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O MOVIMENTO ESTUDANTIL SOB VIGILÂNCIA

No documento 2014NiltonCleberOliveira (páginas 67-70)

Segundo o depoimento de Guareschi169, após o surgimento da AP, não era perceptível, entre os membros da JUC, quem se identificava e integrava a AP. Segundo ele, entre os membros da JUC existiam conversas sobre o tema, mas ele, como assistente, não intervinha.

No entendimento de Argeu Santarém havia “muito ‘dedo duro’ dentro da universidade”, já que os agentes do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] faziam o monitoramento das ações na universidade, especialmente do movimento estudantil. Havia alunos que gravavam as intervenções dos colegas em sala de aula170. Esta revelação mostra o risco de manifestação mesmo em sala de aula neste período. Além do monitoramento dos alunos havia o monitoramento dos professores. Santarém revela que os professores também eram monitorados171. Em especial eram monitoradas as aulas do professor Eli Benincá e do professor Athos Rui Rodrigues da Silva.

163 Entrevista Ivaldino Tasca a Nilton de Oliveira em março de 2010. 164

Paulo Pires fora presidente da União Passofundense de Estudantes, no começo da década de 1960 e, posteriormente, secretário municipal no Governo do Prefeito Mário Menegaz, do MTR. Aderiu ao golpe de 1964.

165 Entrevista concedida por Paulo Pires por telefone a Nilton de Oliveira em outubro de 2010. 166 Entrevista Jabs Paim Bandeira a Nilton de Oliveira em setembro de 2011.

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Entrevista Teresinha Susin concedida a Nilton de Oliveira em março de 2009.

168 Entrevista Teresinha Susin concedida a Nilton de Oliveira em março de 2009. 169 Entrevista Pe. Alcides Guareschi a Nilton de Oliveira em abril de 2010. 170

Entrevista Argeu Santarém a Nilton de Oliveira em janeiro de 2009.

Padre Eli Benincá, ensinava filosofia. Iniciou suas atividades como professor de ensino superior vindo para Passo Fundo no ano de criação da UPF, em 1968. Assumiu desde o início de sua docência uma postura crítica e humanista. Por conta disso defendia posturas contrárias aos ideais da ditadura militar. Ele era tido por muitos dos membros da AP entrevistados como um grande amigo do movimento estudantil, que aconselhava os estudantes em diversos momentos. De certa forma, representava uma ponte da AP com seu passado “jucista”. Após esses anos ele permaneceu como professor na UPF. Foi coordenador do curso de filosofia na instituição, auxiliou diversos movimentos sociais. Atuou como pároco em diversas igrejas da cidade e na Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição em Passo Fundo.

O professor Athos Ruy Rodrigues da Silva era professor do Curso de Estudos Sociais, tinha uma postura muito crítica a ditadura militar. Suas aulas eram muito apreciadas pelos alunos que tinham uma leitura crítica a ditadura, mas era denunciada pelos alunos mais alinhados ao pensamento favorável a ditadura. Propunha ações de campo para os alunos de Ciências Sociais com a intenção de que estes pudessem conhecer a realidade efetiva das comunidades. O que era uma novidade na cidade172.

Esta vigilância segundo Santarém era efetiva. Em seu depoimento afirma um caso quando uma colega, que era filha de militares, levou um gravador para a aula. Ele achou estranho, até porque era um modelo novo, que não existia na cidade, até por que ele trabalhava na imprensa e conhecia estes instrumentos:

Num recreio voltei para a sala de aula e liguei o gravador e notei que estava gravado exatamente o momento que eu estava falando em sala de aula. Peguei o gravador e gravei dizendo que o cara que tinha mandado a filha espionar os colegas era um grande canalha. A menina ficou um mês sem ir na aula. Eu contei pra todo mundo. Antes disso ela fazia questão de sentar ao meu lado.173

Santarém entende que havia informantes aos órgãos de repressão em diversos setores da universidade: “ (...) era evidente que havia muito professor ‘puxa saco’ no Direito era um perigo.”

Caso interessante nos conta Helenita Borges sobre seu irmão Gilberto:

Ele (Gilberto Borges) saiu de casa, como sempre, e as vezes ele dormia aqui no centro. Deveria ser um local que eles usavam para se encontrar. Ele ficou uns dois ou três dias fora e ninguém sabia onde é que ele andava. E uma noite ele chegou em

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Jornal Diário da Manhã do dia 20 de agosto de 1967.

casa com um monte de jornal de baixo do braço e eu pergunte ‘onde é que ele andava’ ‘ele disse fui comprar jornal’ e depois agente descobriu que ele tinha ido à Brasília. Deve ter sido um encontro desses”174

Esta fala de Gilberto afirmando que havia ido a Brasília era certamente um despiste daquilo que verdadeiramente estavam fazendo. Provavelmente eram ações que buscavam confundir os órgãos que buscavam investigar as ações do movimento estudantil para posteriormente punir os estudantes.

