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Capítulo 1 – História do bairro e da “Escola do São João”

1.2. Primeira fase de imigração no bairro: os italianos e outros

1.2.2. O nacionalismo na educação dos filhos dos estrangeiros

Num estudo expressivo sobre A Educação de imigrantes no Brasil, Kreutz (2003) aborda aspectos como a representação social do imigrante, como sinônimo de trabalhador, assim como a luta pela manutenção de especificidades culturais tais como idioma, organização religiosa e escolar como modos de conservação da identificação étnica desses

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Cf. Pierre Bourdieu. “Os três estados do capital cultural”. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.).

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grupos organizados. “Da parte dos imigrantes, houve uma tendência continuada à formação de núcleos etnicamente homogêneos, pois favorecia sua organização religiosa, social e escolar em perspectiva comunitária”. (p. 349)

Conforme já apontado, especialmente os italianos vieram a partir de 1870 e formaram o maior contingente de imigrantes, sobretudo no Estado de São Paulo. Em Campinas, de 1882 a 1900 entraram 10.631 imigrantes estrangeiros, sendo que aproximadamente 75% deles eram italianos (Pessoa et. al., 2004).

Na explicação dos historiadores, caracterizou-se como tendência entre os países a busca pela formação da nacionalidade, que no Ocidente foi se constituindo a partir do final do século XVIII, pressupondo uma universalização do conceito de povo e de nação. O nacionalismo buscou consolidar a afirmação de uma unidade simbólica, considerada necessária para a modernização econômica do país. Desse modo, cada nação apoiou-se na expansão de um sistema escolar para as massas com a função de difundir uma cultura uniforme.

Tentava-se assegurar a lealdade dos cidadãos difundindo e legitimando uma concepção de mundo semelhante, imposta pelo Estado e transmitida especialmente pelo sistema escolar. A escola foi chamada a ter um papel central na configuração de uma identidade nacional, sendo ao mesmo tempo um elemento de incentivo à exclusão de processos identitários étnicos. (KREUTZ, 2003, p. 351)

Schwartzman et. al. (2000) em Tempos de Capanema, ao analisar a construção da nacionalidade brasileira enquanto ideologia, nos anos 1930-40 no Governo de Getúlio Vargas, enfatiza o papel da educação como instrumento crucial, sobretudo pela inserção dos imigrantes pós- escravidão.

Nesse sentido, o historiador Hobsbawn (1988) define Estado-nação como

um Estado territorial mais ou menos homogêneo, internacionalmente soberano, com extensão suficiente para proporcionar a base de um desenvolvimento econômico nacional, com um corpo de instituições jurídicas e políticas de tipo representativo e composto por cidadãos mediados por um governo nacional. (p. 41)

Nos anos 1930 que iniciam a Era Vargas, a expansão das escolas primárias estatais contemplou a implantação de uma política de nacionalização que fosse eficiente na

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educação dos filhos de estrangeiros, promovendo o seu “abrasileiramento”. No período chamado Estado Novo (1937-45), que institui uma ditadura, a política de nacionalização do ensino exaltava a nacionalidade brasileira, que “deveria firmar-se pelo uso adequado da língua portuguesa de forma uniforme e estável em todo o território nacional”. (Schwartzman et. al. 2000, p. 157)

Nas entrevistas, depoentes mais velhos testemunharam que no universo privado da casa, pais e avós conversavam em italiano. A escola teve importante papel na socialização dessas crianças – sobretudo nos modos de aprendizado sistemático da língua portuguesa, conforme relata o Sr. Clemente.

E o pai do Sr. tinha algum estudo ou não?

Eu não sei se ele teve estudo... Eles sabiam conversar bem, ele e minha mãe...

Em casa conversavam em italiano ou conversavam em português?

Ah! Eles conversavam bonito, mas... em casa conversavam em italiano, você vê que eu converso tudo atrapalhado, né. Minha mãe falava tudo em italiano...

Mas as crianças iam pra escola e era a Balbina que ensinava falar o português?

Falava tudo em português. Ela falava bonito! Ensinava falar “mesmo”e não “memo”.... Cresce naquilo... tem que falar que nem a professora ensina, né: bonito!

Sobre este período da história brasileira, Hilsdorf (2006) em História da educação brasileira: leituras, explica que o presidente Getúlio Vargas, a frente do novo regime, buscou consolidar sua imagem como novo, moderno e racional, e, ao mesmo tempo, manteve uma linha de atuação autoritária, centralista e intervencionista. Tal política propagou o nacionalismo como a cultura oficial, adotou meios de controle e repressão ideológica, promoveu propaganda visando orientar a mentalidade da sociedade, incutindo ideologias, cuja educação escolar teve um papel central na disseminação de valores atribuídos à família, à religião, à pátria e ao trabalho.

O Estado Novo vai desenvolver uma política educacional de molde autoritário e uniforme. Isso aparece... em 1937, na fala de Gustavo Capanema, ministro da Educação desde 1934, quando diz que a educação

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é instrumento do Estado para preparar o homem não para uma ação qualquer na sociedade (...), mas para “uma ação necessária e definida, uma ação certa: construir a nação brasileira”. (...) contra os estrangeiros, os imigrantes que desnacionalizavam o Brasil. (HILSDORF, 2006, p. 100)

Diz Schwartzman et. al. (2000) que a “formação do Estado Nacional passaria necessária e principalmente pela homogeneização da cultura, dos costumes, da língua e da ideologia”. (p. 182)

Por suposto, os filhos dos imigrantes deveriam obrigatoriamente passar pela escola para receberem tal aprendizado. Nas narrativas sobre a história do bairro Felipão, Dona Mafalda diz que a avó só conversava em italiano, assim como a mãe. O Sr. Gildo também relatou que até os oito anos - quando entrou na escola - não sabia falar português, pois em casa toda a família só conversava em italiano. Aprendeu a língua portuguesa na escola.

De acordo com Kreutz (2003), no período de maior entrada dos imigrantes, na década de 1890, o Brasil tinha um sistema escolar altamente deficitário, com uma população de mais de 80% de analfabetos. Esse quadro levou alguns grupos de imigrantes a pressionarem o Estado em favor de escolas públicas. As colônias empreenderam uma ampla estrutura comunitária de apoio ao processo escolar, religioso e sociocultural, buscando a integração entre os moradores.

Na contrapartida, o Estado interpretou como perigo à segurança nacional a presença de núcleos estrangeiros muito organizados e coesos, lançando campanha de nacionalização do ensino a partir de 1938. O Ministério da Justiça proibiu o uso de outros idiomas no espaço público que não o nacional. (Schwartzman et. al. 2000)