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O nosso caminho: os procedimentos metodológicos

Recordamos que o objetivo deste trabalho é identificar as ações de aprendizagem que indicam a transformação e/ou criação dos motivos no processo de formação profissional inicial do professor de Matemática. Tendo este objetivo como foco da nossa investigação e

pautados no método histórico dialético, procuramos compreender como se dá esse complexo movimento de aprendizagem da docência em um contexto específico.

Para isso organizamos um experimento formativo que associou os preceitos teóricos da abordagem histórico-cultural e da teoria da atividade com a Educação escolar. Hedegaard (2002, p.214) indica que, para Vigotski, “o experimento [...] é uma concretização da afirmação de que o método genético formativo é um método de pesquisa necessário para investigar a formulação e o desenvolvimento dos aspectos conscientes dos seres humanos com o mundo”.

Este experimento formativo foi desenvolvido com três estagiários do curso de Matemática de uma universidade federal brasileira, durante todo o ano letivo. A condução do experimento visa a observar o processo de aprendizagem docente e, conseqüentemente, perceber quais as ações que revelaram as transformações ou mudanças de qualidade nos motivos dos indivíduos. Assim, na tentativa de desvelar o fenômeno em questão, levantamos dados, evidências e informações sobre o assunto, em um determinado tempo e espaço, bem como o conhecimento teórico acumulado sobre ele, em busca da sua compreensão.

Os instrumentos de coleta de dados da pesquisa

Nas abordagens qualitativas, a pesquisa caracteriza-se pela adoção de diversos procedimentos e de instrumentos para a coleta de dados, já que os dados não são entendidos como algo que simplesmente deve ser coletado, mas sim elaborados e reconstruídos continuamente. Desta forma, os dados (BOGDAN; BIKLEN, 1994) tanto podem ser materiais registrados pelos investigadores (tais como transcrições de entrevistas e notas de campo), como também podem ser materiais elaborados por outros e encontrados pelo pesquisador (por exemplo, documentos oficiais, diários pessoais, fotografias, etc.).

Posto isto, os dados foram coletados por meio dos seguintes instrumentos:

− Registros em áudio das reuniões dos grupos e das reuniões coletivas.

− Registros audiovisuais das aulas, durante o período de regência dos estagiários na escola-campo.

− Observações de campo realizadas durante as diversas etapas do desenvolvimento do experimento formativo.

− Documentos produzidos (tais como relatórios de estágio, memoriais e outros) durante as diversas etapas do desenvolvimento do experimento formativo.

As entrevistas semi-estruturadas24 (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001) foram utilizadas neste trabalho com o objetivo de compreendermos as trajetórias pessoais, as concepções e identificarmos os motivos que mobilizam os participantes da pesquisa. A nossa intenção com essas entrevistas não foi a de realizar um exame minucioso da história de vida dos indivíduos, mas conhecer os aspectos mais relevantes do seu contexto de vida que poderiam contribuir para a compreensão de certos modos de pensar e agir. Elas foram realizadas com todos os participantes, individualmente, assim que iniciamos o experimento formativo.

O uso dos documentos, como dados de pesquisa, permitem não somente a complementação das informações obtidas em outras fontes, mas também pode revelar aspectos imprescindíveis do processo de formação docente dos estagiários. Os principais documentos coletados nesta investigação foram os dois Trabalhos Finais de Curso (TFC) elaborados pelos estagiários. Além disso, recolhemos durante o trabalho algumas tarefas de aula realizadas na disciplina Metodologia e Conteúdo do Ensino de Matemática (MCEM), memoriais elaborados pelos participantes, e notas de campo do pesquisador.

Se a transcrição das entrevistas semi-estruturadas, das reuniões e o conteúdo dos documentos consistem nos dados primários da pesquisa, o uso de imagens videogravadas das aulas do período de regência dos estagiários serve como um dado secundário importantíssimo, já que boa parte das discussões realizadas nas reuniões com os grupos e com o coletivo foi desencadeada com base na exposição dessas imagens. Assim, o conteúdo deste material servirá como um suporte para a validação de algumas afirmativas realizadas nesta investigação.

