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A medida de proteção de acolhimento institucional: inevitável violação aos direitos fundamental a convivência familiar de crianças e adolescentes

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Academic year: 2021

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

BRUNA DALLEPIANE SCHNEIDER

A MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

INEVITÁVEL VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

IJUÍ (RS) 2011

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BRUNA DALLEPIANE SCHNEIDER

A MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

INEVITÁVEL VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ – Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientadora : Msc. Lisiane Beatriz Wickert

IJUÍ (RS) 2011

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Dedico este trabalho à minha mãe Ângela, quem me inseriu no mundo do saber e sempre me incentivou a seguir em frente, ao meu pai Júlio, a quem admiro e que esteve ao meu lado dando o seuapoio em todos os momentos, à tia Preta, que, invariavelmente, se preocupou comigo como se sua própria filha fosse e a todos aqueles que,de uma forma ou de outra, me ampararam durante estes quatro anos de caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela minha vida, saúde e família, além da força e coragem para enfrentartodososdesafios com um sorriso no rosto e querer ir além,

À minha orientadora Lisiane Wickert, por assumir comigo este trabalho, sem questionar o porquê dessa opção feita por uma amante do direito processual civil, e principalmente por sua dedicação e disponibilidade durante todo meu percurso no ensino superior ,

A meus pais Júlio e Ângela, por terem me constituído umamulher plena graças aos seus ensinamentos,por serem pessoas maravilhosas eexemplos de pai e de mãe a serem seguidos, por empenharem-se tanto por minha felicidade e por me amarem incondicionalmente,

Ameu noivo, pela atenção e pelo carinho dispensados durante o período dedicado a este estudo, bem como por sua compreensão e por seuamorimensurável ea todos os familiares e amigos que respeitaramo presentemomento e, de um modo ou de outro, colaboraram durante todaatrajetória de construção deste trabalho, os meus sinceros e afetuosos agradecimentos.

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Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO

O presente trabalho estuda a medida de proteção de acolhimento institucional e as suas implicações sobre o direito fundamental à convivência familiar de crianças e adolescentes que se encontram institucionalizados. Nesse sentido, analisa aspectos pontuais sobre a proteção da população infanto-juvenil, dentre os quais a passagem da teoria do menor em situação irregular para a doutrina da proteção integral, e discute o papel da sociedade e do Estado na assistência à criança e ao adolescente em situação de risco social, evidenciando as linhas de ação e diretrizes de sua política de atendimento. Por fim, esclarece a importância da família para a formação e o desenvolvimento do ser humano, demonstrando porque o convívio com o grupo familiar é um direito amplamente assegurado. Comisso, a pesquisa monográfica investiga a hipótese de que a medida de proteção de acolhimento institucional pode privar crianças e adolescentes de seu direito à convivência familiar se não forem respeitadas suas características de excepcionalidade e transitoriedade.

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ABSTRACT

This paper studies the protective measure of institutional shelter and its implications on the fundamental right to familial coexistence of children and teenagers who are institutionalized. In that sense, reviews specific aspects about the protection of children and teenagers, among them the transition of the theory of child and teen in an irregular situation to the doctrine of integral protection. Discusses the role of society and state in assistance for children and teenagers at social risk, highlighting the lines of action and guidelines for its political of attendance. Finally, it clarifies the importance of family for the training and development of human beings, showing why being with the family group is a right largely guaranteed. With this, the monograph research investigates the assumption that protective measure of institutional shelter may to deprive children and adolescents of their right to family living if are not respected its characteristics of exceptionality and transience.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9

1 ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE A PROTEÇÃO JURÍDICA À POPULAÇÃO INFANTO-JUVENIL...11

1.1 Conceituação, especialização e evolução histórica do direito da criança e do adolescente...11

1.1.1 Conceito, sujeito, objeto e nomenclatura...11

1.1.2 A evolução histórica do direito da criança e do adolescente...14

1.1.3 O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento...19

1.2 Características contemporâneas do direito da criança e do adolescente...21

1.2.1 A prioridade absoluta e o princípio do melhor interesse...22

1.2.2 A superação da doutrina da situação irregular...25

1.2.3 O advento da doutrina da proteção integral...28

1.3 A política de atendimento e o papel da sociedade e do Estado na assistência à criança e ao adolescente...31

1.3.1 As linhas de ação e diretrizes da política de atendimento...32

1.3.2 O papel da sociedade e do Estado na assistência à criança e ao adolescente...35

2 A MEDIDA DE PROTEÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR...40

2.1 As medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente...40

2.2 A medida de acolhimento institucional e as entidades de atendimento...46

2.2.1 Os critérios de excepcionalidade e transitoriedade do acolhimento institucional...46

2.2.2 As entidades de atendimento de acolhimento institucional...52

2.3 A efetivação do direito fundamental à convivência familiar na institucionalização...57

2.3.1 A importância da família e o direito fundamental à convivência familiar...57

2.3.2 A privação da convivência familiar de crianças e adolescentes institucionalizados....63

CONCLUSÃO ... ...70

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INTRODUÇÃO

O dia a dia na Promotoria Especializada da Criança e do Adolescente e no Juizado da Infância e Juventude instiga a pensar sobre as circunstâncias em que se encontram crianças e adolescentes institucionalizados, os quais são, muitas vezes, privados do convívio com a sua família natural e não possuem a oportunidade de serem inseridos em uma família substituta. Assim, passam praticamente toda a sua infância e adolescência acolhidos institucionalmente e apenas deixam as entidades de atendimento compulsoriamente ao atingirem a maioridade.

Sob essa perspectiva, o presente trabalho de conclusão de curso dedica-se a estudar a medida de proteção de acolhimento institucional e as implicações da institucionalização sobre o direito fundamental à convivência familiar de crianças e adolescentes. Destarte, partindo de uma breve incursão conceitual, histórica e teórica sobre o direito da criança e do adolescente, a pesquisa perpassa a política de atendimento à população infanto-juvenil e adentra no estudo da medida de proteção de acolhimento institucional e do direito à convivência familiar.

Nessa senda, o primeiro capítulo analisa aspectos pontuais sobre a proteção jurídica da população infanto-juvenil, iniciando pela conceituação e especialização do direito da criança e do adolescente, com a identificação de seus sujeitos, objeto e critério etário. Em seguida, analisa-se a supressão dos termos “menor, menoridade e menorismo” como forma de retirar o estigma perpetrado ao longo da vigência do antigo Código de Menores consistente no menor em situação irregular. Na esteira da nomenclatura, averígua-se a evolução histórica do direito infanto-juvenil no Brasil e no mundo.

Ainda no primeiro capítulo, são estudados o reconhecimento expresso da criança e do adolescente como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento, a prioridade absoluta com que crianças e adolescentes devem ser tratados e o princípio do melhor interesse

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de crianças e adolescentes. Também são analisadas as características das doutrinas da situação irregular, que restou superada com a derrubada do Código de Menores, e da proteção integral da criança e do adolescente, bem como as consequências práticas decorrentes de seu advento.

Antes de adentrar no segundo capítulo, são mencionadas as linhas de ação e diretrizes da política de atendimento dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como é questionado o papel da sociedade e do Estado na assistência para a população infanto-juvenil institucionalizada. Por seu turno, o capítulo seguinte passa a analisar a medida de proteção de acolhimento institucional e a possível violação do direito fundamental à convivência familiar de crianças e adolescentes.

