• Nenhum resultado encontrado

Mapa 01 – Localização do município de Contagem

4.3 O novo conteúdo da política e do planejamento urbanos contagense

4.3.2 A Conferência Municipal de Política Urbana e a revisão do Plano Diretor:

4.3.2.4 O novo Plano Diretor e a conjugação de princípios e objetivos

Desde a sua primeira versão, o Plano Diretor de Contagem compatibiliza as agendas do MNRU e alguns princípios do Planejamento Estratégico de Cidades. As diversas alterações, promovidas após a CMPU, no ano de 2006, e descritas acima, reforçam ainda mais a consideração da conjugação de características embrionariamente antagônicas na política urbana local.

No que tange à agenda do MNRU, o Plano Diretor de Contagem incorpora nos seus princípios e objetivos, a proposta de uma cidade socialmente mais justa e democrática. Assim, como forma de atingir os objetivos, adota-se instrumentos integrantes das propostas de reformas que foram, primeiramente, incorporadas à Constituição Nacional e, posteriormente, regulamentadas pelo Estatuto da Cidade.

Com base nos princípios de planejamento e gestão urbanos propostos pelo MNRU, a Consultora Técnica da SMDU aponta três avanços do atual Plano Diretor: o aprofundamento das diretrizes da Política Municipal de Habitação Popular, os novos instrumentos de política urbana e a revisão dos já existentes, e a institucionalização do Sistema Municipal de Gestão Participativa.

No ano de 2006, houve um maior aprofundamento das diretrizes em relação à Política Habitacional, incorporando aspectos do Programa Nacional de Habitação Social. Outro grande ponto foi em relação aos instrumentos de política urbana, que avançamos mais em relação ao que existia. E teve uma grande conquista, que foi a institucionalização do sistema de gestão participativo, que é um sistema que o COMPUR coordena e participam os conselhos da área urbana. Anualmente existe uma plenária do sistema e a cada quatro anos é feita a Conferência. O embrião disso já estava no plano diretor anterior, mas aqui nós estruturamos melhor. Então, eu acho que esses são três pontos importantes (Informação verbal)118.

O novo Plano Diretor de Contagem não somente mantêm os instrumentos de política urbana, como institui outros. A Outorga Onerosa do Direito de Construir é mantida, assim, como a Transferência do Direito de Construir, o Parcelamento e Edificação Compulsórios e o IPTU Progressivo no Tempo. Além destes, a Operação Urbana Consorciada e o Direito de Preempção foram instituídos, na revisão realizada em 2006. O Plano Diretor prevê, ainda, a apresentação de Relatório de Impacto Urbano – RIU para empreendimentos que possam causar alterações substanciais no meio urbano, outro instrumento inspirado nas propostas do MNRU.

118

Ao contrário de outras experiências brasileiras119

, os instrumentos onerosos de combate à retenção imobiliária especulativa e distribuição das benesses e ônus do processo de urbanização implantados em Contagem não possuem grande flexibilidade em seus princípios e conteúdos. Desta forma, a captura destes instrumentos, por parte dos interesses econômicos do mercado imobiliário, torna-se mais difícil, propiciando uma aplicação de forma mais coerente com os princípios redistributivistas propostos pelo MNRU.

A exceção fica por conta da Operação Urbana Consorciada. De acordo com os princípios do instrumento mencionados no Plano Diretor, observa-se uma significativa flexibilidade que permite maiores negociações entre o poder público e a iniciativa privada quanto às áreas passíveis de receberem as intervenções. Além disso, nas áreas receptoras das Operações Urbanas, os índices e características do parcelamento, uso e ocupação do solo, assim como as normas edilícias, podem ser modificados, de acordo com as determinações do poder público municipal. Os princípios mencionados permitem a utilização da Operação Urbana Consorciada como um instrumento a favor da revalorização do espaço, adequando-se, assim, aos interesses do capital imobiliário, em detrimento de sua utilização na reprodução do espaço que privilegie ações a favor da construção de uma cidade socialmente mais justa.