O contexto da pesquisa: o estágio supervisionado25

Conforme anunciado anteriormente, esta pesquisa foi desenvolvida junto a um grupo de estagiários matriculados na disciplina Metodologia e Conteúdo do Ensino de

24 As entrevistas semi-estruturadas são aquelas em que o entrevistado é solicitado a falar de determinados assuntos.

25 Nos últimos anos, temos presenciado uma série de estudos relevantes na discussão do estágio supervisionado, entre eles destacamos os seguintes: Moura (1999), Pimenta (2002), Pimenta e Lima (2004), Barreiro e Gebran (2006) e Oliveira, R. (2006).

Matemática (MCEM) do curso de Matemática de uma IFES26, durante todo o ano letivo. Sabendo da relevância da descrição do contexto, passaremos, na seqüência, a apresentar os aspectos particulares inerentes ao campo da pesquisa.

O curso de Matemática possui duas modalidades: bacharelado e licenciatura. A grade curricular implantada em 199227 determina um tronco comum de disciplinas para ambas as modalidades e exige que o estudante, ao matricular-se na terceira série, opte por uma das modalidades. O curso é desenvolvido em, no mínimo, quatro anos, totalizando 2.532 horas para a licenciatura e 2.468 horas para o bacharelado, distribuídas em quatro séries anuais.

As disciplinas que compõem o núcleo epistemológico da modalidade licenciatura estão classificadas nos seguintes tipos: análise matemática com 512 horas/aula (AM), álgebra com 256 horas/aula (A), geometria com 384 horas/aula (G), docência com 576 horas/aula (D), fundamentos da educação com 320 horas/aula (FE) e complementar com 484 horas/aula (C). Já as disciplinas do bacharelado estão distribuídas em quatro grupos, a saber: álgebra com 384 horas/aula (A), análise Matemática com 896 horas/aula (AM), geometria com 480 horas/aula (G) e complementar com 708 horas/aula (C). No quadro (quadro 1) a seguir encontramos a distribuição das disciplinas do curso de Matemática em suas duas modalidades.

Quadro 1 – A distribuição das disciplinas do curso de licenciatura em Matemática por série, tipo e por modalidade

Série Licenciatura Bacharelado

Disciplinas C/H Tipo Disciplinas C/H Tipo

Cálculo I 192 h/a AM Cálculo I 192 h/a AM

Álgebra I 128 h/a A Álgebra I 128 h/a A

Geometria I 128 h/a G Geometria I 128 h/a G

Geometria analítica 128 h/a G Geometria analítica 128 h/a G

Cálculo II 192 h/a AM Cálculo II 192 h/a AM

Geometria II 128 h/a G Geometria II 128 h/a G

Álgebra II 128 h/a A Álgebra II 128 h/a A

Introdução à computação 128 h/a C Introdução à computação 128 h/a C

Física geral 192 h/a C Física geral 192 h/a C

Educação brasileira 128 h/a FE Probabilidade 64 h/a C

Psicologia da educação 128 h/a FE Análise 192 h/a AM

Variáveis complexas 64 h/a AM

Eq. diferenciais com

aplicações 128 h/a AM Álgebra III 128 h/a A

Didática e prática de ensino 192 h/a D Geometria diferencial 96 h/a G Fundamentos da Matemática 128 h/a D Eq. diferenciais ordinárias 128 h/a AM

Metodologia e conteúdo do

ensino de Matemática 256 h/a D Equações diferenciais parciais 128 h/a AM

26 Santos (1999), em sua dissertação, faz um estudo de caso pormenorizado deste curso.

27No ano anterior ao desenvolvimento desta pesquisa foi implantada uma nova grade curricular. Com esse fato havia, no ano letivo de execução deste projeto, estudantes matriculados em duas grades distintas.

Estrutura e funcionamento do

ensino 64 h/a FE Topologia 96 h/a C

Estatística 64 h/a C Mecânica 128 h/a C

Livre Atividades complementares 100 h/a C Atividades complementares 100 h/a C

Na configuração curricular do curso de Matemática não existe uma disciplina chamada estágio. As atividades do estágio são desenvolvidas junto à disciplina Metodologia e Conteúdo do Ensino de Matemática (MCEM). A ementa dessa disciplina determina o seguinte sobre a sua finalidade.

Disciplina na qual o licenciado integrará os conteúdos de Matemática constantes nos programas da escola de 1° e 2° graus, com a aplicação e o desenvolvimento de metodologias de ensino, através de ações que serão realizadas na Escola e no Laboratório de Matemática, que serão relatadas no Trabalho Final de Curso (TFC). A escola, como campo de estágio, será o local para a aplicação de uma proposta de ensino de algum tópico do 1° ou 2° graus, subordinada a um professor orientador e sujeita a um relatório na forma de um trabalho de final de curso (TFC).