Nesse passo, examinam-se as medidas protetivas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que devem ser aplicadas quando a criança ou o adolescente se achar em situação de risco. A propósito, o segundo capítulo estuda o acolhimento institucional, ressaltando os seus critérios de excepcionalidade e provisoriedade, os quais devem ser observados, sob pena de se correr o risco de privar crianças e adolescentes institucionalizados do convívio familiar. Analisam-se, ainda, as entidades de atendimento que se dedicam ao acolhimento institucional e as exigências feitas àquelas. Demonstra-se, sobretudo, a importância de serem fortalecidos os laços familiares com os pais ou demais parentes e, não sendo isso possível, ser estimulado o contato com outras pessoas no intuito de preparar a criança ou o adolescente para sua colocação em uma família substituta.

É enfatizada a importância da família para a constituição e o desenvolvimento de todo o ser humano, principalmente em se tratando de crianças e adolescentes, que são sujeitos de direitos que necessitam ser amparados por seu grupo familiar para uma formação saudável e plena. Sabendo disso, indaga-se se é possível haver efetivo exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes que permanecem acolhidos institucionalmente durante anos, sendo privados do contato com sua família natural e destituídos da esperança de serem inseridos em uma família substituta.

Por conseguinte, tratando-se de tema dotado de imensa importância prática nas ações que tramitam no Juizado da Infância e Juventude, sobretudo após a vigência da Lei n.º 12.010 de 2009, a qual ocasionou relevantes inovações na seara das medidas protetivas no Estatuto da Criança e do Adolescente, o acolhimento institucional instiga o estudo de sua real efetividade.

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1 DOS ASPECTOS IMPORTANTES SOBRE A PROTEÇÃO JURÍDICA À POPULAÇÃO INFANTO-JUVENIL

Como o presente trabalho dedica-se ao estudo da medida de proteção de acolhimento institucional de crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco, é necessária a assimilação de alguns institutos do direito da infância e juventude. Portanto, para sua melhor compreensão, mister inteirar-se de conceitos e princípios, entre tantos outros caracteres que pertencem a este ramo do direito.

Por conseguinte, o primeiro capítulo retoma um esboço histórico sobre o direito da infância e juventude, além de fazer uma incursão conceitual e principiológica, com o intuito de compreender o acolhimento institucional como uma medida protetiva que visa a amparar crianças e adolescentes cujos direitos tenham sido violados ou estejam sob a ameaça de violação.

1.1 Conceituação, especialização e evolução histórica do direito da criança e do adolescente

Assim, faz-se necessária a conceituação do direito da criança e do adolescente, bem como sua especialização, identificando-se sujeito, objeto, critério etário e nomenclatura. De igual sorte, é importante compreender a criança e o adolescente como sujeitos de direito e entender a sua constituição como pessoas em peculiar condição de desenvolvimento.

Nesse passo, ressalta-se que nem sempre a criança e o adolescente foram reconhecidos como sujeitos de direito em peculiar condição de desenvolvimento. Ao contrário, o direito da infância e juventude passou por uma longa e lenta evolução, no Brasil e no mundo, até chegar ao estágio em que se encontra. Por isso, oportuna a retomada de seu curso histórico para o entendimento de sua importância atual.

1.1.1 Conceito, sujeito, objeto e da nomenclatura

Inicialmente, é útil conceituar o Direito da Infância e Juventude, nos termos expostos por Tavares (2001, p. 31-32):

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Direito da Infância e Juventude é, em sentido genérico, o sistema de métodos de estudo, doutrina e princípios e normas jurídicas aplicáveis às relações ocorrentes na interação social, concernentes às pessoas, aos bens e interesses dos que se acham em fase de desenvolvimento biopsicossocial.

Direito da Infância e Juventude no Brasil é o sistema de métodos de estudo e aplicação dos princípios jurídicos e das normas referentes aos sujeitos do Direito Especial de proteção integral, pessoas de menos de 18 anos de idade, consideradas pela Constituição e Lei em estágio peculiar de desenvolvimento biopsicossocial. A conceituação mostra que o direito da criança e do adolescente volta-se à proteção dos direitos e das garantias próprias de sujeitos que estão em um estágio de desenvolvimento social, biológico e psicológico. Destarte, importante identificar quais são esses sujeitos de direitos:

Sujeitos do Direito da Infância e Juventude são: a Criança, ser humano com menos de 12 anos de idade, e o Adolescente, aquele que vive entre os 12 anos completos e 18 anos de idade incompletos, por isso legalmente presumidos hipossuficientes, titulares da proteção integral e prioritária e, ainda, dos direitos conexos que se prorroguem dos 18 aos 21 anos de idade por disposição expressa de lei e regras específicas consignadas nos diversos diplomar legais. (TAVARES, 2001, p. 32). Como se depreende, o Estatuto da Criança e do Adolescente distingue o atendimento dispensado aos seus beneficiários a partir da avaliação pelo critério etário, desconsiderando o aspecto social e psicológico. Sendo assim, criança é aquela que possui até 12 anos de idade incompletos e adolescente é quem tem entre 12 e 18 anos de idade. Contudo, a diferenciação entre etapas do desenvolvimento da vida humana não merece maior atenção neste estudo, pois crianças e adolescentes gozam dos mesmos direitos fundamentais e se submetem às mesmas medidas protetivas.

Visto isso, é possível perceber que o objeto do direito da criança e do adolescente se volta à doutrina da proteção integral e ao princípio do melhor interesse, bem como à aplicação da legislação contida na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. “Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular e estabelecer, como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes, a doutrina da proteção integral” (AMARAL E SILVA apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 11, grifo do autor), a Lei 8.069/90 se alinhou à Constituição Federal e aos tratados internacionais atinentes à infância e juventude.

Nesse passo, cumpre ponderar que se empregava o vocábulo menoridade para definir o estágio da vida em desenvolvimento, abaixo de limites etários arbitrados em lei, de modo

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que “generalizou-se a terminologia entre os estudiosos de diferentes concepções que dedicaram atenção ao incipiente ramo especializado do direito que alguns interpretavam grosseiramente como se fossem direitos sobre os menores.” (TAVARES, 2001, p. 28).

Pereira, C. (2002, p. 16) esclarece que “pelo velho regime, os direitos conferidos aos hipossuficientes eram inferiores aos da legislação que está em vigor, pois dispunham apenas sobre assistência, proteção e vigilância a menores.” Essa situação, porém, restou devidamente superada e, com a sua derrogação, eliminou-se, também, a denominação menor. Tal alteração técnica objetivou evitar a rotulação da palavra menor como aquele em situação irregular, não permitindo a marginalização, a marca, o estigma (ISHIDA, 2003, p. 24).

Com efeito, verifica-se que a nomenclatura “menor” foi definitivamente abandonada do nosso ordenamento jurídico com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em relação a essa supressão:

Na concepção técnico-jurídica, “menor” designa aquela pessoa que não atingiu ainda a maioridade, ou seja, 18 anos. A ele não se atribui a imputabilidade penal, nos termos do art. 104 do ECA c/c art. 27 do CP. Se isso não bastasse, a palavra “menor”, com o sentido dado pelo antigo Código de Menores, era sinônimo de carente, abandonado, delinqüente infrator, egresso da FEBEM, trombadinha, pivete. A expressão “menor” reunia todos esses rótulos e os colocava sob o estigma da “situação irregular”. Essa terminologia provocava traumas e marginalização. (LIBERATI, 2003, p. 17).