2.5.1 A forma de organização do grupo em Passo Fundo

A militância na AP era exercida de forma sigilosa. A forma de organização em células impedia que um único militante pudesse saber qual era a real estrutura da AP, mesmo no ensino superior de Passo Fundo. Assim, os militantes dos diversos cursos não se conheciam na totalidade, a não ser uns poucos dirigentes. Em geral, somente o pequeno grupo do curso se conhecia. Desta forma, comumente, membros de direção do mesmo diretório acadêmico não sabiam da vinculação de outros membros do diretório, especialmente se não eram vinculados e nenhum grupo, o que ocorria habitualmente175.

Havia forte mobilidade no grupo, devido às ações de recrutamento de novos militantes. Para isso, eram feitas algumas provas, para ver se o escolhido poderia participar conjuntamente no grupo, como relatou José Freitas176, antigo membro da direção estadual da Juventude Operária Católica (JOC), que fez parte da direção regional da AP, como representante dos operários, até o ano de 1969, quando entrou para o PCdoB. Mesmo com este grau de responsabilidade, ele não sabia quem eram os responsáveis pelo movimento estudantil universitário da AP no Rio Grande do Sul.

2.5.2 Os processos de ampliação

Através do processo de seleção, análise e incorporação a Ação Popular e outras organizações clandestinas ampliavam o número de militantes. Essas ações consistiam em

174 Entrevista Helenita Borges a Nilton de Oliveira em março de 2013. 175

Entrevista Argeu Santarém a Nilton de Oliveira em janeiro de 2009.

observar pessoas que pudessem apresentar um perfil de futuro militante da organização. Para fazer parte de alguma célula, deveria merecer a confiança e para isso eram feitos alguns “testes”. Se esta pessoa fosse aprovada nestes testes poderia ter mais alguns passos no processo de aproximação do grupo. Os novos militantes não passavam a fazer, porém, parte do núcleo dirigente177. Dependendo do perfil, poderiam inicialmente auxiliar nas manifestações, na distribuição de material, na venda de bônus para arrecadação de finanças. Estes bônus eram vendidos para apoiadores do movimento estudantil para financiar os custos do movimento. Mas os novos militantes não participavam das deliberações políticas ou aspectos de segurança.

Outra ocupação neste processo de ampliação era de que o grupo não inchasse. Uma ampliação de militantes até por questões de segurança não poderia ser muito grande, sem critérios, poderia colocar diluir ideologicamente a organização e pôr em risco o restante do grupo. O risco de uma denúncia era comum neste período.

Passo Fundo era um dos principais núcleos da AP no interior do Rio Grande do Sul. Em seu depoimento, José Loguércio, dirigente estadual da AP e responsável pelo movimento estudantil universitário, relatou suas passagens por Passo Fundo, deixando e levando informações. Os encontros eram feitos na churrascaria da família de Ivaldino Tasca. Segundo Tasca, os encontros na churrascaria eram tão frequentes que a direção estadual imaginou que este ponto estava “queimado” (vigiado pelos órgãos de repressão), sendo necessário procurar outros locais para reunião.

Segundo Loguércio178 muitas reuniões em Passo Fundo foram feitas na churrascaria da família Tasca. O pessoal sentava como se fosse cliente. Passava-se a as informações, discutia- se e deliberava-se no mesmo momento que era atendido normalmente. Segundo Ivaldino Tasca179o seu pai desconfiava fortemente sobre suas atividades, até porque teve que fazer um empréstimo para pagar a reposição dos valores do caixa do DAJCM que foi gasto em uma operação de retirada de um militante do país pelo esquema de fronteira, mas não tinha todo o conhecimento. De forma contrária sua mãe sabia de sua militância política. Segundo Tasca era uma orientação da AP para que um parente tivesse as informações de suas atividades caso caíssem para a repressão.

2.6 A estratégia de luta

177 Entrevista Ivaldino Tasca a Nilton de Oliveira em março de 2010. 178

Entrevista José Loguércio a Nilton de Oliveira em janeiro de 2008.

No documento 2014NiltonCleberOliveira (páginas 67-70)