Nesse contexto, a disciplina MCEM envolve uma equipe de professores: o professor supervisor do estágio, docente da escola-campo; o professor orientador do TFC, docente da instituição; e, por fim, o professor que ministra as aulas teóricas na universidade, que também é do quadro de docentes do Instituto.

A carga horária anual dessa disciplina está dividida da seguinte maneira:

− 128 h/a destinadas à prática na escola-campo, ou seja, o estágio;

− 64 h/a teóricas destinadas à orientação do Trabalho Final do Curso (TFC);

− 64 h/a teóricas desenvolvidas na sala de aula da universidade.

Segundo o Projeto Político-Pedagógico do curso de Matemática, a carga horária prática a ser cumprida na escola-campo deve ser dividida entre as seguintes etapas:

Etapa 1: Esta etapa compreende o momento de apreensão da realidade da escola- campo. Este é o momento que cabe ao futuro professor caracterizar a escola e a clientela com quem vai trabalhar e delinear a fundamentação teórica de sua proposta pedagógica.

Etapa 2: Esta etapa caracteriza-se pela cooperação quando o professor da turma e licenciando trabalham juntos na sala de aula. Idealizada para ser desenvolvida nos moldes da monitoria, tem por objetivo preparar o licenciado para assumir futuramente a classe. Ainda faz parte desta etapa a definição da proposta pedagógica a ser vivenciada pelo licenciando no próximo momento.

Etapa 3: Esta etapa é o momento da execução do plano de ensino, quando o licenciando assume a responsabilidade das diversas atividades que compõem o trabalho docente na sala de aula, sendo responsável pelo desenvolvimento da disciplina, a qual não deve ser inferior a 32 horas/aula.

Etapa 4: Esta etapa caracteriza-se pela redação final do Trabalho Final de Curso

(TFC).

A carga horária teórica que deve ser cumprida na universidade é dividida em dois momentos. O primeiro é destinado à orientação do TFC, que é realizada por um professor do quadro docente, não necessariamente vinculado à Educação Matemática. Esse trabalho geralmente é realizado em reuniões semanais com duração de pelo menos duas horas/aula. O segundo momento é desenvolvido na sala de aula da universidade em uma aula semanal. Nessas aulas o foco principal do professor regente e dos estagiários é a elaboração do TFC.

De acordo com a proposta de estágio da instituição, o TFC é um relato do desenvolvimento de uma proposta de ensino de algum conteúdo matemático do ensino fundamental ou médio na escola-campo, pautada pela aplicação de metodologias de ensino. A sua estrutura deve conter as seguintes seções:

a. Introdução b. Capítulos:

i. Contextualização

ii. Proposta Pedagógica (e Fundamentação teórica) iii. Descrição da ação pedagógica

iv. Análise da ação pedagógica c. Conclusão

d. Anexos

i. Planos de aula ii. Atividades iii. Provas

iv. Outros elementos que forem considerados citados no corpo do trabalho

Com esse direcionamento, todas as atividades realizadas durante as aulas na faculdade têm como principal objetivo fornecer aos discentes elementos para a elaboração da caracterização da escola-campo, da organização da proposta pedagógica, da formatação e da apresentação do relatório final de estágio. Isso ocorre pelo fato de que o TFC produzido pelos estagiários deve ser apresentado a uma banca examinadora, composta por professores da

instituição, e constitui-se um dos elementos necessários para a aprovação na disciplina MCEM.

No ano de desenvolvimento deste trabalho, foram ofertadas duas turmas da disciplina MCEM (uma no turno vespertino e outra no noturno). O total de estudantes matriculados nas duas turmas era de 44, divididos da seguinte forma: 23 no vespertino e 21 no noturno. Esta quantidade de estudantes, aliada ao número de docentes28 da instituição que se interessam pela orientação, impõem que estes estudantes sejam distribuídos em grupos para a realização do TFC. Desta forma, os discentes foram organizados em 23 grupos, sendo 21 duplas; por motivos diversos dois estudantes realizaram as atividades individualmente.

