• Nenhum resultado encontrado

O panorama das bibliotecas nas escolas portuguesas –

CAPÍTULO II Percursos de ontem e de hoje

2.2. O panorama das bibliotecas nas escolas portuguesas –

As alterações introduzidas no sistema educativo com a «Reforma Veiga Simão», no final dos anos 60 e, principalmente, na década de 70, a abertura do ensino a todas as crianças e jovens até ao 2º ano do ensino preparatório virão introduzir o paradigma da homogeneização do currículo, que se previa desencadear o sucesso escolar para todos e instituir o estatuto social desse reconhecimento.

Com tão profundas alterações, alguns reflexos dessas mudanças fizeram-se sentir nos modos de ensinar e aprender. A evolução das concepções pedagógicas contemporâneas faz com que, também entre nós, se valorize o papel do aluno e do seu trabalho no processo de ensino/aprendizagem. Logo, o papel da BE já não poderá (ou deverá) ser o mesmo.

Na década de 80, Pessoa (1985: 43) elaborava um estudo em que constatava que “As BEs são um dos elementos fundamentais do sistema de ensino dentro do espírito das novas correntes da pedagogia. No entanto, em Portugal, o seu funcionamento encontra-se bloqueado por uma legislação e uma prática desadequada” A autora (Idem: 45) é mesmo mais contundente ao afirmar que “A maioria das BEs são assim um peso morto e apresentam um aspecto desolador. É preciso educar os alunos de modo a que aprendam a respeitar este local.”

Consideremos, a legislação que enquadra o seu desenvolvimento, desde a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo até à actualidade: De acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86 de 14 de Outubro19), aprender é buscar, interrogar, criar, avaliar, estabelecer um diálogo mediato e imediato com o mundo. Depois de indicadas as finalidades/objectivos para os vários níveis de ensino, lista no seu artigo 14, ponto 2, alínea b), os recursos educativos disponíveis para alcançar tais finalidades ainda que numa concepção redutora já que, em primeiro lugar, surgem os manuais escolares, a que se seguem bibliotecas e mediatecas e um

19

conjunto de «equipamentos» como seja os laboratórios, espaços para educação física e educação musical.

A importância que as BE’s assumem nos estabelecimentos de ensino e na sua relação com o meio, será tanto mais perceptível, quanto nós tomarmos consciência do papel da informação nas sociedades contemporâneas e das nossas perspectivas sobre a aprendizagem. De várias partes do mundo chegam referências a organismos20 e acontecimentos que reflectem preocupações em mudar o panorama das BEs.

Canário referia-se-lhe deste modo, na sua tese de doutoramento: “Au Portugal il n’y a pas de réseau documentaire organisé, et les écoles ne disposent que de biblyothéques traditionelles, fontionnant d’une façon très irregulière” (1987:87).

Com a Lei 19-A/87 de 3 de Junho (Medidas de Emergência sobre o Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa) reconhece-se a importância das BEs, no seu Artº 4º, mas considerando-as ainda recursos a utilizar:

“1. Serão criadas bibliotecas em todos os estabelecimentos de ensino que ainda as não possuam e implementadas medidas no sentido de assegurar a permanente actualização e o enriquecimento bibliográfico das BEs.

2. As BEs serão apetrechadas com os livros indispensáveis ao desenvolvimento cultural e ao ensino-aprendizagem da Língua Materna e adequadas à idade dos alunos, cabendo ao Ministério da Educação e Cultura criar as condições de acesso e de orientação dos alunos relativamente à leitura.”

De facto, esta realidade é confirmada por Cabral (1988: 72), quando refere que a biblioteca é um dos departamentos da escola a que menos atenção se presta: “ (...) é sala de reuniões, é sala de aula, é, quantas vezes, uma pequena sala com armários fechados com portas em rede, contendo livros sem qualquer interesse.”

Em Dezembro de 1989, no Nº 3 do GEPEDUCAÇÂO (Boletim do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação) surge uma primeira notícia do subprograma “Mediatecas Escolares” (cit. in Calixto, 1996: pp. 57-58) onde: “ A leitura é um factor determinante do sucesso escolar da criança e a BE pode ter um papel importante não só na aprendizagem da

20

Referimo-nos ao «Manifesto da UNESCO» (1980), às «Guidlines for Planning and Organization of School Library Media Centers» e IFLA (International Federation of Library Associations).

leitura e da escrita mas também na sensibilização e fixação de hábitos de análise e pesquisa. Ensinar é investigar e ensinar a investigar deve começar logo na escolaridade básica.”

