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O papel da Instituição na formação dos jovens entrevistados

A Instituição é concebida pelos alunos como um espaço muito familiar, de amizade, muita brincadeira, alegria, festas, oportunidade de crescimento pessoal e social. Na opinião dos alunos é um espaço de convivência, aprendizagem, ampliação de experiências e socialização. Foi enfatizada a importância do trabalho de orientação à escola e apoio à inclusão escolar.

Góes (2002, p. 99), baseando-se nas idéias de Vygotsky, diz que:

O funcionamento humano vinculado a alguma deficiência depende das condições concretas oferecidas pelo grupo social, que podem ser adequadas ou empobrecidas. Não é o déficit em si que traça o destino da criança. Esse destino é construído pelo modo como a deficiência é significada, pelas formas de cuidado e educação recebidas pela criança, enfim, pelas experiências que lhe são propiciadas.

Os próximos depoimentos, principalmente os dois primeiros, ilustram muito bem a afirmativa anterior:

...Infelizmente não pude aproveitar... poxa, o que essas crianças têm hoje

em dia é fantástico; se eu tivesse tido essa oportunidade, tive outras não

estou aqui reclamando, mas teria sido maravilhoso, então eu acho que é

fantástico a criança cega e a família ter a oportunidade, quer dizer, desde a família ter o suporte psicológico ou moral e técnico que ela precisa e informação; e pra criança também é fantástico porque ela passar por uma equipe multidisciplinar de profissionais, então é assim quando é bebê tem a estimulação precoce, aprende a engatinhar, a andar, parar de babar, chupar leite no canudinho, que é coisa que muitas vezes a

mãe não sabe que tem que ensinar, quando a criança vai crescendo ela aprende atividades da vida diária como noções de higiene e tal, aí quando está indo na fase pré-escolar já vai aprendendo o Braille. A Laramara também dá esse respaldo para a escola e orienta a escola a receber a criança de maneira inclusiva, de forma inclusiva, é muito legal e

depois quando vêm os adolescentes também é fantástico o trabalho de

orientação e mobilidade, o incentivo ao esporte que tem aqui, tem aula de natação, enfim depois quando o cara está mais velho que ele quer trabalhar tem o programa de preparação para o trabalho que é fantástico. Às vezes as empresas querem contratar e não têm pessoas qualificadas então se o cara aprende, se ele tem noções de informática, de inglês, de cidadania e isso o prepara melhor depois pra enfrentar o ambiente de trabalho e até noções de adequação... (TATI)

...Eu nado Crowl, costas, borboleta e peito, eu aprendi aqui na Laramara. Aqui eu tive dois professores que significaram, dentro da natação

eu digo, significaram bastante na minha vida assim, e até me estimularam no esporte dentro da natação eu aprendi muitas coisas com eles que é o J. F. e o S. Onde eu for eu terei um enorme carinho por esses professores porque foi realmente ali que começaram, às vezes eu fazia alguma coisa errada não no nado em si, eu tomava algumas atitudes inadequadas de acordo com

o ambiente e tinham uma postura de cobrança em cima de mim que me fez crescer bastante entendeu? (RAÍ)

A fala seguinte, dos dois jovens Raí e Klaus, mostra a grande importância de dar à criança cega oportunidade de se locomover com independência, o mais cedo possível. Laramara sempre defendeu a introdução de programas de Orientação e Mobilidade na educação infantil, pois acredita ser ela um processo que se inicia a partir dos primeiros movimentos espontâneos e intencionais do indivíduo com o corpo no espaço.

É importante ainda a introdução precoce da bengala que pode previnir alterações posturais, diminuindo a tensão e insegurança, que, muitas vezes prejudicam o padrão de marcha das pessoas cegas.

Graças a Deus, eu não tenho nenhum problema com locomoção. A maior vitória que eu tive aqui dentro, dentre muitas, foi a área da Orientação e Mobilidade! Isso eu devo a quatro professoras: J. F., V.F., N. e a B. Eles não sabem o quanto significaram para mim... (RAÍ) ...Antes, minha avó tem problema na perna, então eu não podia sair muito. Agora eu posso sair bastante, antes era só quando alguém podia vir comigo. Terminei a mobilidade, estou andando sozinho, mas é como eu falei, a Laramara me ajudou bastante. (Klaus)

...Lembro até hoje a primeira festa que eu fui pelo Laramara, foi na rua Turiassu na época, foi até legal que o Papai Noel, foi de helicóptero, eu lembro que eu comecei a cantar a

música do Zezé de Camargo e Luciano, foi num sábado.... Eu conheci um... eu estudo com um aluno colega meu onde a gente se conheceu numa festa daqui e não sabia; depois de muito tempo a gente começou a conversar e eu falei assim: B., você foi naquela festa? E a gente foi. Foi uma festa que teve, uma festa das crianças que teve, se eu não me engano, em Pinheiros, uma coisa assim no lado de Pinheiros em 95, num buffet infantil, muito alegre essa festa! Foi muito legal, onde tinha um brinquedo lá que eu não queria sair dele. Então assim são coisas que ficam registradas na nossa mente que a gente não pode, não dá pra esquece, por mais que a gente tenta a gente sempre acaba lembrando. (RAÍ)

