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PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS

2.1 O Paradigma da Competência como Eixo da Reforma Neoliberal

Como vimos no capítulo anterior, Fiori escreveu sobre as quatro idéias-forças que estavam por trás do conceito de globalização: 1) a globalização é fruto de forças do mercado; 2) a revolução tecnológica terá dado surgimento a uma nova economia; 3) a globalização é

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A autonomia é uma bandeira cara aos setores progressistas e, entendida como um preceito auto-aplicável do art. 207 da Constituição Federal de 1988. Na lógica neoliberal que orienta a reforma, ela é entendida como a capacidade das instituições para captação de recursos externos para o auto-sustento e precisa ser regulamentada. (vide Projeto de Autonomia Universitária enviada ao Congresso Nacional pelo Executivo, que contou com a resistência de vários setores da sociedade).

um processo universal e homogeneizador; 4) a globalização traria uma redução pacífica e benéfica dos Estados nacionais.

No nosso entendimento, são quatro mitos que a ofensiva neoliberal desenvolveu para vencer a resistência da classe trabalhadora às privatizações, à retirada dos direitos trabalhistas e ao retorno à selvageria do capitalismo nos seus primórdios, onde inexistia qualquer proteção social. Esta ofensiva do capital contra a classe trabalhadora visa a recuperar a dinâmica dos investimentos e a taxa de lucros do período pós Segunda Guerra Mundial, que foi intitulada de anos de ouro do capitalismo.

Criar mitos é bem característico da fase atual de crise que o capitalismo atravessa. Desses mitos desenvolvidos à exaustão pelos “teólogos” de mercado, vamos tratar aqui do mito da nova sociedade do conhecimento trazida pela suposta revolução tecnológica, pois este é utilizado para legitimar as atuais reformas do ensino médio e do ensino superior.

Bourdieu e Wacquant (2004) escreveram que os atuais intelectuais regiamente pagos ruminam um novo vocabulário que eles chamam de novilíngua, circulando por todos os lugares com a maior desenvoltura e aparentemente não teve origem em nenhum lugar. Essa novilíngua é fruto de um novo imperialismo simbólico que pretende reconstruir o mundo sob a égide do mercado. O termo novilíngua é uma clara alusão ao livro 1984, de George Orwelll, que pintava um mundo sombrio controlado pelo grande irmão que obtinha o consenso, inclusive por meio da criação de termos que procuravam recriar a realidade favorável ao grande irmão.

A difusão dessa nova vulgata planetária — da qual se encontram notavelmente ausentes capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade, e tantos vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de uma presumível falta de pertinência — é produto de um imperialismo apropriadamente simbólico: os seus efeitos são tão poderosos e perniciosos porque ele é veiculado não apenas pelos partidários da revolução neoliberal — a qual, sob a capa da ‘modernização’, entende reconstruir o mundo fazendo tábua rasa das conquistas sociais e econômicas resultantes de cem anos de lutas sociais, descritas agora como arcaísmos e obstáculos

à nova ordem nascente —, mas também por produtores culturais (pesquisadores, escritores, artistas) e militantes de esquerda que, na sua maioria, continuam a considerar-se progressistas (BOURDIEU e WACQUANT, 2004, p.24)

Gramsci escreveu que o Estado é hegemonia encouraçada de coerção, ou seja, nenhum regime político pode se sustentar somente pela força. Ao escrever nessa linguagem metafórica, o marxista italiano estava se reportando a Maquiavel, ao dizer que o Príncipe deveria combinar a astúcia da raposa com a força do leão. A astúcia da raposa para escapar das armadilhas e a força do leão para se fazer respeitar e impor. A linguagem, por ser um elemento fundamental na comunicação entre os homens, e ser um instrumento também de

interação, é fundamental para a libertação ou para impor um domínio. Vale lembrar que o educador brasileiro Paulo Freire também destacou a idéia de que a leitura não é um ato passivo, mas é carregado de sentido, de uma visão de mundo.

Para Gramsci, a hegemonia não é só econômica, tampouco política, pois ocorre também no plano ideológico e cultural. Daí ele ter afirmado que a filosofia de uma época não pode ser buscada somente nas grandes descobertas, feitas por alguns filósofos mais emblemáticos, mas pelo sentido que a filosofia dava à época e pela perspectiva de ação que esse sentido trazia.

