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O papel do Estado no estímulo às atividades de CT&I

O economista Adam Smith (1723-1790), considerado o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico, ao escrever sua principal obra intitulada Uma Investigação Sobre a Natureza e a Causa da Riqueza Das Nações, se ocupou em explicar o porquê de algumas nações serem mais ricas que outras. Smith acreditava que a iniciativa privada deveria agir livremente, com pouca intervenção governamental. A competição livre entre os diversos fornecedores levaria não só à queda dos preços das mercadorias, como também a constantes inovações tecnológicas, resultando no barateamento do custo de produção e na maior competitividade entre os agentes (SMITH, 1985).

Contudo, ao longo dos séculos, as economias modernas perceberam que apenas a mão invisível proposta por Smith não seria suficiente para garantir o crescimento econômico sustentado, sendo a intervenção governamental uma peça importante na propulsão da economia, tanto em momentos de crise quanto de bonança. A despeito das diversas correntes do pensamento econômico, que foge do escopo deste trabalho, diversos autores têm chamado a atenção para o papel do Estado enquanto agente incentivador das atividades de CT&I com foco no desenvolvimento socioeconômico das nações (DOSI, 1988; LUNDVALL, 1988; FREEMAN, 1988, 1995; ETZKOWITZ, 2002). Desta forma, diversos países emergentes, entre eles o Brasil, vêm realizando esforços no sentido de incentivar (aumentando e diversificando) o leque de políticas de apoio à CT&I.

Freeman (1988) lembra que a experiência histórica da intervenção estatal ensina que há pelo menos três características inerentes ao papel do Estado no desenvolvimento das nações

que precisam ser resgatadas, independente do grau dessa intervenção, quais sejam: i) atuação do Estado na promoção da educação em diversos níveis e também na promoção da pesquisa pública; ii) atuação do Estado em promover equilíbrio macroeconômico, notadamente em questões como inflação, mercado cambial, taxas de juros e sistemas financeiro; iii) regulamentação estatal visando segurança e estímulo a um ambiente inovador.

Somado a isso, está a constatação de que o desenvolvimento tecnológico não é atingido automaticamente por meio dos investimentos em PD&I e que a inserção de uma tecnologia no mercado não necessariamente trará benefícios econômicos aos seus inventores. Isso mostra a relevância do Estado no sentido de apoiar as empresas em todo o processo de inovação em que estão envolvidas, uma vez que a inovação é reconhecidamente considerada como um dos principais fatores de crescimento e dinamismo econômico e de melhoria das condições de vida das sociedades (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1995).

Nos países desenvolvidos, à semelhança do que ocorre nos EUA, o Estado vem atuando no processo inovativo por meio de estímulos à pesquisa e ao desenvolvimento (PD&I) e também incentivando às universidades a extrapolarem seus papeis tradicionais de ensino e pesquisa básica com vistas à inclusão da inovação tecnológica no seu portfólio de serviços. Essa necessidade de alteração da missão da universidade ocorre devido à constatação de que a geração de conhecimento (e sua difusão), na presente era, é peça fundamental para o desenvolvimento socioeconômico das nações (ETZKOWITZ, 2001).

Dentro desta mesma perspectiva, Salerno e Kubota (2008) comentam que o Estado pode atuar como incentivador, criando um ambiente propício ao processo inovativo dentro das empresas, principalmente atuando nas áreas de redução de custos e riscos associados à inovação. Com esses incentivos, o Estado influenciará positivamente o comportamento, as estratégias e as decisões empresariais relativas à inovação. Além de atuar nesse ambiente mais microeconômico, o Estado também atuaria em nível macroeconômico, proporcionando um contexto mais favorável para as empresas, especialmente que diz respeito à taxa de juros, câmbio, inflação e também linhas de financiamento especificas.

Para Dias e Dagnino (2007), o Estado vem passando por constantes mudanças no que diz respeito ao grau e à forma de intervenção na economia. Tais mudanças são motivadas pelas grandes revoluções tecnológicas e estruturais porque passaram os países a partir da segunda guerra mundial. Essa redefinição do Estado, segundo o autor, diz respeito mais às formas de intervenção do que necessariamente ao grau de intervenção pública. O Estado é chamado a se reinventar em termos de novas atribuições e relações com o setor privado dentro de um contexto onde a inovação é a palavra de ordem.

Historicamente, o Estado possui grande relevância na promoção do setor produtivo, seja por meio de política que promovam diretamente algum setor ou mesmo atuando como orientador e difusor de novas tecnologias. Ou autores lembram que um elemento importante dessa visão são as chamadas coalizões estratégicas entre o Estado e os segmentos da sociedade civil, às quais teriam objetivos e compromissos recíprocos bem definidos com foco em um projeto de longo prazo para o país (CASSIOLATO; LASTRES, 2005).

