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4.3 As experiências de desjudicialização como medidas de efetivação da saúde

4.3.1 O Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NATJUS) no Estado do Ceará

Os NAT’s surgiram a partir da necessidade de uma compreensão multidisciplinar a respeito da saúde e direito, e foram implementados nos diversos tribunais do país com o propósito primordialmente96 consultivo, como forma de auxíliar aos juízes na formação de sua

convicção nos litígios de saúde.

Após a audiência Pública nº 04/09, através da Resolução nº 107, de 06 de abril de 2010, o CNJ instituiu o Fórum Nacional para o monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, com a atribuição de elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos. Para o funcionamento descentralizado do Fórum, foram criados os Comitês Executivos Estaduais, sob a coordenação de magistrados indicados pela Presidência e/ou pela Corregedoria Nacional de Justiça, como o objetivo de coordenar e executar as ações de natureza específica, que forem consideradas relevantes (art. 3º da Resolução nº 107/2010).

Considerando o expressivo volume processual, ainda em 2010, o CNJ publicou a Recomendação nº 31, que teve como objetivo orientar os tribunais na adoção de medidas que subsidiassem os magistrados para assegurar maior eficiência na resolução das demandas judiciais envolvendo assistência à saúde pública. Dessa forma, referido conselho estimulou que os tribunais, entre outras medidas, celebrassem convênios com o objetivo de disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliá-los na apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes observadas as peculiaridades regionais.

O CNJ dispôs por meio da Resolução nº 238 de 06/09/2016 sobre a criação e a manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara da Fazenda Pública. Em seu art. 1º, referida resolução determina que os Comitês Estaduais da Saúde, tem entre as suas atribuições auxiliar os tribunais na criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT'S).

No âmbito do Estado do Ceará, o Comitê Executivo foi instalado no dia 22 de março de 2011, e em atendimento a Recomendação n

º 31

, foi criado, em 11 de novembro de 2016, o

96 Em alguns estados, o NAT exerce também atividades de resolução administrativa de conflitos como no caso do

NAT de Araguaiana – Tocantins, que por meio da Ouvidoria Municipal, estimula o diálogo entre o Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria Municipal de Saúde antes do ajuizamento da ação, resultando na resolução administrativa do litígio e evitando, por conseguinte, a judicialização (CNJ, 2014).

Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário do Ceará – NAT-JUS/CE, através do Termo de Cooperação Técnica nº 07/2016 firmado entre o Tribunal de Justiça do Ceará, Hospital Universitário Walter Cantídio – UFC/EBSERH (representando a União), o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza.

Como experiência inovadora de efetivação do direito à saúde, o NAT-JUS/CE tem como objetivo o atendimento às solicitações de esclarecimentos em ações judiciais que envolvam prestação de assistência à saúde no Sistema Único de Saúde – SUS. A equipe técnica é formada por profissionais das Secretarias de Saúde (do Estado e do Município) presta as informações aos magistrados sob a coordenação do Comitê Executivo Estadual de Saúde, que viabiliza, também, um sítio eletrônico97 disponibilizado aos magistrados, conforme prevê o art. 2 da Resolução nº 238 do CNJ.

No Estado, o sistema pode ser consultado por Magistrados das Varas e Juizados da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, Magistrados da Turma Recursal da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza e Desembargadores das Câmaras Cíveis de Direito Público do Tribunal de Justiça do Ceará. Em sua solicitação, via e-mail, o Magistrado/Desembargador deverá faz seus questionamentos de forma clara e objetiva, anexando todos os documentos médicos que envolvam a demanda (laudo médico, exames, relatórios médicos etc).