Para o referido subprograma (Idem) são definidos, resumidamente, os seguintes objectivos específicos:

• Adaptar as BEs às novas necessidades de informação; • Fomentar a aquisição de técnicas de investigação; • Caracterizar a situação em que se encontram as BEs;

• Inventariar as necessidades de forma a definir um programa de operacionalização das BEs;

• Definir a RBE;

• Equipar as escolas com BEs, gravadores de som, projectores de diapositivos.

Na verdade, pouco tempo depois, anunciou-se o concurso para atribuição de subsídios no âmbito do “Subprograma de Apetrechamento de Mediatecas Escolares”, convidando-se as escolas a candidatarem-se mediante apresentação de um projecto. Finalmente, a administração impulsionou o desenvolvimento de uma rede de mediatecas entendidas como condição para a transformação global das práticas escolares e, num artigo da autoria de uma técnica com intervenção directa nestes programas (Oliveira, I. cit. in Canário, 1994: 23), é considerada a necessidade de articulação da mediateca com um projecto de escola associado à transformação das práticas pedagógicas. Senão, vejamos: “As mediatecas têm (...) uma lógica de funcionamento diferente da lógica do espaço da aula tradicional, por constituírem um espaço de livre acesso, onde convivem o estudo, o lazer, a responsabilidade e a autonomia. As suas actividades e animação cultural ganham sentido quando integradoras do Projecto Educativo da Escola (...).”

Em 1989, Cristina Barroso dá notícia de uma inovação particular: o «Centro de Recursos Educativos da Escola Preparatória Marquesa de Alorna». Foi uma experiência pioneira no nosso país, bastante divulgada (Oliveira, 1997:49), “(...) que se tornou numa referência para a comunidade educativa a partir do momento em que, em Portugal, se começaram a dar os primeiros

passos neste domínio, com iniciativas da administração central destinadas a promover a difusão de mediatecas e centros de recursos nas escolas.”

Nas palavras da responsável pelo projecto (Barroso, 1989:58), tratou-se de um caso de “(…) uma inovação endógena, isto é, uma inovação centrada na escola e na resolução dos seus problemas, gerada no seu interior e em que os professores são os próprios autores das mudanças e os responsáveis pela sua orientação.”

Afinal, refere Oliveira (1992: 80), “(…) um projecto inovador, com implicações multiplas em diferentes sectores da escola” que viria a ser objecto de uma avaliação formal logo nos anos de 1991/92. Os autores desta avaliação foram, Canário e Oliveira e contemplou, em 1991, a caracterização e análise das modalidades de utilização do Centro de recursos, pelos alunos da escola. No ano de 1992, os mesmos autores realizaram um outro estudo, com as mesmas características, mas agora incidindo sobre a frequência e modalidades de utilização, pelos professores.

Para além destas experiências inovadoras e com carácter endógeno, no início da década de 90, relatando a situação comum no nosso país, Amante e Ochoa (1990: 67) escreviam: “ (...) as BEs encontram-se profundamente desadaptadas e afastadas da realidade escolar.” Para fundamentar a sua opinião evocam diferentes factores como: o aluno desloca-

-se sempre acompanhado pelo professor e nunca por sua iniciativa; a utilização do espaço não é planificada; a biblioteca é considerada apenas uma sala de leitura; horários desadequados; acervos reduzidos, desactualizados e sem tratamento técnico adequado. É sublinhada a importância de se proceder a alterações profundas, a diferentes níveis, para que este espaço possa realmente passar a ser considerado um «laboratório de aprendizagens».