Em certa medida, os instrumentos mencionados colocam em evidência a influência do ideário do MNRU na concepção do Plano Diretor de Contagem. A Consultora Técnica da SMDU confirma esse processo e afirma:

(...) desde o primeiro plano diretor que nós estamos “antenados” com o movimento da reforma urbana e o primeiro plano diretor já foi feito depois da Constituição. (...) vamos dizer assim, a equipe técnica que trabalhou no plano diretor é uma equipe envolvida e bem articulada com esse ideário. Então, desde o primeiro plano diretor que nós colocamos alguns instrumentos de política urbana, que depois vieram a ser instituídos e regulamentados pelo Estatuto da Cidade. No segundo, no plano diretor de 2006, isso aí foi mais reforçado ainda. (...) quando nós trabalhamos o plano diretor dentro dos princípios de reforma urbana, dentro do princípio do direito à cidade, na verdade estávamos afinados com esse ideário. O plano diretor, quem lê, vê que ele está afinado (Informação verbal)120.

Contida no eixo das políticas setoriais, a Política Municipal de Habitação de Interesse Social é um destaque com relação ao princípio de uma cidade socialmente mais justa. Em consonância com as diretrizes do Programa Nacional de Habitação, este ponto do Plano Diretor contribuiu de forma fundamental para a institucionalização de uma política municipal de habitação popular mais consistente. As normas estabelecidas no Plano Diretor determinam

119 Ver o trabalho de Compans (2004) sobre os princípios e objetivos das Operações Urbanas instituídas no Rio de Janeiro e em São Paulo.

120

uma maior democratização dos planejamentos, execuções e avaliações que envolvem o tema. Sendo assim, institui-se o Conselho Municipal de Habitação (COMHAB) e incentiva-se a criação de comissões locais de monitoramento das intervenções. Dentre as ações previstas no Plano Diretor estão a regularização fundiária e a requalificação urbanística dos assentamentos habitacionais precários; a ampliação de oferta de moradia para segmentos populacionais de baixa renda por meio de instrumentos urbanísticos; a locação, aquisição ou produção de imóveis residenciais, assim como a adequação de imóveis que possam ser utilizados para o uso residencial e o reassentamento de famílias removidas em condições justas e dignas.

De forma pioneira no município, os parâmetros descritos estabelecem os critérios e diretrizes de uma política pública relacionada à questão da habitação popular. Aliás, mais do que isso, destaca o poder executivo local como agente responsável pela coordenação da política habitacional. Dentre as ações oriundas da institucionalização dessa política está à regularização fundiária de grande parte da região de Nova Contagem. Desde 1984, quando foi criado o “Conjunto Habitacional”, um erro no registro em cartório, que determinou a posse da área para o estado de Minas Gerais, impediu a regularização fundiária dessa região. A partir de um levantamento da situação documental da área, a PMC realizou uma permuta com o estado de Minas Gerais, permitindo, assim, a regularização de 3.403 lotes, beneficiando 3.800 famílias. A regularização fundiária permitirá que o poder local realize um número maior de intervenções em uma das áreas com grandes carências.

Além da regularização fundiária do Conjunto Habitacional de Nova Contagem, a PMC coordena uma série de ações no provimento de habitação de interesse social. O programa “Morar Bem” permitiu a construção de 3.946 moradias para famílias com renda até três salários mínimos e para moradores de áreas de risco. Neste programa, o reassentamento dos moradores é realizado nas áreas de origem das famílias ou o mais próximo possível121

. No segundo Plano Diretor, as diretrizes para a participação popular no planejamento e gestão urbanos ficaram mais claras. A institucionalização do COMPUR e do Sistema de Gestão Urbana Participativa estabelecem os espaços e os mecanismos que podem contribuir para um planejamento mais democrático.

O COMPUR se destaca como um importante espaço de discussão sobre os rumos do planejamento e da gestão urbana municipal, incorporando, paritariamente, a participação de representantes do poder público local e da sociedade civil. Com base nas atribuições deste conselho, verifica-se que poderão ser debatidas questões centrais da política urbana municipal

121 Alguns dos dados referentes aos programas de habitação de interesse social foram retirados do seguinte documento: PREFEITURA MUNICIPAL DE CONTAGEM. Relatório de Gestão. Contagem: Prefeitura Municipal de Contagem. 2011.

como o monitoramento e a revisão das normas urbanísticas, as análises das intervenções do poder executivo local e a verificação da compatibilidade destas com os preceitos do Plano Diretor, dentre outras funções opinativas e de caráter consultivo. O Sistema de Gestão Urbana Participativa, coordenado pelo COMPUR, permite uma maior integração entre as instâncias setoriais participativas ligadas às questões urbanas. Assim, este espaço pode favorecer uma discussão mais rica dos processos de planejamento e gestão, agregando as instâncias participativas em torno de temas mais amplos do que as intervenções setoriais122

.