Os documentos técnicos solicitados pelo TJCE são entregues em cinco dias úteis a partir da data do recebimento da solicitação, conforme Termo de Cooperação Técnica nº 07/2016. A prestação de serviços atualmente é realizada por doze membros, sendo seis médicos e seis farmacêuticos98 e o parecer consultivo contempla as seguintes informações: a) análise do caso concreto apresentado no processo judicial para o qual será elaborado o parecer; b) mapeamento bibliográfico específico para cada caso, por profissional devidamente qualificado; c) informações sobre a possibilidade de substituição do medicamento ou do procedimento médico prescrito por outro fornecido pelo SUS, e em caso negativo, a justificativa para a não utilização do protocolo do SUS. Nos pareceres costumam constar considerações sobre a eficácia e evidências científicas dos tratamentos disponibilizados pelo SUS, sobre seu registro na Anvisa, incorporação pelo Conitec, sobre a presença de Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas

97 O sítio eletrônico elaborado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (<https://www.tjce.jus.br/saude/>,

conta com informações relevantes sobre as reuniões do Comitê Executivo da Saúde e pode servir de auxílio aos magistrados, na medida em que disponibiliza legislação correlata à saúde pública e suplementar, modelo de relatório médico para a judicialização, sentenças e decisões, indicações de sites para pesquisa, bem como as 202 notas técnicas até então emitidas pelo NATJUS-CE de livre acesso.

98O NATJUS-CE é composto pelo corpo técnico de 6 médicos e 6 farmacêuticos, conta com a Juíza Coordenadora

(PCDT) do Ministério da Saúde ou de órgão público, e também informações sobre o custo da medicação, dentre outros.

Até então foram emitidas 202 notas técnicas que podem ser consultadas por qualquer cidadão no portal99 do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). As consultas não estão adstritas apenas a medicamentos, mas a tratamentos e até cirurgias. A forma de contato dos membros do NAT-JUS com os magistrados se dá de maneira informal, através de e-mail ou telefone, um agente terceirizado pertencente ao Tribunal de Justiça (TJCE) é responsável por facilitar o diálogo, intermediando em algumas ocasiões a relação entre membros do Tribunal e o corpo técnico do NATJUS-CE.

Contando com estrutura de sala própria e três computadores, as atividades do NAJUS- CE são feitas em atendimento ao Princípio da Publicidade, com a divulgação das notas técnicas em sítios eletrônicos, bem como o da Impessoalidade, uma vez que os integrantes do NATJUS- CE não tem contato nem com as partes100, nem com seus advogados, além disso, a autoria das notas técnicas não se atribui a um parecerista específico, mas à todo o corpo técnico.

Impende ressaltar que, ainda conforme Termo de Cooperação Técnica nº 07/2016, há prioridade em se conceder tratamentos ou medicamentos que já seja fornecido regularmente pelo SUS, medida que tende a fortalecer a política pública de saúde. Entende-se a importância do auxílio aos magistrados nesses casos, pois possibilidade de consulta à uma equipe especializada permite o deferimento de um substitutivo, que seja disponibilizado pelo SUS e que seja menos oneroso aos cofres estatais, como pode se verificar no caso a seguir.

Nos autos do processo, nº 0143312-96.2017.8.06.0001, o Exmo. Sr. Juiz Dr. Francisco Eduardo Fontenele Batista, da 15ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, solicitou esclarecimentos acerca da demanda de medicamento (omeprazol magnésico-LOSECMUPS®) para tratamento de criança de 13 anos com diagnóstico de esofagite erosiva leve (CID 10: K20) e gastrite crônica leve (CID 10: K29.5). Segundo informações médicas constantes nos autos, por ser portadora de uma síndrome genética (CID 10: Q90), associada a déficit cognitivo CID 10:F72), a criança não conseguia deglutir comprimidos, sendo que a solicitação indicava o uso de omeprazol magnésico, 20mg/dia, por 90 dias. De acordo com laudo médico, não haveriam outras medicações substitutivo do tratamento receitado, pois o omeprazol magnésico seria o

99Em atendimento à Res. 238/16, que assim dispõe: “Art. 2º Os tribunais criarão sítio eletrônico que permita o

acesso ao banco de dados com pareceres, notas técnicas e julgados na área da saúde, para consulta pelos Magistrados e demais operadores do Direito, que será criado e mantido por este Conselho Nacional de Justiça.” Uma série de informações para subsidiar magistrados encontram-se disponíveis no endereço eletrônico: <https://www.tjce.jus.br/saude/>.Acesso em: 05 dez 2018.