O Despacho 175/ME/91, de 20 de Setembro, virá substituir os concursos das “Mediatecas Escolares” por um “Programa Especial de Apetrechamento das Escolas do Ensino Básico e Secundário a concretizar de 1992 a 1995 (...) [e que] pretende assegurar a continuidade da política de apetrechamento iniciada em 1988 (...)” (Nºs 1 e 2 do referido Despacho). Este é constituído por quatro subprogramas dependentes de quatro diferentes entidades (GEP, IIE, DGEBS e DGAE):

• Mercúrio (destinado a equipar escolas com o equipamento audiovisual necessário às actividades lectivas e à formação dos docentes);

• Biblos (destinado ao equipamento, apetrechamento e animação das BEs);

• Laboratórios.

Desaparece o conceito de «Mediateca» e regressa-se ao de «Centro de Recursos Educativos». Também Bento (1991) realizou um estudo sobre a criação de centros de recursos educativos em três escolas de diferentes graus de ensino, da região de Setúbal, procurando compreender algumas implicações de experiências deste tipo nas escolas, perceber as concepções de centros de recursos e suas potencialidades, perceber, afinal, as motivações de quem põe em prática experiências que implicam uma reestruturação dos espaços pedagógicos.

Nas suas conclusões realça alguns aspectos fundamentais que consideramos importante reter: a necessidade de uma verdadeira equipa de projecto; o necessário envolvimento de todos os participantes desde o início da experiência; a necessidade de ter o apoio da direcção da escola; o necessário apoio institucional e a necessidade de existir um coordenador permanente no centro de recursos.

Num estudo comparativo de casos sobre «Nascimento e Desenvolvimento de BEs», financiado pelo IIE e apresentado no II Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, Canário et al. (1994) ao precisar o papel das mediatecas, considera a sua funcionalidade e importância na relação com o meio, quando desempenham a função de recurso para a educação permanente dos cidadãos. Aqui (Idem: 27-28), chamam a atenção para o facto de os responsáveis das escolas referirem unanimemente a falta de apoio e acompanhamento, por parte do Ministério da Educação, do processo de desenvolvimento da inovação, concluindo-se que “(...) recursos exógenos podem ser colocados ao serviço de projectos e dinâmicas de mudança, sem contudo terem a capacidade de os gerar ou de lhes determinar o sentido.”

Assim, o desenvolvimento da mediateca não deve ser dissociado de um projecto pedagógico que vise estabelecer novas formas de relação com o saber. A transformação da escola só acontecerá (não imposta normativamente

do exterior) se os sectores mais inovadores, em particular os orgãos de gestão, se apropriarem deste processo que tem de ser endógeno, de acordo com as suas necessidades e dinâmicas próprias.

Garraio (1994) virá a elaborar um estudo que tem como principal objectivo fazer o levantamento das potencialidades educativas das BE’s das escolas do 2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário, no distrito de Portalegre. Ainda em pleno ambiente da reforma do sistema educativo, as suas conclusões não se afastam em nada do panorama que tem vindo a ser descrito pelos diferentes autores e dá-nos conta do estado das BEs da região estudada (Idem: 256), sublinhando que estas “ (…) carecem de urgente cuidado e intervenção”. De entre os vários aspectos a merecer atenção, salienta a necessidade de modificação da política de gestão, concepção de um plano de actividades, atribuição de orçamento próprio, actualização dos fundos documentais, alargamento do espaço físico, substituição do mobiliário, alteração do horário, articulação com a biblioteca pública.

Mais recentemente, Oliveira (1997: 79) regressou a um tema já anteriormente estudado por ele, na sua tese de Mestrado, procurando “(...) evidenciar e compreender o percurso formativo vivido por uma equipa de professoras (sete) no quadro da pilotagem de um processo de inovação endógeno do estabelecimento de ensino: a criação e desenvolvimento do CRE da Escola Preparatória Marquesa de Alorna.” O percurso destas professoras é tanto mais significativo quanto se considerar que “mais pertinente do que exportar soluções inovadoras” para as escolas é contribuir para que os professores, a nível local, construam activamente a mudança, problematizando situações e produzindo soluções originais para os problemas identificados (Idem:15).

Oliveira (Idem: 79) conclui, afinal, ter-se tratado de um processo com uma forte dimensão formativa que “(...) desencadeou processos de apropriação de novos saberes e saberes-fazer, e favoreceu a construção e experimentação de novas práticas e modalidades de acção pedagógica.”

2.3. O Programa de Lançamento da Rede Nacional de Bibliotecas