Nesta esteira, Tavares (2001, p. 26) aduz que a sofisticação da sociedade passou a exigir um tratamento especial no que concerne às pessoas em fase de desenvolvimento e, por isso, consideradas hipossuficientes. Dito de outra maneira, a necessidade de estudo específico, a construção legislativa apta a regular as interações sociais que envolvem a população infanto-juvenil e a institucionalização da Justiça especializada implicaram no surgimento do Direito da Infância e Juventude, anteriormente denominado Direito do Menor.

Assim, com a mudança para as expressões criança e adolescente, buscou-se afastar o estigma acima mencionado, garantindo os direitos que devem ser exercidos no intuito de lhes assegurar todas as facilidades para seu desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social com dignidade e liberdade, nos termos expostos por Liberati (2003, p. 18). Isso porque, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, aqueles sujeitos em condição peculiar de pessoas

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em desenvolvimento passam a ser tratados como tais, sem menções estigmatizantes que lhes retirem os direitos fundamentais e as garantias estatuídos no diploma legal.

1.1.2 A evolução histórica do direito da criança e do adolescente no Brasil e no mundo

A análise histórica do direito da criança e do adolescente é importante para entender o desenvolvimento desta temática, sobretudo no que toca ao papel desempenhado pelas medidas protetivas ao longo dos anos a nível mundial e nacional, compreender o progresso alcançado em relação à população infanto-juvenil e identificar o que pode ser feito para implementar o pleno exercício dos direitos e das garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, um breve esboço evidencia como deu-se a especialização do direito da criança e do adolescente:

A disciplina foi se desenvolvendo no campo jurídico em torno da menoridade ao longo do tempo. O contributo da doutrina em germinação, da jurisprudência paulatinamente formada, do aparelho estatal criado para a prestação jurisdicional especializada, da promulgação de leis sucessivas, até dos documentos internacionais, com o realce que a ONU deu ao assunto, tornou o Direito Infanto-juvenil matéria de

crucial importância na sociedade hodierna. (TAVARES, 2001, p. 26-27).

A título de esclarecimento, destaca-se que, para quase todos os povos antigos, os filhos eram considerados servos da autoridade paterna durante toda a menoridade. Nesse contexto,

O pai tinha o terrível Jus vitaesnecis sobre a pessoa do seu filho não emancipado, podendo aliena-lo e, nos tempos mais recuados, até matá-lo. O filho “pertencia” ao pater, palavra esta que, segundo alguns romanistas, significava muito mais poder que paternidade propriamente dita, no sentido atual de relação parental e afetuosa de família. Vivia sob o poder absoluto do seu Senhor, o chefe do clã, pontífice e autoridade única do interior do lar, como coisa de sua propriedade, sendo, assim, objeto do direito e nunca sujeito de direito. (TAVARES, 2001, p. 46-47).

E isso persistiu por muito tempo. Em que pese o direito medieval, influenciado pelo estoicismo e cristianismo, tenha mitigado um pouco a severidade do tratamento das crianças e dos adolescentes, manteve o dever de respeito e de temor reverencial à autoridade paterna. De igual sorte, o direito canônico prosseguiu com o pensamento de que os filhos permaneciam em estado de incapacidade civil, inobstante sua idade, enquanto estivessem sob o teto de seus pais sustentado pelo chefe da família.

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O direito romano passou a realizar distinção entre os menores impúberes e púberes, o que se assemelhava aos institutos da incapacidade absoluta e relativa do Direito Civil. Por seu turno, o direito moderno persistiu na consagração do poder familiar ao modelo dos romanos, porém abrandando a autoridade paterna. De outra banda, a idade contemporânea consagrou a igualdade entre os filhos e obteve melhora no sentido de proteção aos menores. Houve, todavia, um retrospecto com o Código Civil de Napoleão, o qual restringiu direitos dos “bastardos” - filhos havidos fora do casamento - causando enorme preconceito, que restou consolidado, sendo superado apenas no século posterior.

Assim, com a evolução da sociedade em relação aos direitos humanos fundamentais, Tavares (2001, fl. 54) assevera que vários povos começaram a tratar com maior consideração os interesses de crianças e adolescentes, visando a regular a proteção necessária à população infanto-juvenil. Nesse contexto, a primeira manifestação internacional em favor dos direitos dos menores foi efetivada em 1924.

Anos mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos da Criança foi adotada pela ONU em 1959, instituindo os seguintes princípios, citados por Chaves (1997, p. 33): proteção especial ao desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual; direito à nacionalidade; benefícios à previdência social, como saúde, alimentação e assistência médica; cuidados especiais à criança incapacitada física, mental ou socialmente; responsabilidade dos pais em um ambiente de afeto e segurança; educação gratuita e compulsória; direito de brincar, distrair-se; direito de receber proteção e socorro antes dos outros; proteção contra a negligência, crueldade e exploração; proibição de empregar crianças antes da idade conveniente; proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou qualquer natureza.

Nesse passo a Declaração Universal dos Direitos da Criança necessitou de atualização, sistematização e complementação mediante um compromisso pujante. Então, “vinte anos decorridos, o de 1979 foi declarado Ano Internacional da Criança [...], passo importantíssimo para defesa internacional, que obriga os países signatários a adaptar suas normas à legislação interna.” (CHAVES, 1997, p. 34). Desse modo, a evolução do direito infanto-juvenil prosseguiu com a Convenção dos Direitos da Criança de 1989, fundamentada na proteção de crianças e adolescentes e na percepção da família como lugar ideal para seu desenvolvimento.

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Com efeito, verifica-se que a evolução do direito da criança e do adolescente no cenário internacional deu-se com o impulso inicial da Liga das Nações, antecessora da ONU, recomendando aos Estados membros que tomassem cuidados próprios objetivando beneficiar a população menor de idade (Declaração dos Direitos da Criança de 1924). Posteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948) destinou cuidados especiais às crianças e aos adolescentes, sendo seguida da Conferência Internacional Americana de 1948, da Convenção de Roma de 1950 e da Conferência da ONU em Genebra de 1952.

Nesta esteira, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, recomendou tratamento especializado para crianças e adolescentes, declarando que as medidas protetivas a que têm direito constituem obrigações da família, da sociedade e do Estado. “Assim, pois, todos esses setores da organização pública são responsáveis pela adoção de providência que ajude crianças e adolescentes terem acesso a seus direitos, recebendo a necessária proteção.” (DALLARI apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 24).

Finalmente, em 1989, houve a aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas, a qual, para Pereira, T. (1999, p.4), “representa o mínimo que toda sociedade deve garantir às suas crianças, reconhecendo no único documento as normas que os países signatários devem incorporar às suas leis.” Para tanto, esta convenção exige de cada Estado que a subscreva e ratifique, uma efetiva tomada de decisão, incluindo-se os mecanismo necessários à fiscalização do cumprimento de suas disposições.