100Ressalte-se, contudo que, o membro responsável pela Coordenação do NATJUS-CE também coordena o Comitê

único omeprazol passível de diluição. Todavia, o Parecer nº161 do NATJUS-CE foi conclusivo no sentido de que:

[...] O tratamento da paciente poderá ser feito pelo SUS, com omeprazol convencional, uma vez que, segundo a bula do medicamento ‘para pacientes que tiverem dificuldade em engolir, as cápsulas podem ser abertas e os microgrânulos intactos misturados com pequena quantidade de água fria e tomados imediatamente".Não há justificativa plausível para o uso de omeprazol magnésico (LOSEC MUPS®) em substituição ao omeprazol convencional disponibilizado no SUS.’101

Convém ressaltar que as atividades do NATJUS-CE estão restritas aos pareceres em matéria de saúde pública, pois conforme informações obtidas junto ao convênio, seria necessário um aumento no corpo técnico para atender a demanda também referente a saúde complementar, para isso vêm-se tentando celebrar convênios com outras instituições a fim de que forneçam profissionais; ressaltando que os funcionários que fazem parte do NATJUS-CE não são cedidos, continuam vinculados ao seu órgão de origem e tem apenas parte de sua carga horária disponibilizada para o Núcleo.

Expandir o NATJUS-CE para todas as zonas judiciárias, consiste atualmente num grande desafio, considerando-se seu reduzido corpo técnico, que não consta com dedicação integral. No ano de 2018, houve a expansão do NATJUS-CE para atender a Região Metropolitana e outros municípios, podendo contar com seu auxílio, as comarcas de Caucaia, Maranguape, Pacatuba, Aquiraz, Maracanaú, Eusébio, Itaitinga, Guaiúba, Chorozinho, Pacajus, São Gonçalo do Amarante, Horizonte, Pindoretama, Cascavel, Paracuru, Paraipaba, Trairí e Umirim.

Na Comarca de Fortaleza, com a instalação de duas varas especializadas em saúde, a 9ª e a 15ª Vara da Fazenda Pública, no segundo semestre de 2018, os processos envolvendo saúde parte dos processos passaram a se concentrar nessas varas, enquanto os demais, que possuem rito próprio, continuam a tramitar nos três Juizados da Fazenda Pública. A solicitação de pareceres também pode realizada por Desembargadores que julgam processos relacionados a saúde.

A especialização de varas é uma boa iniciativa na medida em que gera uma economia na capacitação dos julgadores, contudo tem sido criticado por alguns pois tenderia a incentivar demandantes e advogados à cultura do litígio.

101Disponível em: https://www.tjce.jus.br/wp-content/uploads/2018/10/OMEPRAZOL-MAGN%

C3%89SICO-LOSEC-MUPS%C2%AE-PARA-TRATAMENTO-DE-ESOFAGITE-EROSIVA-E-GASTRITE- CR%C3%94NICA-LEVE.pdf. Acesso em: 15 jan 2018.

Embora não se possa afirmar com base nos dados obtidos juntos ao NATJUS-CE, se a iniciativa causou impacto na judicialização em termos numéricos, foi possível constatar que essa iniciativa cumpre seu papel quanto à capacitação e aperfeiçoamento da magistratura em matéria de saúde, sendo proporcionados encontros e reuniões dos magistrados com membros do NATJUS-CE, assim como há constante capacitação de seus membros em cursos EAD organizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará tem-se promovido cursos de aperfeiçoamento para a magistratura nas demandas relacionadas ao Direito à saúde, como o “Curso de Direito à Saúde”, que se deu no mês de maio de 2018, no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), de iniciativa da Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec), em parceria com o Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário do Estado (NAT-JUS), com o objetivo de promover o aperfeiçoamento de magistrados e servidores em temas relacionados à matéria, como o fornecimento de medicamentos, tratamentos, entre outros102.

Nos meses de junho a agosto de 2018, foi promovido pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará o I Curso de Mediação em Saúde, também visando a capacitação, de magistrados e servidores, em temas relevantes sobre direito à saúde, como a judicialização, saúde pública e saúde suplementar, bem como aprimorar as técnicas de mediação relacionadas às demandas desta natureza, possibilitando ao conciliador e ao mediador realizar as sessões envolvendo Entes Públicos e planos de saúde com maior assertividade e conhecimento técnico. No referido curso houve a formação de 30 mediadores, e, conforme informação obtida junto ao NATJUS-CE faz parte da programação do TJCE, como próxima etapa do enfrentamento à judicialização a criação de câmaras de mediação em saúde.