O papel do Estado vai além de correções de falhas de mercado, ainda que sejam de falhas de sistemas de inovação. Os autores propõem uma atuação mais dinâmica do Estado na promoção de atividades de CT&I. Eles resumem essa atuação em quatro ações: a) o Estado pode atuar na seleção de problemas que requerem pesquisas específicas; b) captar parceiros potenciais e a facilitar negociações de transferência de tecnologia; c) fornecer recursos financeiros voltados para o desenvolvimento de novas pesquisas e projetos; e d) dividir custos e riscos com o setor empresarial na área de PD&I, funcionando como uma espécie de terceiro setor, se apropriando também dos resultados da parceria com as empresas e universidades (MENDONÇA; LIMA; SOUZA, 2008).

Em meio à essa discussão, talvez a seguinte pergunta possa surgir: como o Estado vem apoiando a atividade inovadora e incentivando a difusão de CT&I? O Estado, sobretudo nos países desenvolvidos, tem atuado basicamente em duas frentes de trabalho. Na primeira, ele oferece recursos financeiros destinados às atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), tornando-se um importante agente financiador. Na segunda, o Estado é o principal incentivador da mudança de postura nas instituições de pesquisa, motivando-as a extrapolarem suas pesquisas e ensino tradicionais e a produzirem PD&I com foco na atividade econômica. Esse aparente paradoxo da atuação do Estado nas políticas de incentivo à CT&I tem contribuído para uma nova formatação da interação entre as instituições de pesquisa com o mercado e sociedade (ETZKOWITZ; LEYDESDORFF, 1995). Essa interação será mais discutida na seção seguinte do presente trabalho, onde será analisado o modelo de hélice tríplice.

Conclui-se esta seção recorrendo ao argumento proposto por Mazzucato (2014), em seu livro O Estado Empreendedor, no qual ela salienta que o Estado é fundamental para apoiar a atividade inovadora, tendo em vista que ele pode assumir riscos que o setor privado não está disposto a arcar. Isso parece ir na contramão da tendência de alguns países, sobretudo os desenvolvidos, que buscam reduzir seu tamanho e serem menos intervencionistas, inclusive na área de CT&I. A autora busca desmistificar a relação entre o setor público e privado, mostrando que o Estado possui um papel fundamental na promoção do crescimento econômico, tendo a inovação como de longo prazo como uma das principais agendas estatais.

Mazzucato (2014) desconstrói o mito de um estado burocrático e pesado em detrimento de um setor privado dinâmico e inovador. Ao realizar alguns estudos de caso nas áreas de tecnologia da informação, biotecnologia e nanotecnologia, a autora mostra que o oposto é verdadeiro, isto é, o setor privado só encontra a motivação e a coragem de investir depois que um estado empreendedor realizou investimentos de alto risco. Para corroborar com essa hipótese, ela ilustra o caso das tecnologias que tornaram produtos como o iPhone®, o GPS, o assistente virtual acionado por voz, Siri® e a tela sensível ao toque campeões de mercado. Todos eles tiveram financiamento estatal para suas implementações.

O que Mazzucato (2014) propõe é que a sociedade compreenda que o Estado não serve apenas para corrigir as chamadas falhas de mercado – situações onde o mercado não consegue alocar eficazmente os recursos escassos, seja por desinteresse, externalidades negativas ou por assimetrias de informação. Segundo a autora, o papel relativo do Estado na promoção de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação não está restrito apenas ao financiamento de pesquisa básica e a exercer um papel passivo nesse processo, mas na articulação de visões ousadas, estabelecendo missões tecno-econômicas executadas através dos mais diferentes instrumentos de políticas públicas. Estas políticas públicas orientadas por missões, segundo a autora, é o que tornam um Estado empreendedor, capaz de incentivar o dinamismo e competitividade econômica de um país.

Desta forma, o contraponto proposto por Mazzucato (2014), no qual o Estado não serve apenas para corrigir as falhas de mercado, também alcança as chamadas falhas sistêmicas dos sistemas de inovação (COSTA, 2016). Para Mazzucato (2014), é comum entre os teóricos da linha neoshumpeteriana a atribuição de um Estado mais intervencionista, contudo ainda focado nas falhas de mercado, desta vez nas sistêmicas, oriundas de falhas nos Sistemas Nacionais de Inovação. Apesar de reconhecer a pertinência das abordagens focadas nos sistemas como propulsores do processo de desenvolvimento tecnológico, a autora critica a visão associada de que o papel do Estado seria ainda de corrigir falhas, nesse caso focadas na ineficiência das instituições em interagir com o mercado.

A partir do modelo sistêmico de inovação, a parceria universidade-empresa-governo ganha relevante destaque. A importância e os principais modelos dessa relação serão abordados na seção a seguir.

2.2 MODELOS DA RELAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA-GOVERNO