Depreende-se, pois, que a necessidade de proteção especial da infância e juventude está estampada em todos os documentos internacionais citados, quais sejam, a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948, a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, o Pacto de San Jose da Costa Rica de 1969 e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas de1989. Nessa senda, é possível concluir que os fundamentos da doutrina da proteção integral prevista nas convenções, que possuem regras de procedimento flexíveis e adaptáveis para serem colocadas em prática pelos Estados-Partes, foram agregados ao ordenamento jurídico brasileiro.

Observado o quadro internacional da evolução do direito infanto-juvenil, passa-se a analisá-la sob a ótica da história do nosso país, onde a infância e a juventude foram marcadas

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pela exclusão, exploração e desigualdade. Nesse sentido, a revisão da história brasileira revela que o atendimento dispensado às crianças e aos adolescentes, conforme Fachinetto (2004, p. 13), quase sempre esteve marcado por forte conteúdo marginalizante e estigmatizante, com ênfase na segregação e sob o fundamento de que, antes de protegê-las e desenvolvê-las como seres humanos, as caracterizava como ameaça à sociedade.

A origem da preocupação do nosso país com a criança remonta à Constituinte de 1823, cujo projeto se voltava ao menor escravo, embora se destinasse mais à manutenção da mão de obra do que à conservação de direitos humanos fundamentais. Para Veronese (1999, p. 12-13), “numa sociedade culturalmente escravocrata, na qual os indivíduos de pele escura eram vistos imediatamente como escravos, a vida dessas crianças e adolescentes [...] de nada se diferenciava da sofrida vida dos escravos adultos.”

Nesse contexto, apenas em 1871, a Lei do Ventre Livre concedeu às crianças nascidas de mães escravas a sua liberdade, ocasião em que começou a paulatina extinção da escravidão infantil. Agregado a isso, a imigração em larga escala e consequente urbanização acentuaram o abandono e a rejeição das crianças, que eram deixadas pelas ruas, nas portas das casas e, inclusive, na Roda da Casa dos Expostos, caso em que passavam a ser assistidas pela Igreja Católica.

Em seguida, houve, em decorrência da industrialização, o ensino profissionalizante de crianças e adolescentes no intuito de que fossem utilizados como mão de obra, objetivando o aumento da produção, que era imposto pelo modelo capitalista de mercado. Por consequência, as crianças ingressavam cada vez mais precocemente nas fábricas, o que, se por um lado, era bom, pois proporcionava aos jovens aprendizagem e ensino profissionalizante, de outro lado, gerou um grande problema em razão de que as crianças começavam a trabalhar cedo demais.

Décadas mais tarde, em 1924, foi criado o primeiro Juizado de Menores, no qual seria declarada, pelo julgador, a condição jurídica da criança ou do adolescente, se abandonado ou delinquente, bem como estabelecido qual o amparo estatal pertinente a cada caso. Dentre as funções deste juizado estavam a promoção, a solicitação, o acompanhamento, a fiscalização e a orientação em todas as ações judiciais que envolvessem interesses de menores. Instalado, o Juizado de Menores deparou-se com a escassez de estabelecimentos nos quais fosse possível executar as medidas judiciais adotadas para a criança ou o adolescente. Assim, criaram-se os

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patronatos de menores, estabelecimentos que restaram abarrotados de jovens e se tornaram um ambiente promíscuo e sem as condições de higiene necessárias.

Diante desse quadro, fez-se necessária a edição de legislação específica sobre a criança e o adolescente, de tal sorte que, em 1926, foi aprovado o Decreto n.º 5.083, que “considerava como bivalente a tutela do menor, de modo que o poder do pai sobre o filho passou a ser regulado e o Estado poderia intervir sobre esta relação.” Essa nova concepção transformou o pátrio poder em pátrio dever, “o qual confere aos pais a obrigação de educar os filhos, de castigá-los moderadamente ou de levar-lhes ao magistrado quando extrapolassem ao seu controle.” (VERONESE, 1999, p. 25-26).

Meio século depois, apareceu o Código de Menores de 1979, o qual dispôs sobre o “menor em situação irregular”, ou seja, aquela criança ou aquele adolescente que se achava materialmente abandonada ou em perigo moral, estava desassistida juridicamente, era vítima de maus-tratos, apresentava desvio de conduta ou, ainda, autor de infração penal. Nos termos utilizados por Veronese (1999, p. 38, grifo do autor) ao caracterizar o Código de Menores:

A nova lei menorista, entre outros, estabeleceu:

a) uma nova conceituação no que diz respeito ao “menor abandonado” e qual a atuação específica a ser tomada pelo Estado frente à sua situação de carência; b) a criação de formas de atuação alternativa nos casos de falta ou mau relacionamento entre “menor”/família ou “menor”/sociedade;

c) que todas as atividades que atingissem o “menor” seriam regradas, seja na questão do trabalho, lazer, educação ou influências externas;

d) conferia poderes mais amplos aos juízes de menores, transformando-os em verdadeiros pater familiae, uma vez que poderiam atuar em todos os segmentos da sociedade, se entendessem e constatassem a existência de alguma circunstância que de forma específica, ou mesmo geral, pudesse atingir o “menor” em sua individualidade ou na sua vida comunitária.

Nesse sentido, o autor supra citado aduz que muitos pontos introduzidos no Código de Menores não eram pacíficos, entre os quais está a inquisitoriedade do procedimento, uma vez que as criança e os adolescentes eram expostos de tal maneira que as medidas chegavam a intervir na convivência familiar e no meio em que viviam. Abandonando essa perspectiva anacrônica, a Constituição Federal de 1988 adotou a doutrina da proteção integral e o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou, em 1990, suas regras e seus princípios, com observância dos compromissos assumidos no cenário internacional.

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Assim, “se é certo que a própria Constituição Federal proclamou a doutrina da proteção integral, revogando implicitamente a legislação em vigor à época, a Nação clamava por um texto infraconstitucional consoante as conquistas da Carta Magna.” (AMARAL E SILVA apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p.11, grifo do autor). É possível, por conseguinte, cotejar:

O Código revogado não passava de um Código Penal do Menor, disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança e do jovem que, na realidade, eram seres privados de seus direitos. (LIBERATI, 2003, p. 15).

E fica a reflexão:

Lamentável que povos tão ciosos dos direitos de liberdade do homem, pedra de toque dos direitos atualmente conhecidos como direitos humanos, tenham parado na marca dessa evolução após a criação da Justiça especializada infanto-juvenil. (TAVARES, 2001, fl. 55).

Como se vê, faz-se necessária a revisão histórica do direito da criança e do adolescente no Brasil e no mundo (principalmente sob o ponto de vista da institucionalização) ainda que, ao longo dos anos, tenha havido profundas alterações na percepção da infância e da juventude pela família, pela sociedade e pelo Estado.

1.1.3 O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento

O reconhecimento da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento de que gozam crianças e adolescentes é indispensável à compreensão da medida protetiva de acolhimento institucional e de suas implicações sobre o direito da criança e do adolescente à convivência familiar. No tocante ao reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos, assevera Saraiva (2010, p. 24)

As crianças passam a ser definidas de maneira afirmativa, como sujeitos plenos de direito. Já não se trata de “menores”, incapazes, meias-pessoas ou incompletas, senão de pessoas cuja única particularidade é a de estar se desenvolvendo. Por isso se lhes reconhecem todos os direitos que têm os adultos, mais direitos específicos por reconhecer-se essa circunstância evolutiva.