A filosofia de uma época não caracterizada por um grande filósofo ou pensador, ou por um grupo de intelectuais, ou por uma parte das massas; mas sim por todo o conjunto social. È aquela filosofia que culmina numa determinada direção, na qual essa culminação torna-se norma coletiva, isto é, torna-se história concreta e completa, integral (GRAMSCI apud GRUPPI,1978, p. 78)

Estabelecendo uma analogia com a análise do autor, podemos compreender a disputa, no plano ideológico, implementada para neutralizar conceitos como dominação de classe e imperialismo, e substituí-los por conceitos mais “assépticos” que não evocassem temáticas tão caras às lutas sociais na América Latina e nos países do Terceiro Mundo, lutas estas que se defrontaram com o imperialismo norte-americano, pois apontavam no sentido de buscar mais autonomia política e econômica, reforma agrária e redistribuição de renda, e elas não contaram somente com a resistência tenaz das classes dominantes internas destes países, mas também com o apoio decidido dos Estados Unidos a essas classes dominantes (vide os golpes militares chileno, brasileiro, uruguaio, nos anos 60 e 70 do século XX).

Nesse sentido, podemos compreender que a luta que se trava e a que se travou em nominar os fenômenos não são de somenos importância, pois são determinadas visões de mundo em disputa. Chomsky, lingüista progressista norte-americano, em seu livro Contendo

a Democracia, nós dá uma bela análise de como a noção de guerra fria foi desenvolvida para

combater sindicatos, entidades, partidos ou países que ousassem colocar em risco os lucros exorbitantes das multinacionais americanas e, além disso, como foi ela uma necessidade de criar bodes expiatórios para justificar o disciplinamento dos sindicatos e da força de trabalho dentro dos Estados Unidos e nos países periféricos diante de crises que ameaçavam a hegemonia norte-americana.

... A necessidade de uma ‘repressão justa’ e de meios de controle sobre os sindicatos, igrejas, escolas e de outras fontes potenciais de dissidência também se enquadrou num padrão mais amplo. A partir do fim da década de 1930, as atividades comerciais tinham sido profundamente perturbadas pela politização e organização crescentes do público em geral — o que mais tarde se denominou de ‘crise da democracia’ nas condições parcialmente semelhantes do período pós- Vietnã. O mesmo se deu imediatamente após a Primeira Guerra Mundial. Em todos, esses casos, a resposta foi a mesma: a ameaça vermelha de Wilson, a repressão pós-

Segunda Guerra Mundial erroneamente rotulada de ‘macarthismo’ (na verdade, uma campanha para minar os sindicatos, a cultura do proletariado e o pensamento independente, lançada por empresários e democratas liberais muito antes de McCarthy entrar em cena e cometer o erro, que acabou por destruí-lo, de atacar pessoas poderosas); e os programas da polícia política nacional inaugurados pelo governo Kennedy e ampliados por seus sucessores, visando a solapar os partidos políticos independente e os movimentos populares, através da subversão e da violência. As guerras e outras crises têm o dom de fazer com que as pessoas pensem e até se organizem, e o poder privado recorre sistematicamente ao Estado para conter essas ameaças a seu monopólio da arena política e da hegemonia cultural... (CHOMSKY, 2003, p. 38).

Posto isso, é possível compreender como utilizaram um sentimento de mudanças que têm o objetivo de melhorar a vida da população (as reformas) e passaram a lhes dar outro conteúdo que apontavam no sentido inverso (privatizações, flexibilização das leis trabalhistas, desconstitucionalização dos direitos sociais etc). Nesse sentido, o termo reforma passou por um processo de “ressemantização” para criar um apelo favorável às referidas mudanças estruturais. Assim como a Reforma do Estado teve como justificativa a necessidade de torná- lo mais eficiente e ajustá-lo às novas demandas ocorridas no processo produtivo, as reformas no campo educacional eram realizadas tendo como pretexto o surgimento de tecnologias que tornavam obsoletos os antigos métodos de ensino e a imperiosidade de ajustar o País à nova fase que o capitalismo atravessava e atravessa. Como a nova divisão do trabalho seria mais fluida e menos estanque, a educação cumpriria um papel-chave nesse processo.

Aliás, adaptar-se é a palavra-chave para definir as políticas de contra-reformas, pois o estribilho de Margareth Thatcher — não há alternativa — é inclusive usado sub- repticiamente no campo educacional para ensejar as reformas da educação básica e do ensino superior que visam à mercantilização crescente da educação e do conhecimento, em particular das universidades públicas.

Assim, o processo crescente de privatização da educação superior é entendido pelo BM como ‘democratização’ deste nível de ensino, numa ruptura com a lógica da universalidade do acesso à educação. O princípio da universalidade é substituído pelo discurso da eqüidade, que pressupõe o conjunto de habilidades de cada indivíduo para garantir seu acesso às universidades ou aos cursos pós-médios, conforme suas competências. Como resposta a este documento La enseñanza superior — las lecciones derivadas de la experencia, a Unesco elaborou em 1995 o

Documento de política para mudança e o desenvolvimento na educação superior

(LIMA, 2002, p. 48-49).

