na tentativa de produzir generalizações. Esta análise, na qual pretendemos integrar considerações dos três casos, será organizada em três momentos: num primeiro momento, apresentaremos como os casos nos permitiram analisar as dificuldades de aprendizagem escolar a partir da compreensão da organização subjetiva do aluno e, num segundo momento, como os casos analisados nos permitiram compreender o desenvolvimento da subjetividade. Ambas as produções têm o objetivo de criar condições para o terceiro momento, que é central na presente pesquisa, no qual retomaremos a tese já anunciada na introdução: a superação das dificuldades de aprendizagem escolar requer o desenvolvimento da subjetividade.

4.2.1 Produção teórica sobre as dificuldades de aprendizagem escolar com