...Eu lembro que na psicóloga aqui do Laramara eu trazia, eu não sei se ela trazia ou eu trazia a fitinha do Trem da Alegria, que era época, né, e ela me dava um monte de bonequinho e com esses bonequinhos eu fazia o vovô, a vovó, o pai a mãe e os irmãos, e eu botava todo mundo pra brincar, pra dançar, pra dormir, pra comer, agora é hora de comer e agora é hora de dormir e botava a música do Trem da Alegria e ficava cantando com ele, muito divertido.

...Mas a Laramara sempre teve brinquedos, tinha um pátio lá na Venâncio Aires, Ah, eu lembro disso, uma centopéia, eu chamava de centopéia.... um pátio onde tinha uma casinha. Eu lembro do parquinho, eu lembro. Eu lembro do gira-gira, lembro das massinhas. Lembro da casinha que tinha telhadinho de sapê, lembro do escorregador que tinha uma portinha pra passar, do pneu, que eu tinha medo eu só ficava em cima segurando no ferrinho eu não ficava sem segurar, até hoje eu sou meio desequilibrada, quem trabalhava isso comigo acho que era a V., falava:- solta disso aí menina. Fica em pé. Tia eu tenho medo, mas eu lembro do parquinho, do tanque de areia, eu lembro... brincava eu e a R... (GIGI)

...A Laramara é minha família mesmo, a minha casa, porque foi aqui que eu nasci, criei, se não fosse pelo Laramara eu não seria nada hoje, aqui é minha casa mesmo, o pessoal fala mal do Laramara eu não concordo, eu discordo, não acho justo, se não fosse pelo Laramara eu não seria o que eu sou na área da informática, no que eu sou mesmo assim... (KLAUS)

É na interação social que se dá a construção de vínculos e a formação de laços afetivos. A criança necessita do outro. É na relação e interação com as pessoas de sua família, com educadores, colegas de escola e com o mundo que a cerca que ela desenvolve suas possibilidades e se estrutura como pessoa. A interação social depende da forma como a criança é recebida, acolhida, observada, ouvida e compreendida em suas necessidades. Essa forma de relação e comunicação influencia o desenvolvimento psicoafetivo e determina a maneira como a criança vai interagir com as pessoas, objetos e meio em que vive.

...A Laramara, as brincadeiras aqui na Laramara foi importante... muito importante, eu acho que até hoje pra mim está sendo, porque se não fosse aqui mesmo eu não sei, teria não vendo muita coisa e não sabendo qual que eu tinha que seguir, porque eu ia ver sempre um comportamento diferente, eu nunca ia aprender do jeito que eu tenho que aprender, então acho que aqui foi muito importante, é muito importante, eu pretendo continuar e ficar a vida inteira aqui, porque a cada dia que passa eu acho que vai ser bem melhor, é uma coisa nova que eu aprendo, eu não sei mais chegar quinta ou quinta ou terça e falar que eu não vou, eu sempre tenho que vir, é muito importante... (ADRIANA)

Foi bastante valorizado o trabalho em grupo como fator de crescimento, aprendizagem, comunicação, desenvolvimento psicológico e de inclusão social.

Os três adolescentes que ainda participam de programas na Instituição enfatizaram a importância desse trabalho, pelas trocas de experiências, para compartilhar sentimentos, pontos de vista e principalmente pela oportunidade de diálogo, debate de temas de interesse da sua faixa etária.

...Aqui, normalmente as atividades são até para a gente conhecer mais uns aos outros, geralmente as atividades, embora eu tive algumas atividades sozinho, mas algumas eram desenvolvidas em grupo, né? Sempre em grupo. Exatamente eu acho que sempre com o pensamento da gente conhecer mais as pessoas, se ambientar com o próximo... (RAÍ)) ...Laramara passou a ter um trabalho voltado para grupos, no qual eu encaixei num grupo chamado G11. Ali eu aprendi muitas coisas, mostrava que realmente a gente não é nada fazendo as coisas sozinhos, entendeu? No primeiro momento eu não gostei muito porque eu falei: eu estou acostumado a fazer as coisas individualmente e agora eu vou ter que passar a dividir embora tinha algumas atividades, eu lembro até hoje o meu primeiro grupo mesmo foi com o Léo, Luan, a Priscila e eu, mas era um grupo voltado para Atividades de Vida Diária, então nas brincadeiras eu não gostei muito porque era uma coisa que eu já estava acostumado a brincar sozinho, do meu jeito e aí que entra a charada, eu teria que adaptar a uma outra forma e pensar mais pra frente que nem tudo vai ser do meu jeito! Vai ser uma mudança. Vai ser uma mudança e também uma coisa de compartilhar. Sem dúvida, ali eu também começava a englobar algumas histórias, ali sim a gente também começava a introduzir até de certa forma tentar implantar um teatro. Por isso que eu falei pra você que um teatro pra mim eu não conseguiria fazer um outro personagem, porque eu lembro até hoje que era a G. que comandava durante um horário, eu lembro que era para eu interpretar e eu mais ria do que conseguia fazer qualquer outra coisa; então era uma mistura muito grande do meu eu com outra coisa, mas foi muito gostoso! (RAÍ)