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Esse reconhecimento acresce-se à situação jurídica de sujeitos de direitos, bem como à prioridade absoluta que o Estatuto da Criança e do Adolescente confere a seus beneficiários, “para constituir-se em parte do tripé que configura a concepção de criança e adolescente do Estatuto, pedra angular do novo Direito da infância e da juventude no Brasil.” (COSTA apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 39).

Com efeito, constata-se que conceber a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, titulares de uma identidade social que lhes permita buscar a proteção especial, cuja identidade pessoal se vincula à sua identificação no grupo familiar, constitui-se em uma das maiores conquistas para o Direito da Criança e do Adolescente. Ademais, o fato de a criança e o adolescente serem sujeitos de direitos reflete a primazia de seus interesses e a prioridade com devem ser tratados por todas as políticas públicas.

Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como princípio norteador o reconhecimento de que crianças e adolescentes gozam de uma condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, que é inquestionável e justifica a existência de um sistema diferenciado de atendimento deste segmento da população. (SARAIVA, 2010, p. 35). Nesse sentido, destaca Costa (apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 40):

Cada fase do desenvolvimento deve ser reconhecido como revestida de singularidade e de completude relativa, ou seja, a criança e o adolescente são seres inacabados, a caminho de uma plenitude a ser consumada na idade adulta, enquanto portadora de responsabilidades pessoais, cívicas e produtivas plenas. Cada etapa é, à sua maneira, um período de plenitude que deve ser compreendida e acatada pelo mundo adulto, ou seja, pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Isso é assim, pois, como bem lembra Pereira, T. (1999, p. 20, grifo do autor), “no mundo legal, as crianças não agem isoladamente; elas são parte do contexto onde interagem diretamente a família, a sociedade e o Estado.” E segue: “o Estatuto destacou, especialmente, os destinatários da lei a serem considerados em suas características e prioridades,” quais sejam, “incapacidade aos atos da vida civil, condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e titularidade de direitos fundamentais.”

Essa condição deve garantir a crianças e adolescentes os seus direitos e deveres, “bem como todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar um bom desenvolvimento

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físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” (PEREIRA, T. 1999, p. 18, grifo da autora).

Partindo do pressuposto de que crianças e adolescentes têm reconhecidas no arcabouço constitucional várias prerrogativas, que lhes asseguram tratamento diferenciado embasado em sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento que ostentam, Saraiva (2010, p. 65-66, grifo do autor), assevera:

O Estatuto da Criança e do Adolescente organiza-se fundado sobe três eixos centrais, os chamados Sistema de Garantias. Este tríplice sistema, que atua de forma harmônica entre si com acionamento sucessivo ou simultâneo, consiste em:

a) Sistema primário de garantias, que tem como foco a universalidade da população infanto-juvenil brasileira, sem quaisquer distinções, estabelecendo os fundamentos da política pública a ser executada, estando fundamentalmente descrito nos arts. 4º e 85 e 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente;

b) Sistema secundário de garantias, que tem como foco a criança e o adolescente enquanto vitimizados, enquanto vulnerados em seus direitos fundamentais. Este sistema, que tem como operador originário o Conselho Tutelar, encontra sua fundamentação especialmente nos arts. 98, 101 e 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente [...];

c) Sistema terciário de garantias (objeto central deste trabalho), que tem por objeto o adolescente em conflito com a lei, na condição de vitimizador. Este sistema socioeducativo inaugura-se no art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente e consagra um modelo de Direito Penal Juvenil.

Esses sistemas demonstram que está proposto o desafio de ser assumido o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, prevalecendo o reconhecimento destes como sujeitos em estágio peculiar de desenvolvimento e titulares de direitos fundamentais.

1.2 Características contemporâneas do direito da criança e do adolescente

É inevitável verificar a passagem da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente como a responsável pela crescente preocupação com a população infanto-juvenil. De outra banda, o reconhecimento do princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes foi fundamental para a construção do sistema de direito da infância e juventude atualmente vigente. Daí advém a importância de serem estudadas as doutrinas da situação irregular e da proteção integral, comparando-as, bem como compreender de que modo o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente atua no momento em que se aplica uma medida protetiva ao beneficiário que se encontra em situação de risco.

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1.2.1 A prioridade absoluta e o princípio do melhor interesse

Como se depreende do esboço efetuado no título anterior, pela primeira vez na história brasileira, a Constituição Federal de 1988 abordou a questão da criança e do adolescente com prioridade absoluta, de modo que a sua proteção passou a ser vista como obrigação do Estado, da sociedade e da família. Por conseguinte, é importante compreender as bases teóricas que influenciaram a elaboração legislativa para atender os interesses e direitos das crianças e dos adolescentes.

Nesse diapasão, Coelho (apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 21) destaca que “no texto constitucional está inserida uma declaração de direitos reforçada pelo dever ‘da família, da sociedade e do Estado’ e por uma sequência de dispositivos sobre políticas, atendimento, proteção especial e regras jurídicas.” Para o autor, oportunidades e facilidades pertenceram ao quadro da proteção especial estabelecida constitucionalmente, que devem embasar as políticas estatais e a conduta de instituições, famílias e cidadãos.

Como se não bastasse o que dispõe a Constituição Federal, o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente dá conta de que cabe, primeiramente, à família e, supletivamente, ao Estado e à sociedade, assegurar, com absoluta prioridade, todos os direitos inerentes à formação humana. Dito de outro modo, a criança e o adolescente devem estar em primeiro lugar na preocupação, não só da família, como do Estado e da sociedade, de modo que as suas necessidades sejam atendidas prioritariamente. Nesse sentido,

O apoio e a proteção à infância e juventude devem figurar, obrigatoriamente, entre as prioridades dos governantes. Essa exigência constitucional demonstra o reconhecimento da necessidade de cuidar de modo especial das pessoas que, por sua fragilidade natural ou por estarem numa fase em que se completa sua formação, sofrem maiores riscos. [...] Reconhecendo-se que eles são extremamente importantes para o futuro de qualquer povo, estabeleceu-se como obrigação legal de todos os governantes dispensar-lhes cuidados especiais. (DALLARI apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 25).

Como mencionado, a exigência de prioridade absoluta aplica-se, também, à família e à sociedade. Por oportuno, transcreve-se a ilustração de Liberati (2003, p. 19) ao conceituar que

Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas de moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a

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prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.

Destarte, Neto ([S. d], p. 2) descreve incisivamente de que forma deve ser efetivada essa prioridade absoluta:

Pensando nessa linha é que se pretende ver consagrada, pela manifestação de seus próprios membros, a obrigação legal do estabelecimento pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público de políticas institucionais capaz de conduzir à efetivação no país do princípio constitucional da prioridade absoluta, assumindo-se, com essa postura, a responsabilidade funcional, ética e social de se escrever uma nova história para a nossa infância e juventude.

Para que isso seja possível, é “indispensável que Magistrados e agentes do Ministério Público verifiquem a existência de adequada e preferencial política pública de atendimento à infância e juventude, assim como a destinação privilegiada de recursos para essa área social”. Neto ([S. d], p. 2).