Esses grupos foram distribuídos de forma aleatória, pela coordenação de estágio, entre 18 professores do corpo docente que orientaram as atividades referentes ao TFC. Um acordo tácito que existe na universidade é o de que os professores da área de Educação Matemática devem orientar um maior número de estagiários. Desta forma, os três professores29 que compunham o quadro ficaram com oito grupos e os demais docentes dividiram os grupos de estagiários entre si, e cada professor ficou responsável pela orientação de um grupo.

Para o desenvolvimento das atividades dos estagiários, a IFES mantém uma escola-campo30, que é o antigo Colégio de Aplicação. A escola-campo oferece, no turno matutino, 24 turmas do ensino fundamental e médio. Deste total, somente 16 podem receber estagiários do curso de Matemática, que são as turmas da segunda fase do ensino fundamental e do ensino médio. Aparentemente esse número seria suficiente para grande parte dos cursos de licenciatura. Porém, essa oferta de vagas para o estágio na escola-campo é insuficiente para a demanda de estagiários provenientes do curso de Matemática, por dois grandes motivos. O primeiro é que o número de estagiários é bem maior que o número de vagas ofertado pela escola-campo. O segundo e mais grave motivo é que a organização curricular do curso de Matemática não permite, aos estudantes, o cumprimento da carga horária de estágio no mesmo horário em que ele está matriculado. Assim, seria de se esperar que o turno matutino fosse a opção inicial dos discentes. Contudo, como grande parte deles são estudantes- trabalhadores, a realização de um estágio diurno é impossível. Por essa razão, há necessidade

28 No ano de execução deste projeto de pesquisa o corpo docente da IFES contava com um total de 41 professores.

29 Entre estes está incluso o próprio pesquisador, que no ano de desenvolvimento deste trabalho também exercia a função de coordenador de estágio, professor das duas turmas da disciplina MCEM e orientador de três grupos de estagiários (um total de cinco estudantes), sendo duas duplas.

30 A escola campo da IFES tem a finalidade da realização do ensino, da pesquisa e da extensão, como instrumentos de participação na formação de novos educadores nas diversas áreas de conhecimento, atendendo, pois os diversos cursos de Licenciatura.

do estabelecimento de convênios com outras escolas. Esses outros espaços de estágio são escolas de ensino fundamental e médio situadas nas imediações do câmpus da universidade31. Mesmo nesse contexto, a parceria principal para a realização do estágio dos estudantes da IFES é estabelecida com a escola-campo da própria instituição.

A principal razão para o estabelecimento desta parceria encontra-se na competência e experiência dos professores preceptores dos estagiários32 e na estrutura organizacional e estrutural privilegiada da escola-campo. Como essa mesma situação não é encontrada nas demais escolas-campo33, o trabalho nesses espaços carece de uma continuidade. A cada ano a coordenação de estágio encontra algumas dificuldades que a impele a procurar novas escolas-campo.

Desse modo, nesse contexto, foi desenvolvido o experimento formativo que se iniciou a partir do aceite voluntário da participação de três dos nossos cinco orientandos de TFC (Donizete, Laurinda e Tereza34). É importante aqui ressaltar o caráter voluntário da atividade dos discentes: de nenhuma forma foram coagidos ou pressionados a participarem do experimento, tanto que dois deles, por razões particulares, não aceitaram o convite. Assim, descreveremos sucintamente a seguir os estagiários que participaram da pesquisa.

Os participantes da pesquisa

Participaram deste experimento formativo três estagiários do curso de licenciatura em Matemática. Os três participantes apresentam características bem distintas entre si em relação a vários aspectos importantes como a experiência docente, o tempo de experiência, exercício da docência concomitantemente com as atividades no curso de graduação. Segue uma breve descrição dos três participantes, mais detalhes serão apresentados no próximo capítulo quando enfocarmos a trajetória pessoal de cada um deles.

Tereza é uma mulher de 25 anos de idade, solteira, veio transferida de um dos campi da IFES situados no interior do estado. Não trabalhava e dividia o aluguel de um

31 Na tentativa de auxiliar nas atividades do estágio supervisionado, a instituição tem um convênio assinado com as redes municipal e estadual de ensino. Este convênio prevê que todas as escolas destas duas redes podem receber estagiários da universidade.

32 Os chamados professores supervisores de estágio são todos enquadrados na carreira do magistério superior, diferentemente de outros colégios de aplicação federais.

33 A realidade das escolas públicas situadas na cidade de Goiânia, não difere muito do panorama nacional, que é marcado por escolas com estrutura física precária, professores desvalorizados e desmotivados e um baixo desempenho acadêmico de grande parte dos estudantes.

apartamento, situado em um dos bairros nobres da cidade, com uma amiga. A sua experiência com o ensino se resumiu a ter sido instrutora de informática.

