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2. O PERFIL FILOSÓFICO DE LIMA VAZ

2.3. O movimento lógico do seu pensamento: metodologia

2.3.3. O movimento dialético da conceptualização filosófica

A estrutura do ser humano como sujeito na Antropologia filosófica é uma estrutura dialética, pois, ao exprimir ontologicamente a lógica do seu ser, o faz num movimento dialético de suprassunção (Aufhebung) do dado (Natureza) na expressão

(Forma) pela mediação do próprio ser humano (Sujeito) como subjetividade. Esse movimento dialético é representado por Lima Vaz através do esquema: (N) →(S) →(F).65 Paraele é essa mediação subjetiva que permite ao ser humano afirmar-se como sujeito (S) do movimento de passagem do mundo das coisas (N) ao mundo dos sentidos e significados (F). É importante ressaltar que este movimento de mediação, constitutivo da unidade ontológica do sujeito, trata-se de um único movimento, mas que pode ser analisado segundo níveis ou expressões diferentes. Por isso é que Lima Vaz o distingue em três níveis de mediação: a mediação empírica que se dá no plano da pré-compreensão, realizando a mediação entre

63 Ver Rubens G. Sampaio. Metafísica e modernidade. Loyola: São Paulo, 2006, p. 270. 64 Ver AF I, p, 162.

Natureza e Forma por meio da linguagem e das imagens do homem em seu contexto cultural; a mediação abstrata que acontece no plano da compreensão

explicativa e tem como sujeito a metodologia abstrata que está presente no conhecimento científico e finalmente a mediação transcendental situada no plano da

compreensão filosófica onde o sujeito desta mediação pode ser definido como o Eu penso da tradição filosófica em sua subjetividade absoluta, sendo necessária ao

reconhecimento de todo e qualquer sentido que se apresente no horizonte da consciência de si, do mundo e do outro. É por esta mediação transcendental que “o sujeito se mostra como instituidor de um logos no qual ele dá razão de si mesmo”.66

A explicitação e articulação desse logos apresenta-se como tarefa primeira da

Antropologia filosófica. Assim sendo, o objeto da Antropologia filosófica será esse

sujeito transcendental.67 Sobre isso, esclarece Lima Vaz:

O sujeito como totalidade do movimento de passagem da Natureza à Forma: esse será o sujeito lógico das proposições da Antropologia filosófica, contendo a resposta à interrogação o que é o homem?, e o sujeito como mediação entre a Natureza e a Forma ou como Eu propriamente dito, que exerce assim uma função ontológica, isto é, articula a lógica do ser da subjetividade, que é o ser próprio do homem. A Antropologia filosófica percorre as formas dessa mediação no nível transcendental [nos dois sentidos: o clássico e o

kantiano-moderno] e as ordena no discurso com o qual tenta responder à

interrogação sobre o ser do homem. 68

Ao processo metodologicamente ordenado de construção das categorias ou dos conceitos fundamentais articulados no discurso filosófico, Lima Vaz chama de conceptualização filosófica. A ordenação desse processo segue os momentos da análise aristotélica do saber, vistos anteriormente. São eles:

- O momento da determinação do objeto como um momento aporético se

traduz na problematização radical do objeto (o que é?). É o momento de delimitação do objeto em questão. No caso da Antropologia filosófica é representado pela questão: o que é o homem? Em Lima Vaz esta determinação do objeto, sendo um momento aporético, cumpre-se em dois estágios: o da aporética histórica, também

66 Idem, p. 164.

67 Sobre a noção de sujeito transcendental, em Lima Vaz, ver AF I, p. 159. Ver também Rubens G. Sampaio. Metafísica e modernidade. Loyola: São Paulo, 2006, pp. 111 e 211.

chamada rememoração, que visa a recuperação temática do problema percorrendo

as grandes linhas de sua evolução na história da filosofia; e o estágio da aporética crítica em que a pergunta é referida ao contexto problemático (no caso da

Antropologia refere-se ao saber do homem sobre si mesmo) na atualidade histórica da pré-compreensão e da compreensão explicativa. Esta, por sua vez, percorre duas outras etapas: o momento eidético (eidos, forma) onde a pergunta visa a

identificação dos elementos conceptuais constitutivos do objeto; e o momento tético (thesis, posição) onde a pergunta é referida à mediação do sujeito enquanto sujeito