No entanto, as atribuições apenas consultivas do COMPUR não permitem uma intervenção mais direta da sociedade civil no planejamento urbano municipal. Assim, os resultados dos debates realizados no âmbito do COMPUR são sugestões que podem ou não ser levadas em consideração pelo poder público local.

Se o novo Plano Diretor de Contagem avança na regulamentação de vários dos princípios e instrumentos inspirados no ideário do MNRU, este contempla, também, algumas das indicações contidas nos receituários do Planejamento Estratégico de Cidades. O destaque dado ao desenvolvimento das atividades turísticas e à flexibilização do Macrozoneamento indicam que o Plano Diretor incorpora aspectos de um planejamento, comprometido com a inserção econômica e competitiva da cidade.

A criação de divisões e subdivisões no zoneamento, como a Zona de Especial Interesse Turístico (ZEIT), e a elaboração de um capítulo específico sobre a Política de Turismo demonstram que o Plano Diretor tem uma preocupação especial com o favorecimento do desenvolvimento deste setor. A área da represa de Vargem das Flores e a região limítrofe com a Bacia da Pampulha são apontadas como espaços prioritários para impulsionar o desenvolvimento das atividades turísticas. A Consultora Técnica da SMDU esclarece essa perspectiva, afirmando:

Com relação ao turismo nós achamos duas coisas: a represa de Vargem das Flores, embora seja um manancial de abastecimento de água, ela tem potencial para isso. Então a ideia é explorar essa parte, [inaudível] principalmente o potencial turístico de Vargem das Flores. Tanto que você vai ver no plano diretor, isso é muito citado. (...) uma política de turismo poderia ser interessante, explorando, por exemplo, a proximidade de Contagem à Pampulha, da Bacia da Pampulha que ainda está bastante desocupada. Uma ideia que nós temos era de tentar nessa região da Bacia do Bom Jesus [integrante da Bacia da Pampulha] fazer um tipo de ocupação que fosse adequado não só do ponto de vista ambiental, urbanístico, tudo, considerando a presença da lagoa, mas também tirando partido disso, tirando partido dessa proximidade. É uma forma de inserção do município de uma coisa para qual ele contribui, porque se diz muito que Contagem polui a Pampulha. Eu acho que compartilha com Belo Horizonte a poluição da Pampulha. Nós temos um pedaço

122 Conforme apontado na introdução desta dissertação, várias avaliações dos novos espaços participativos vêm sendo elaboradas, apontando as possibilidades de uma nova relação entre o Estado e a sociedade e os limites de uma participação política efetiva.

grande da bacia da Pampulha que está assim, extremamente pressionado, mas que o município faz todo esforço para tentar instituir ali uma regra de ocupação que seja condizente com as características da área (Informação verbal)123.

O desenvolvimento econômico não constitui um fator estruturante para o plano. No entanto, neste novo Plano Diretor, a elaboração de uma Política de Turismo influencia de forma direta as mudanças no Ordenamento do Território e a constituição das políticas setoriais. Por meio das diretrizes e dos parâmetros de ordenação do território, busca-se favorecer o turismo em áreas que tenham atrativos para esse tipo de atividade.

Desde a primeira versão, o Plano Diretor procura favorecer o desenvolvimento de outras atividades econômicas, tendo em vista a significativa retração do setor secundário no ambiente local. Isto permanece no novo plano, sendo a política urbana um instrumento de favorecimento das condições para o desenvolvimento de novas atividades, conforme explicita a consultora da PMC:

A ideia é o seguinte, com relação à política urbana, propriamente, é criar condições para que outras formas de atividades, outro tipo de atividade, outros setores econômicos se instalem aqui em Contagem. Um pressuposto para isso, dentro do plano diretor, é essa coisa da sustentabilidade. Então assim, o que a gente acha que poderia contribuir para essa atração são duas questões: uma delas, mas dentro da política urbana, seria abrir a legislação, fazer uma legislação que fosse flexível a ponto de não dificultar a vinda desses empreendimentos. Dois, seria melhorar a qualidade ambiental da cidade, porque os empreendimentos mais interessantes que todo município gostaria de atrair, que são empreendimentos assim de ponta, mais em perfil de tecnologia, são empreendimentos que exigem uma qualidade ambiental melhor. Contagem já vem melhorando a qualidade ambiental aos poucos. Mas, assim, já melhorou bastante a qualidade ambiental. Então a gente acha que, do ponto de vista da política urbana que a gente está sempre trabalhando junto com a política ambiental, seria não impedir, não dificultar, ou seja, permitir que venham essas atividades. Nós não permitimos apenas que isso aconteça de forma disseminadamente rápida. Então na lei de uso do solo, que regulamenta essa parte do plano diretor, ela tem uma listagem de todas as atividades, aquela listagem de uso, onde os usos incômodos são impedidos nas zonas de ocupação restrita, nas zonas de expansão urbana na Pampulha, sabe? Não existe a categoria zona exclusivamente residencial, as atividades que sejam conviventes com o uso residencial são permitidas em todos os lugares do território. Só existe alguma restrição para uma parte pequena da bacia de Vargem das Flores, onde a gente privilegia as atividades voltadas para o turismo, basicamente aquela região mais assim, de contribuição mais direta da represa. Mas, na zona rural são permitidos empreendimentos de caráter urbano, empreendimentos econômicos de caráter urbano, nas zonas de expansão urbana são permitidos, e em qualquer região da cidade. Da parte da diversificação de usos é um desejo enorme de favorecer a multiplicidade em todos os lugares (Informação verbal)124.

A flexibilização do zoneamento cumpre um duplo objetivo, de um lado procura-se regularizar a tendência de ocupação de áreas especializadas por atividades diferentes das propostas para estas. Por outro, é um instrumento de atratividade que visa favorecer e atrair a

123 Entrevista concedida por Consultora Técnica da SMDU, em 24/02/2011. 124 Entrevista concedida por Consultora Técnica da SMDU, em 24/02/2011.

implantação de diferentes tipos de atividades e setores econômicos, na medida em que há em Contagem uma significativa transformação da economia, com grande retração do setor secundário. O objetivo é re-inserir Contagem na dinâmica de produção industrial, atraindo outros tipos de empreendimentos, ao mesmo tempo em que se busca impelir novos fluxos de consumo de espaço.

Em suma, constata-se que o Plano Diretor de Contagem, aprovado no ano de 2006, avança significativamente nos instrumentos de controle urbanístico e na incorporação das propostas de reformas que foram promulgadas pela Constituição Nacional e regulamentadas pelo Estatuto da Cidade. No seio das propostas deste instrumento de planejamento do espaço urbano, há uma preocupação evidente com o favorecimento da diversificação econômica do município. Assim, a incorporação de uma Política de Turismo e a flexibilização do zoneamento são formas de favorecer o desenvolvimento de novas atividades econômicas no âmbito local. Como em várias outras experiências, o Plano Diretor de Contagem contém várias propostas e instrumentos baseados no ideário reformista do MNRU e, também, agrega alguns dos princípios do Planejamento Estratégico de Cidades, como o destaque à atração de atividades econômicas ligadas ao setor de serviços e à flexibilização das normas de uso e ocupação do solo.

Uma importante questão é a efetivação das propostas do Plano Diretor, pois este, por si só, não é garantia de que esses objetivos e princípios sejam cumpridos. Destaca-se, neste sentido de realização das propostas, a revisão da Lei de Uso e Ocupação do Solo, no ano de 2010, como um marco, pois regulamenta várias das proposições contidas no Plano Diretor. A realização da 2ª Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU), entre os anos de 2010 e 2011, é outro evento importante e contribui diretamente para o estabelecimento de um processo de acompanhamento da efetivação das intervenções propostas (Figura 09). E, por fim, o início das atividades do COMPUR, no final do ano de 2010, um importante passo para uma maior participação da sociedade civil no âmbito do planejamento e gestão do espaço urbano.

FIGURA 09 - Folder de divulgação da 2ª Conferência Municipal de Política Urbana