Laurinda é uma jovem de 19 anos, solteira, assim como sua companheira de estágio, Tereza, também veio transferida de uma outra universidade pública situada no interior do estado. Morava com os pais em um bairro próximo ao câmpus. A sua experiência como docente era proveniente da sua participação como estagiária em um projeto de educação de jovens e adultos, coordenado pelo SESI, para funcionários de uma grande empresa do ramo da alimentação.

Por fim, o nosso último participante, que será chamado aqui de Donizete, é um homem de 32 anos, casado. Morava em uma casa própria, situada em um bairro próximo ao câmpus. Donizete é licenciado em Física pela própria IFES, trabalhava em uma pequena escola particular, ministrando aulas de Matemática para a segunda fase do Ensino Fundamental. Durante o desenrolar do experimento, ele pediu demissão desta instituição de ensino e passou a lecionar aulas de Física na rede pública estadual, inicialmente em caráter provisório, e depois foi efetivado via concurso público.

Para a realização das atividades do estágio supervisionado, Laurinda e Tereza formaram uma dupla e desenvolveram suas atividades no turno matutino em uma turma do sexto ano do ensino fundamental na escola campo da IFES. Já Donizete, fez estágio sozinho, e desenvolveu suas atividades no turno noturno em uma turma do segundo ano do ensino médio de uma escola pública estadual. Essa escola-campo está situada nas imediações do câmpus.

A organização do experimento formativo

O experimento formativo é um método de investigação psicológico que permite estudar a essência das relações internas entre os diferentes procedimentos do ensino e o correspondente caráter de desenvolvimento psíquico do indivíduo. Um dos pontos essenciais dessa perspectiva é que ela pressupõe a intervenção ativa do pesquisador nos processos psíquicos que ele estuda (DAVIDOV, 1988).

O experimento formativo tem suas origens na noção de experimento didático concebida por Vigotski (2003) que tinha como objetivo o estudo do desenvolvimento das funções psicológicas superiores durante o processo de escolarização. Contemporaneamente, encontramos similaridades entre essa perspectiva metodológica e entre outras abordagens

metodológicas, como design experiment (BROWN, 1992; COBB et al., 2003), teaching experiment (STEFFE; THOMPSON, 2000) ou design research (LESH; LESH, 2002; DOERR; WOOD, 2006). O que une a noção de Vigotski e as suas vertentes mais contemporâneas são dois pontos essenciais: primeiro, é a intenção explícita em desenvolver um processo visando a algum propósito dentro de um sistema necessariamente marcado pelas negociações de significados; segundo, a necessidade da organização dinâmica da análise do processo, que não pode ser momentânea e nem única, em outras palavras, deve ocorrer durante o desenvolvimento da investigação.

Em linhas gerais, podemos caracterizar o experimento formativo da seguinte maneira:

− pelo caráter qualitativo dos dados coletados;

− pela orientação para os processos descobertos pelos indivíduos ao se apropriarem dos conhecimentos inerentes à formação do professor;

− pela participação ativa do pesquisador na aprendizagem dos indivíduos;

− pela constante interação entre as observações coletadas e o planejamento futuro das ações;

− pela natureza longitudinal do trabalho desenvolvido.

Com base nesses atributos característicos dessa perspectiva metodológica35, desenvolvemos uma proposta de trabalho marcada pela seguinte idéia: colocar os futuros professores em atividade de ensino (DIAS, 2007; MORETTI, 2007). Mas, o que significa colocar o professor em atividade de ensino?

Como sabemos, o sentido que o indivíduo dá para sua atividade constitui sua própria atividade (LEONTIEV, 1978). Em decorrência disto, podemos afirmar que o professor somente conseguirá atribuir sentido aos diferentes elementos da sua atividade docente se estiver realizando uma atividade de ensino, já que o motivo principal da sua atividade é o ensinar. Desta forma, “estando o professor em atividade de ensino, as ações que [ele] propõe visam responder a sua necessidade de organização intencional do ensino” (MORETTI, 2007,

35 Esses atributos acabam se aproximando da caracterização do que comumente se denomina pesquisa-ação, “que sempre envolve um plano de ações baseado em objetivos, um acompanhamento e controle das ações planejadas e