(mediação transcendental);69

- O momento da elaboração (determinação) da categoria é o momento em

que o conceito deve exprimir inteligivelmente uma forma de mediação segundo a qual o sujeito afirma um aspecto fundamental do seu ser na forma de categoria, ou seja, no domínio de sua inteligibilidade última. No caso da Antropologia filosófica a categoria deve exprimir os aspectos fundamentais com que o ser humano se experimenta e se refere a si mesmo (por exemplo: o corpo próprio, o psiquismo etc.). A elaboração da categoria parte do momento da pré-compreensão onde o sujeito empírico mediatiza a situação numa forma que a significa; segue pelo momento da compreensão explicativa onde o sujeito abstrato mediatiza o dado da experimentação numa forma de conceito ou de lei científica que o significa, para, finalmente, chegar ao momento da compreensão filosófica onde o sujeito ontológico mediatiza as formas da pré-compreensão e da compreensão explicativa numa nova forma que as expresse filosoficamente, ou seja, a forma de categoria; 70

- O momento do discurso dialético no método vaziano é definido por ele

mesmo como o momento do discurso sobre as categorias. É o momento da articulação dialética dos conceitos, o qual supõe uma relação de oposição entre seus termos e de suprassunção (Aufhebung) progressiva dos mesmos para, então,

alcançar a unidade do discurso. No sistema vaziano este momento é regido por três princípios fundamentais: 71

69 Ver idem, p. 165. 70 Idem, p. 172.

a) Princípio da limitação eidética: que é exigido pelo caráter não intuitivo

do conhecimento intelectual, impondo ao mesmo a necessidade de exprimir o objeto na forma do conceito que delimita uma região de objetividade. Este princípio implica a pluralidade das categorias para exprimir a identidade do ser e a sua articulação no discurso dialético. Na Antropologia filosófica esse princípio se configura, por

exemplo, na afirmação: o ser humano é seu corpo, seu psiquismo, seu espírito; b) Princípio da ilimitação tética: decorrente do dinamismo do nosso

conhecimento intelectual, esse princípio aponta para a infinidade do ser, pois, ao introduzir a negatividade no seio da limitação eidética dá origem à oposição entre as

categorias levando adiante o movimento dialético do discurso que aponta para além do horizonte último do objeto. Na Antropologia Filosófica esse princípio se configura,

por exemplo, na negação: o ser humano não é seu corpo, não é seu psiquismo, não é seu espírito; manifestando, assim, que a concepção de ser humano não se esgota num movimento de justaposição de categorias, mas requer a busca de expressões mais profundas e totalizantes;

c) Princípio da totalização: segundo este princípio o movimento dialético

do discurso ao organizar-se num sistema de categorias deve ter como alvo a igualdade ou unidade inteligível entre o objeto e o ser. Na Antropologia filosófica a

totalidade do discurso realiza-se no processo de identificação do ser humano com a sucessão de categorias que o expressam e o impulsionam ao reconhecimento da unidade absoluta do seu ser – na categoria de pessoa – alcançando assim o seu

termo ou a sua completude.

Esses princípios são, portanto, forças motrizes que impulsionam o movimento lógico do discurso dialético no sistema vaziano, pois ao provocarem a passagem de uma categoria a outra geram unidade sistêmica. Tais princípios são apresentados por Lima Vaz de forma clara e didática no discurso da Antropologia filosófica, no entanto, como parte constitutiva do discurso dialético vaziano, também

estão presentes nos discursos da Ética e da Metafísica.72

72 Nos Escritos de Filosofia V e VII é apresentada a parte sistemática da Ética e da Metafísica, respectivamente.

Por meio deste olhar panorâmico sobre o perfil filosófico de Lima Vaz e o movimento lógico do seu pensamento, podemos, então, constatar que, em sua filosofia, Lima Vaz procurou desenvolver um “olhar crítico sobre o que é ou o que foi no sempre penoso esforço do conceito, para tentar encontrar os núcleos de inteligibilidade que se ocultam sob as aparências e, se possível, ordená-los num discurso coerente”. 73

3. A UNIDADE ESTRUTURAL DO SER HUMANO EM SUAS