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1.3 A política de atendimento e o papel da sociedade e do Estado na assistência à criança

1.3.2 O papel da sociedade e do Estado na assistência à criança e ao adolescente

Como se pode perceber da análise da política de atendimento, o exercício dos direitos e deveres de crianças e adolescentes é garantido por um conjunto de ações da sociedade e do Estado, quais sejam, dentre outras, políticas sociais básicas, programas de assistência social, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial, serviço de identificação e localização e proteção jurídica e social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Porém isso nem sempre foi assim. Como dito anteriormente, o Código de Menores deu causa à marginalização da população infanto-juvenil por não compreender o “menor” como criança ou adolescente, mas sim como uma pessoa situada na faixa etária entre 0 e 18 anos que se acha em situação irregular. Desse modo, crianças e adolescentes foram estigmatizados pela própria lei. Nesta esteira:

A exclusão da infância e da adolescência do processo social é uma das formas mais perversas de marginalização, pois exclui-se, a priori, aquele que não teve sequer oportunidade e condições de escolher seu próprio caminho, de identificar-se com um determinado projeto de vida; encontrando-se então forçado a buscar o seu espaço pelas ruas das cidades. (VERONESE, 1999, p. 179, grifo da autora).

Por consequência,

Os visíveis quadros de miséria social que relatam altos índices de mortalidade infantil, da cruel realidade dos abortos, da trágica situação dos meninos e meninas de rua, dos estigmatizados nas instituições protetoras, da violência, etc., denunciam concretamente que as políticas governamentais e a sociedade em geral não priorizam a criança, não valorizam a vida (VERONESE, 1999, p. 180, grifo da autora). Com efeito, verifica-se que a sociedade, além de omitir-se diante desse quadro de total desamparo da população infanto-juvenil, muitas vezes se aproveita e acaba por contribuir para tornar ainda mais constrangedora a situação em que se encontram crianças e adolescentes.

Isso porque “a associação da criminalidade à pobreza, difundida na opinião pública, é conveniente paraaclasse dominante, pois tira atenção do assunto de seufoco real”. Assim, “as desigualdades sociais induzem sobre a pobreza uma generalizada e estigmatizadora suspeita de que toda a criança ou o adolescente carente é um infrator em potencial”. Nesse contexto, a sociedade, envolvida pela propagação perpetrada pelos meios de comunicação no sentido de que a marginalização se equipara à criminalidade, “encarna a ideia de que toda a criança ou o adolescente que vive na miséria se trata de um trombadinha, um pivete, um delinquente, um pixote”. (VERONESE, 1999, p. 180, grifo da autora).

Por conseguinte,

[...] a ausência de um nível adequado de educação, e as condições de extrema miserabilidade em que vivem milhões de pessoas no mundo inteiro, aliadas, também, tão frequentemente à ignorância dos mais elementares deveres de uma paternidade responsável , à violação constante dos deveres fundamentais, obrigam o legislador a dedicar-lhes atenção especial, numa política mais abrangente. (CHAVES, 1997, p. 53).

Nesse sentido,

Para manter o menor em sua própria família, pois não há melhor ambiente para o desenvolvimento e a afirmação de sua personalidade, a Constituição Federal determina, no art. 203, seja prestada assistência social a quem dela necessitar, tendo como primeiro objetivo a proteção à família, maternidade, infância, adolescência, velhice, reiterando no art. 226, caput, que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (CHAVES, 1997, p. 364)

Por conseguinte, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve estar presente em todas as áreas; dito de outro modo, é preciso “conclamar a sociedade em geral no sentido de definir responsabilidades em todos os âmbitos de atuação em prol da população infanto-juvenil” (PEREIRA, 1993, p. 90).

É fundamental ao Estado entrar para cooperar neste papel que, embora entregue à família, é função de toda a sociedade, e sobretudo dos que detêm a gestão da coisa pública.

É indispensável, pois, que os recursos públicos cheguem diretamente aos membros da família para lhes garantir as condições de alimentar, proteger e educar o ser em desenvolvimento. (CINTRA apud AMARAL E SILVA; CURY; MENDEZ, 2000, p. 85).

Como se percebe, é necessário que se empreendam todos os esforços para que crianças e adolescentes sejam mantidos no seio de sua própria família, natural ou ampliada, ou, então,

acolhidos em uma família substituta, de tal sorte que tenham garantido o direito fundamental à convivência familiar. No entanto, “os programas que visam ao melhoramento da situação que atinge o universo em análise, quando subordinados à orientação assistencialista, não têm condições de transformar objetivamente a realidade em que estão inseridas crianças e adolescentes”. (VERONESE, 1999, p. 186).

Desse modo, haja vista a diversidade da natureza das ações desses programas sociais, A articulação institucional exige o reconhecimento destas diferenças e a habilidade de conjugá-las positivamente, através do desenvolvimento de ações convergentes, complementares ou conjuntas, em função do atendimento às necessidades da criança e do adolescente, colocados pelo Estatuto como sujeitos de direitos, ao serviço dos quais as instituições públicas, comunitárias e particulares devem-se colocar. (LA MORA apud AMARAL E SILVA; CURY; MENDEZ, 2000, p. 263).