De outra banda, Pereira, T. (1999, p. 02, grifo da autora) propõe abrir novos espaços para diálogos que representem alerta aos novos temas sócio-jurídicos atinentes à infância e juventude em um debate interdisciplinar. Este apresenta o direito da criança e do adolescente sob a perspectiva das iniciativas daqueles que o operam conscientes de seu papel de cidadãos visando à consolidação das garantias das crianças e dos adolescentes no país. E prossegue:

Abandonando, em definitivo, o discurso de se considerar a criança e o adolescente como cidadãos pela metade, sua inclusão no pacto social de mudanças estruturais deve levar em conta, prioritariamente, sua condição de sujeito e de pessoa em fase peculiar de desenvolvimento, considerando suas diferenças.

O princípio do melhor interesse como núcleo da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, na perspectiva da titularidade de Direitos Fundamentais e da Doutrina Jurídica da Proteção Integral, nos apresenta como o grande desafio neste diálogo científico e institucional.

Com efeito, verifica-se que a prioridade absoluta está voltada para o princípio melhor interesse da criança e do adolescente, o qual, conforme Coelho, citado por Pereira, T. (1999, p. 6), “reafirma direitos e deveres dos pais e responsáveis e o papel do Estado quanto àqueles que não tenham condições de assegurar que instituições e serviços de atendimento à criança e ao adolescente obedeçam normas de segurança, saúde, idoneidade de atendente e supervisão.”

Nesse passo, cumpre esclarecer que os preceitos estatuídos no Estatuto da Criança e do Adolescente evidenciam que os seus beneficiários gozam de todos os direitos fundamentais

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assegurados ao homem e têm direito à proteção integral. Ademais, garantem-se, também, às crianças e adolescentes todos os instrumentos necessários para assegurar seu desenvolvimento físico, moral e psicológico em condições de liberdade e dignidade.

Sob a perspectiva histórica, agregada à consideração de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, Saraiva (2010, p. 42, grifo do autor) pondera:

Na caminhada trilhada entre a indiferença e a proteção integral de direitos, a criança transitou desde a desconsideração de sua condição diferenciada, ao rótulo de incapaz, até a compreensão (nem sempre percebida) de sua condição de pessoa em peculiar estágio de desenvolvimento, sujeito de direitos.

[...]

Operando com o sempre invocado princípio do superior interesse do menor, diante da incapacidade destes, competia ao adulto, “imbuído do espírito do bem”, determinar qual seria o melhor para a criança, sem expressas referências limitadores deste poder discricionário, sob o sempre invocado argumento de amor à infância. Contudo, atualmente, não cabe mais aos pais determinarem, discricionariamente, o que é melhor para seus filhos, assim como não pode o Estado, arbitrariamente, decidir o que é melhor para crianças e adolescentes institucionalizados, considerando que, à luz da proteção integral, as normas voltadas à população infanto-juvenil pautam-se por critérios objetivos.

Nesse sentido, ressalva Chaves (1997, p. 64):

Não mais um melhor interesse subjetivamente estabelecido, o que poderia conduzir ao arbítrio, mas um superior interesse baseado em normas objetivas, finalísticas, voltadas à proteção integral.

Os fins sociais do Estatuto, consubstanciados na promoção e defesa dos direitos, constituem diretrizes para que o superior interesse seja mesmo o da criança e adolescente e não mais um duvidoso e suposto melhor interesse, a critério subjetivo do intérprete.

Observa-se, no que diz respeito ao princípio do melhor interesse, que são necessárias a fixação de suas diretrizes e a redefinição de seus parâmetros. Isso porque “considerando a condição de pessoa em situação peculiar de desenvolvimento, alguns fatores devem ser priorizados na identificação de seus efetivos.” Quanto aos casos concretos, “muitas vezes, há que se confrontar com situações fáticas que conduzirão os aplicadores do direito a optarem por soluções que representem o menos prejudicial para a criança e o jovem.” (PEREIRA, T. 1999, p. 33-34).

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Por isso, nossos tribunais têm reiteradamente se posicionado no sentido de que seja respeitado o interesse da criança e do adolescente, o qual deve prevalecer sempre que os seus direitos estejam em discussão. Assim, a proteção desses interesses sobrepõe-se a qualquer bem juridicamente tutelado, haja vista a destinação social da lei e o respeito à sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. (LIBERATI, 2003, p. 20).

Oportuno o apontamento de Pereira, T. (1999, p. 34-35) sobre a implementação, bem como o atendimento, do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente:

Na implantação deste princípio cabe um alerta quanto à forma do atendimento à

população infanto-juvenil. Abandonando definitivamente um sistema

demasiadamente paternalista, o assistencialismo que promove a esmola, atende o imediato, gera dependência e fragmenta o homem, deve dar lugar a um tipo de atendimento que atenda o imediato visando ao mediato, contemple o indivíduo em sua totalidade, promova a sua libertação e, sobretudo, reflita uma ação transformadora.

Nesta esteira, a autora supracitada destaca que, para promover o melhor entendimento sobre a aplicação do princípio, é indispensável estudar as três correntes jurídico-doutrinárias acerca da proteção da infância no nosso país, a saber: a Doutrina do Direito Penal do Menor, a Doutrina da Situação Irregular e a Doutrina da Proteção Integral. No momento, transcreve-se excerto do debate interdisciplinar acerca da doutrina do direito penal do menor, uma vez que as demais doutrinas serão estudadas no título seguinte:

A Doutrina do Direito Penal do Menor, concentrada nos Códigos Penais de 1830 e 1890, preocupou-se especialmente com a delinqüência e baseou a imputabilidade na “pesquisa do discernimento” – que consistia e imputar a responsabilidade ao menor em função de seu entendimento quanto à prática de um ato criminoso. (PEREIRA, 1993, p. 11, grifo da autora).

Assim, considerando que devidamente analisada a prioridade absoluta e compreendido o princípio do melhor interesse, é possível adentrar no estudo da doutrina da situação irregular e, em seguida, da doutrina da proteção integral.

1.2.2 A superação da doutrina da situação irregular

É possível perceber que ocorreu a passagem de um regime potestativo, possessivo e repressivo para o regime protetivo da criança e do adolescente, na qual “as regras passaram a obrigar os pais a darem educação, manterem os filhos, dando-lhes casa e comida, vestuário e

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tratamento de saúde”, oportunidade em que também “vislumbra-se [...] mudança, embora tênue, do Direito Privado sobre o menor, para a intervenção do Direito Público em favor do menor.” (TAVARES, 2001, p. 53, grifo do autor).

Nesse contexto,

A Doutrina Jurídica da Situação Irregular passou a vigorar efetivamente entre nós com o advento do Código de Menores de 1979. [...]

O período de vigência do Código de 1979 foi marcado, ainda, por uma política assistencialista fundada na proteção do menor abandonado ou infrator. Outra característica dessa fase social é a competência de caráter penal e tutelar do Juiz; sua interferência ocorria nas hipóteses de prática do ato infracional e nas demais situações caracterizadas como problemas sociais.

(PEREIRA, T., 1999, p. 12, grifo da autora)

A propósito, sobre o superado Código de Menores, Saraiva (2010, p. 23) assevera que “[...] a declaração de situação irregular tanto poderia derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou ‘desvios de conduta’), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono).” Desse modo, inexistia diferença se a moléstia social decorria do comportamento do “menor” ou derivava das pessoas que o cercavam. E continua o autor:

Reforça-se a ideia dos grandes institutos para “menores” (até hoje presente em alguns setores da cultura nacional), onde se misturavam infratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus-tratos com vitimizadores autores de conduta infracional, partindo do pressuposto de que todos estariam na mesma condição: estariam em “situação irregular”. (SARAIVA, 2010, p. 23).