...O trabalho em grupo eu acho, eu acho que é bem melhor. Você desenvolve amizades né com as outras crianças do grupo. Eu troco opiniões e assim é legal, eu prefiro assim trabalhar em grupo e individual também às vezes é bom, mas em grupo eu achei bem melhor... (ADRIANA)

...No caso eu sou do grupo G17, a gente escolhe assuntos pra discutir, tipo: sexualidade, assuntos que seja do interesse do grupo, a gente entra num acordo. Na verdade esses grupos ajudam bastante na área de você expressar suas idéias, na socialização também, e eles ajudam bastante na parte, na verdade a gente trabalha bastante com diálogos, agora está sendo diferente, está sendo superlegal. Terminei a mobilidade, estou andando sozinho, mais é como eu falei, a Laramara me ajudou bastante, agora é a minha vez de ajudar a Laramara... (KLAUS)

Notamos nas falas dos alunos que as adaptações curriculares, ajudas técnicas, recursos específicos, estratégias diferenciadas de ensino e materiais didáticos especiais não estão disponíveis no espaço da sala de aula.

Pesquisa realizada sobre a inclusão dos usuários de Laramara e suas famílias, cujos resultados foram divulgados no início de 2004, concluiu que a inclusão não se concretiza pelo esforço isolado dessa instituição por mais completo que seja o atendimento e apoio ao aluno com deficiência visual. As dificuldades para a inclusão referem-se ao despreparo dos profissionais da escola regular e à falta de material específico para o atendimento de suas necessidades educacionais. (Masini, 2004).

...minha mãe adaptava muito material, então enquanto as crianças estavam vendo as cores, tudo bem eu até ouvia as crianças falarem das cores mas eu tinha o bonequinho, então enquanto a criança tinha o bonequinho verde ou azul para pintar eu tinha um bonequinho colado numa folha de couro o outro de lixa, como se fosse um desenho, só que em alto relevo, colado por exemplo várias meninas, dava pra você pintar, dava pare você entender tudo, tive um monte de material adaptado ... (TATI)

...Material adaptado... É porque na USP a gente está com problema de partitura, com relação a partituras de piano, partituras enfim, então meu professor de piano pra você ter uma idéia ele não quer me dar aula, eu estou há 1 ano e meio sem aula de piano é uma matéria obrigatória pra mim, mas ele não me dá porque eu não tenho partitura e ele não quer me ensinar de ouvido porque eu vou copiar a interpretação dele, ele não quer, professor estrela né, ele não quis e a gente está com esse problema de partituras. Eu fui procurar na D. que pelo que eu sei é o único lugar que tem livros de partituras, eu cheguei lá tal. Vocês doam livros de partituras Braille? Doa, mediante um pagamento de R$ 200,00 a gente doa o livro pra você, mesmo assim não tem tudo que a gente precisa, muito escasso esse material de musicografia, então é complicado você tem que se virar... (GIGI)

...Livro Braille, não, na minha escola a gente usa uma apostila, que nem essa apostila tem todas as matérias; só que não tem em Braille porque acho que não dá para fazer eu acho que o tempo que está terminando é o tempo que está chegando a outra porque a cada bimestre tem uma, né? ...ai, a gente trabalha com apostila, mas antigamente, uns 4 anos mais ou menos atrás, era livro e esses livros eu tenho, mas são livros assim coisa que eu já aprendi, ai fica um pouquinho chato. Se a professora passar alguma coisa algum exercício ai alguém me diz então eu faço normal, mas assim... B., mas ai minha irmã transcreve quando é muito importante ou então ela manda eu ler mesmo ai eu leio e ela vê se está certo ou ela corrige. Minha irmã sabe Braille, ela sabe, mas o português, porque matemática eu tenho que ir colocando o dedo e falando, aí ela vai escrevendo por cima, mas o básico assim ela sabe ... (ADRIANA)

A inclusão escolar da criança com deficiência visual depende da articulação entre vários setores, fato que ainda não se concretizou. São necessárias avaliações das necessidades específicas, faltam adaptações curriculares, ajudas técnicas, recursos específicos e capacitação dos professores. Dessa forma nem sempre a escola oferece respostas adequadas às necessidades educacionais especiais dos educandos com deficiência visual.