É por isso que a política de atendimento abrange a promoção, a prevenção e a defesa dos direitos da criança e do adolescente, sendo viabilizada através de serviços específicos que são oferecidos por organizações governamentais e não governamentais. Destarte, questiona-se qual é o papel do Estado frente à política de atendimento de crianças e adolescentes que tanto necessitam de sua assistência.

Para responder, Veronese (1999, p. 187) demonstrava toda sua indignação ao afirmar: “o Estado [...] continua fazendo encenações políticas sem uma efetiva vontade de ver solucionado o conjunto de situações violentadoras da infância e adolescência brasileiras”. Mas crianças e adolescentes são diariamente vítimas de violência, inclusive dentro de sua estrutura familiar. Ademais, localizadas as formas de violência que atingem crianças e adolescentes, constata-sequeos programas assistenciais “têm alcance limitado e surtem efeitos

paliativos, incapazes de ultrapassarem a área limítrofe em que os problemas de cunho social se manifestam, as quais estariam a exigir políticas sociais básicas”. (VERONESE, 1999, p. 185).

Enquanto órgãos representantes do Estado, o Poder Judiciário e o Ministério Público também têm seu papel perante a população infanto-juvenil na política de atendimento. Nesse contexto, justamente,

A atuação dos Magistrados e agentes do Ministério Público em dar concretude (vida e eficácia) ao princípio constitucional da prioridade absoluta para a área da infância

e juventude importará efetivo cumprimento de dever institucional prioritário e possibilidade de que as promessas de cidadania contidas no ordenamento jurídico compareçam realidade nas suas vidas cotidianas, universalizando-se os direitos que parte da população infanto-juvenil já exercita. A certeza é de que, interagindo articuladamente com os segmentos organizados da sociedade civil e cumprindo prioritariamente a tarefa de promoção dos direitos das crianças e adolescentes, o Poder Judiciário e o Ministério Público estarão colaborando decisivamente para que a Nação brasileira venha a alcançar um dos seus objetivos fundamentais: o de instalar - digo eu, a partir das crianças e adolescentes - uma sociedade livre, justa e solidária. (NETO, [S. d], p. 3).

Bem-aventurada,

No contexto jurídico brasileiro, em atenção a toda essa evolução, adveio a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, promotora de significativa mudança, pois consoante os principais documentos internacionais e os reclamos da sociedade brasileira, que começava a respirar o ar da democracia, talvez o mais adequado seria dizer: das insurgentes vozes, inconformada com o descaso legal para com os infantes, estabeleceu à criança e ao adolescente prioridade absoluta. (VERONESE, 1999, p. 198).

E para o cumprimento de todos os direitos de crianças e adolescentes que devem ser garantidos com prioridade absoluta, sobreveio o Estatuto da Criança e do Adolescente com a política de atendimento que prevê a ação articulada do governo e da sociedade. Isso porque,

Antes do advento do Estatuto, a ação governamental era proposta de forma isolada e de maneira autoritária, de cima para baixo, através dos programas e diretrizes desenvolvidas pela Fundação do Bem-Estar do Menor [...] Isso quer dizer que, de agora em diante, não só a União, os Estados e os Municípios deverão propor ações de atendimento na área social. Também a comunidade será chamada a opinar e indicar as necessidades de sua população, exigindo sua participação na formulação de políticas públicas e no controle das ações em todos os níveis. (LIBERATI, 2003, p. 67-68).

Registre-se que

As referidas disposições estatutárias foram substancialmente reforçadas com o advento da Lei nº 12.010/2009, que teve por objetivo declarado o “aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente”, tendo estabelecido de maneira expressa, que “a intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será PRIORITARIAMENTE voltada à ORIENTAÇÃO, APOIO e PROMOÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA NATURAL, JUNTO À QUAL A CRIANÇA E O ADOLESCENTE DEVEM PERMANECER, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.” (DIGIÁCOMO, [S. d], p. 2, grifo do autor).

Espera-se, portanto, que o Estado e a sociedade cumpram efetivamente com seu papel ao se depararem com o crescente número de crianças e adolescentes em situação de risco e

que necessitam de assistência estatal e comunitária para que tenham respeitados seus direitos fundamentais, principalmente no que diz respeito à convivência no seio de um grupo familiar. Nesse sentido é que o presente trabalho se propõe a chamar a atenção de todas as pessoas que se interessem pela situação de crianças e adolescentes que, abandonados por suas famílias, pela sociedade e pelo Estado, se encontram atualmente em entidades de acolhimento institucional. Assim, passa-se a estudar as medidas protetivas previstas na Lei n.º 8.079/1990, especialmente do acolhimento institucional, objetivando verificar, em seguida, se essa medida de proteção pode ser aplicada com eficiência aos beneficiários e sem que haja violação ao seu direito à convivência familiar.

2 A MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E SUAS

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