Nesse passo, apropriado conceituar a situação irregular da criança e do adolescente: A situação foi irregular foi conceituada pelo Instituto Interamericano del Nino da seguinte forma: 1. É aquela situação em que se encontra um menor, tanto quando incorreu num fato anti-social, como quando se encontra em estado de perigo, abandonado material e moralmente ou se padece de um déficit físico ou mental. 2. Diz-se, também, dos menores que não recebem o tratamento, a educação e os cuidados que correspondem às suas individualidades. (CHAVES, 1997, p. 349). Em relação às crianças carentes e abandonadas, a visão de Chaves (1997, p. 336-337):

Ao demais, qual o pai que decide entregar o seu filho a outrem, senão para acudir sua extrema penúria, ou melhorar-lhe a sorte? Quanto aos filhos indesejados, estes, com maior razão, merecem uma nova oportunidade de integração familiar.

Muitos dos menores que, ora pedintes, ora perigosos vadios, encontramos nas ruas, em ampla marginalização social, são levados a esta deplorável realidade nacional, por falta de melhores condições materiais e emocionais de seus pais que, alguma vezes, até tentaram dar-lhes maior proteção, noutro lar. Diversos menores que,

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passando dias expostos em vias públicas, procuraram remediar a pobreza de seus lares, só encontram as veredas do crime e da libertinagem. Neste estado de coisas, a guarda e responsabilidade, como medida precaríssima noutros casos, desponta como melhor solução preventiva, mesmo em se tratando de situações atípicas de abandono.

Nessa senda, Beloff, citada por Saraiva, esclarece que o determinismo entre pobreza, marginalidade e delinquência está presente em todas as leis, práticas e instituições tutelares, consagrando o binômio “menor abandonado/delinquente.” Nesse sentido, Saraiva (2010, p. 24-26), a partir das ideias de Bellof, caracteriza a doutrina da situação irregular em trecho que merece ser transcrito:

a)as crianças e os jovens aparecem como objetos de proteção, não são reconhecidos como sujeitos de direitos, e sim como incapazes. Por isso as leis não são para toda a infância e adolescência, mas sim para os “menores”;

b) utilizam-se categorias vagas e ambíguas, figura jurídicas de “tipo aberto”, de difícil apreensão desde a perspectiva do direito, tais como “menores em situação de risco ou perigo ou perigo moral ou material”, ou “em situação de risco”, ou “em circunstâncias especialmente difíceis”, enfim estabelecendo o paradigma da ambiguidade;

c) neste sistema, é o menor que está em situação irregular; são suas condições pessoais, familiares e sociais que o convertem em um “menor em situação irregular” e por isso objeto de uma intervenção estatal coercitiva, tanto ele como sua família; d) estabelece-se uma distinção entre as crianças bem nascidas e aqueles em “situação irregular”, entre criança e menor, de sorte que as eventuais questões relativas àquelas serão objeto do direito de família e destes dos Juizados de Menores;

e) surge a ideia de que a proteção da lei visa aos menores, consagrando o conceito de que estes são “objeto de proteção” da norma;

f) esta “proteção” frequentemente viola ou restringe direitos, porque não é concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais;

g) aparece a ideia de incapacidade do menor;

h) decorrente deste conceito, a opinião da criança faz-se irrelevante;

i) nesta mesma lógica se afeta a função jurisdicional, já que o Juiz de Menores deve ocupar-se não somente de questões tipicamente judiciais, mas também de suprir as deficiências de falta de políticas públicas adequadas. [...] Disso resulta que o Juiz de Menores não está limitado pela lei e tenha faculdades ilimitadas e onipotentes de disposição e intervenção sobre a família e criança, com amplo poder discricionário; j) há uma centralização do atendimento;

k) estabelece-se uma distinção entre crianças e adolescentes que cometem delito com questões relacionadas com as políticas sociais e de assistência, conhecido como “sequestro e judicialização dos problemas sociais;

l) deste modo se instala uma nova categoria de “menor abandonado/delinquente” e se inventa a delinquência juvenil;

m) como consequência deste conjunto, desconhecem-se todas as garantias reconhecidas pelos diferentes sistemas jurídicos no Estado de Direito, garantias estas que não são somente para pessoas adultas;

n) principalmente, a medida por excelência é adotada pelos Juizados de Menores, tanto para os infratores da lei penal quanto para as “vítimas” ou “protegidos”, será a privação de liberdade. Todas estas medidas impostas por tempo indeterminado; o) consideram-se as crianças e adolescentes como inimputáveis penalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ação “protetiva” resulta que não lhes será assegurado um processo com todas as garantias que têm os adultos e que a decisão de privá-los de liberdade ou de aplicação de qualquer outra medida, não dependerá

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necessariamente do fato cometido, mas sim, precisamente, da circunstância de a criança ou adolescente encontra-se em “situação de risco”.

A despeito da doutrina da situação irregular, Liberati (2003, p. 15-16) manifesta que, “na verdade, em situação irregular estão a família, que não tem estrutura e que abandona a criança; os pais, que descumprem os deveres do poder familiar; o Estado, que não cumpre as suas políticas sociais básicas; nunca a criança ou o jovem.”

Contudo, para a doutrina da situação irregular, como assevera Saraiva (2010, p. 16), havia divisão entre a infância: “aquela das crianças e dos adolescentes, a quem os direitos eram assegurados, tidos por situação regular e em face aos quais a lei era indiferente; e outra, a dos menores, objeto da ação da lei, por estarem em situação irregular.” Rompendo com esse modelo, o Estatuto da Criança e do Adolescente concebe uma infância e juventude integrada e “reconhece uma só condição de criança e adolescente enquanto destinatário da norma, titular de direitos e de certas obrigações, em peculiar condição de desenvolvimento, estabelecendo nova referência paradigmática.” (SARAIVA, 2010, p. 16).

Destarte, o Estatuto da Criança e do Adolescente desfez o modelo anterior do menor em situação irregular, considerado mero objeto, passando a considerar todas as pessoas que ainda não alcançaram a maioridade como sujeitos de direito que se encontram em condição peculiar de desenvolvimento. Esse paradigma implicou na mudança da doutrina da situação irregular, prevista no revogado Código de Menores, pela doutrina da proteção integral, orientadora do Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.2.3 O advento da doutrina da proteção integral

Percebe-se, pois, que o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente foi a baliza divisória no trato da infância e juventude no país. Comparando-se a teoria da proteção integral com a teoria da situação irregular, verifica-se que a Lei n.º 8.069/1990 revolucionou o Direito Infanto-Juvenil. Para Liberati (2003, p. 15), essa nova visão baseia-se nos direitos próprios e especiais das crianças e dos adolescentes, que possuem a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e necessitam de uma proteção diferenciada e especializada. E prossegue, sustentando o autor:

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Com essa lei civilizatória, as crianças e jovens passam a ser sujeitos de direitos e deixam de ser objetos de medidas judiciais e procedimentos policiais, quando expostos aos efeitos da marginalização social decorrente da omissão da sociedade e do Poder Público, pela inexistência ou insuficiência das políticas sociais básicas. (LIBERATI, 2003, p. 20, grifo do autor).

A doutrina da proteção integral estabeleceu que a criança e o adolescente devem ser protegidos e os seus direitos garantidos. Essa proteção, com prioridade absoluta, deixa de ser obrigação exclusiva do Estado e da família e passa a ser considerada um dever de toda a sociedade, à luz da condição especial de pessoas em desenvolvimento. Nesse passo, oportuno conceituar a proteção integral que, para Chaves (1997, p. 51),

Quer dizer amparo completo, não só da criança e do adolescente, sob o ponto de vista material e espiritual, como também a sua salvaguarda desde o momento da concepção, zelando pela assistência à saúde e bem-estar da gestante e da família, natural ou substituta da qual irá fazer parte.

Mas tem também outro sentido do ponto de vista estritamente legal: é que toda a matéria passará ficar subordinada aos dispositivos do Estatuto [...]

Assim, a proteção integral precisa ser compreendida como a teoria abrangente de todas as necessidades básicas de um ser humano, que são imprescindíveis para o desenvolvimento de sua personalidade.

A Doutrina da Proteção Integral, além de contrapor-se ao tratamento que historicamente reforçou a exclusão social, apresenta-nos um conjunto conceitual, metodológico e jurídico que permite compreender e abordar as questões relativas às crianças e aos adolescentes sob a ótica dos direitos humanos, superando o paradigma da situação irregular para instaurar uma nova ordem paradigmática. (SARAIVA, 2010, p. 17).

Para traçar um comparativo com as caraterísticas da doutrina da situação irregular vistas no título anterior, colaciona-se excerto que apresenta as principais características da doutrina da proteção integral, referenciadas por Bellof (apud SARAIVA, 2010, p. 26-28, grifo do autor):

a) definem-se os direitos das crianças , estabelecendo-se que, no caso de algum destes direitos vier a ser ameaçado ou violado, é dever da família, da sociedade, de sua comunidade e do Estado restabelecer o exercício do direito atingido, através de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes, tanto administrativos quanto judiciais, se for o caso;

b) desaparecem as ambiguidades, as vagas e imprecisas categorias de “risco”, “perigo moral ou material”, “circunstâncias especialmente difíceis”, “situação irregular”, etc.;

c) estabelece-se que, quem se encontra em “situação irregular”, quando o direito da criança se encontra ameaçado ou violado, é alguém ou alguma instituição do mundo adulto (família, sociedade, Estado);

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d) estabelece-se a distinção entre as competências pelas políticas sociais e competências relativas a infração à lei penal;

e) a política pública de atendimento deve ser concebida e implementada pela sociedade e pelo Estado, fundada na descentralização e focalizada nos municípios; f) é abandonado o conceito de menores como sujeitos definidos de maneira negativa, pelo que não têm, não sabem ou não são capazes, e passam a ser definidos de maneira positiva, como sujeitos plenos de direito;

g) são desjudicializados os conflitos relativos à falta ou carência de recursos materiais, substituindo o anterior sistema que centrava a ação do Estado pela intervenção judicial nestes casos;

h) a ideia da proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes: não se trata, como no modelo anterior, de proteger a pessoa da criança ou do adolescente, do “menor”, mas sim de garantir os direitos de todas as crianças e adolescentes;

i) também por este motivo a proteção não pode significar intervenção estatal coercitiva;

k) da ideia de universalidade de direitos, depreende-se que estas leis, derivadas de nova ordem, são para toda a infância e adolescência, não para uma parte. Por isso se diz que com estas leis se recupera a universalidade da categoria infância, perdida com as primeiras leis para “menores”;

l) já não se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoas incompletas, mas sim pessoas completas, cuja particularidade é que estão em desenvolvimento. Por isso se reconhecem todos os direitos que têm todas as pessoas, mais um plus de direitos específicos precisamente por reconhecer-se que são pessoas em peculiar condição de desenvolvimento;

m) decorre disso, por um imperativo lógico, o direito de a criança ser ouvida, e sua palavra e opiniões devidamente consideradas;

n) recoloca-se o juiz na sua função jurisdicional, devendo a Justiça de Infância e Juventude ocupar-se de questões jurisdicionais, seja na órbita infracional (penal), sena na órbita civil (família);

o) o Juiz da Infância, como qualquer juiz no exercício de sua jurisdição, está limitado em sua intervenção pelo sistema de garantias; [...]

“Em outras palavras, deve-se entender como proteção integral a abrangência de todas e quaisquer necessidades da pessoa humana,visando a alcançar o desenvolvimento global de sua personalidade” (PEREIRA, C., 2002, p. 18). Nesse contexto, “ser ‘sujeito de direitos’ significa, para a população infanto-juvenil, deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos.” (PEREIRA, T., 1993, p. 15).

Frise-se que a Doutrina da Proteção Integral tem amparo na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança entabulada pela Assembleia-geral das Nações Unidas, cujo texto foi adotado, na íntegra, pelo Brasil, mediante o Dec. 99.710 de 1990, após ter sido ratificado pelo Congresso Nacional. Com efeito, verifica-se que o novo instrumento legal é voltado ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, que constituem a fração mais sensível de nossa sociedade, assegurando-lhes proteção especial.

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Nesse contexto, muito importante atentar ao fato de que, além de reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, faz-se necessária uma reflexão de toda a sociedade no sentido de preservar a condição peculiar de crianças e adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento:

O reconhecimento de que as crianças e os jovens são o futuro da sociedade não é suficiente. Impõe-se a necessidade de generalizar, na população como um todo, quer a preservação da infância e da adolescência – que, sob múltiplos aspectos, dependem de um contexto social e cultural adequado para serem plenamente vividas e respeitadas – quer a consciência de que crianças e adolescentes são diferentes dos adultos e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que cabe aos adultos, particularmente aos pais, a indeclinável responsabilidade pelo crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes, servindo os melhores interesses destes. (NETTO apud CURY; AMARAL E SILVA; MENDEZ, 2000, p. 16, grifo do autor).

Esse é o papel a ser desempenhado por todos aqueles que buscam entender a condição acima mencionada, principalmente autoridades que ainda não despertaram para a necessidade de reconhecer e respeitar os direitos inerentes à população infanto-juvenil, proporcionando-lhe saudável e pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Isso porque a sociedade, o Estado e a família devem empreender esforços objetivando assegurar as garantias previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente às crianças e aos adolescentes.

A análise sistemática da doutrina da proteção integral dá conta de que essa teoria se manifesta em cinco vetores, quais sejam, crianças e adolescentes devem ser: 1) reconhecidos como sujeitos de direitos; 2) considerados pessoas em estágio peculiar de desenvolvimento; 3) precisam ser atendidas com prioridade absoluta; 4) protegidos quando se encontrarem em situação de risco social, através de medidas protetivas, e 5) responsabilizados quando autores de atos infracionais, por meio da aplicação de medidas sócio educativas.

Como se constata de todo o exposto, a doutrina da proteção integral foi perfeitamente delineada nos diplomas legais pertinentes; contudo, o grande desafio hoje é retirá-la do campo formal e realizá-la materialmente, tornando-a concreta. Para tanto, é necessário exigir real comprometimento de todos os agentes sociais responsáveis por colocar em prática a doutrina da proteção integral.

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