A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia), no período de 5 a 9 de março de 1990, convocada por órgãos como UNESCO, UNICEF, PNUD e BM, é considerada um evento fundamental para as posteriores formulações de políticas públicas na área de educação, com um viés nitidamente neoliberal. No exame de Oliveira (2000), desta “conferência resultaram ‘posições consensuais’ que

deveriam constituir as bases dos planos decenais de educação, especialmente dos países mais populosos, signatários da Declaração Mundial de Educação para Todos (2000, p.105)”.

Jimenez e Maia (2004) também entendem que esta Conferência foi um marco não só pelo número de países envolvidos, os organismos internacionais que a patrocinaram, mas também pelas diretrizes traçadas que nortearam as políticas educacionais dos países do Terceiro Mundo e, quatro anos após a Conferência de Jomtien, um grupo de pensadores, coordenado pelo francês Jacques Delors, que fez parte da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, elaborou um relatório sob os auspícios da UNESCO que estabeleceu as linhas mestras para as “reformas” educacionais. Estas diretrizes não se resumiram ao ensino básico, mas também foram destinadas ao ensino superior destes países.

A Conferência Mundial ocorrida em Jomtien, na Tailândia, em 1990, em torno do tema Educação para Todos, representou, reconhecidamente, um marco no pensamento educacional contemporâneo. Promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), através de alguns de seus principais organismos UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial — contou com a participação de mais de 150 países. Após o evento e ao longo de quase quatro anos, um grupo de notáveis pensadores da área de educação, constituído como a Comissão Internacional sobre

a Educação para o Século XXI, coordenado pelo pedagogo francês, consultor da

ONU, Jacques Delors, coordenou o Relatório Educação: um Tesouro a Descobrir, o qual busca traduzir os princípios pedagógicos, bem como especificar os problemas e as soluções apontadas naquela Conferência. Particularmente, no capítulo quatro da segunda parte, intitulado Princípios: os Quatro Pilares da

Educação, a Comissão assinala as bases e os fundamentos que devem guiar a

pedagogia que responderá adequadamente aos desafios do século XXI (JIMENEZ e MAIA, 2004, p. 106).

Para os autores, o Relatório prescreve as reformas educacionais, que seriam uma necessidade para acompanhar as mudanças advindas do campo econômico, social e político no cenário internacional. O Relatório aponta dois principais problemas que perpassam a educação no plano global:

A hipervalorização dos aspectos cognitivos e práticos do saber em detrimento de outras dimensões fundamentais do ser humano, o apego a um modelo de formação ultrapassado, baseado no aprendizado de conteúdos e habilidades mais ou menos estáveis, vinculados a uma determinada qualificação ou profissão. Em outras palavras, a educação atual enfatizaria excessivamente a teoria, o conteúdo, a informação (o aprender a conhecer) e/ou a prática, ou seja, as habilidades e os saberes necessários à operacionalização de tarefas (o aprender a fazer). O plano das relações que os homens estabelecem entre si ( o aprender a conviver) dos valores e das atitudes (o aprender a ser) seria sonoramente ignorado pela educação tradicional e ‘cientifica’ de hoje (JIMENEZ e MAIA, 2004, p. 106).

O Relatório elaborou os quatro pilares do conhecimento sobre os quais a educação deveria estar edificada: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. O aprender a conhecer e o aprender a fazer foram sobremaneira valorizados pelo ensino formal, que descurou dos outros dois.

Mas, em regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a

fazer. As duas outras aprendizagens dependem, a maior parte das vezes, de

circunstâncias aleatórias quando não são tidas, de algum modo, como prolongamento natural das duas primeiras. Ora, a Comissão pensa que cada um dos ‘quatro pilares do conhecimento’ deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo como no prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade (MEC/ UNESCO, 2003, p. 90). A crítica é de uma clareza meridiana, vale dizer, segundo o documento, o ensino formal tornou-se anacrônico e incapaz de acompanhar a velocidade das mudanças, pelo apego ao conteúdo tradicional que não prepara os educandos para as mutações da vida social e do mercado de trabalho. Para estar à altura das transformações, seria necessária a educação continuada, para instrumentalizar o trabalhador para as novas demandas. O modelo das competências é erguido como nova pedagogia que nuclearia a formação dos professores, dos alunos e dos currículos.

Coerente com a ideologia neoliberal, o documento postula o argumento de que a noção de qualificação profissional estaria obsoleta e que a idéia mais pertinente para trabalhar com as mudanças operadas no mundo do trabalho seria a de competência pessoal. Os autores do documento responsabilizam o progresso técnico por tal mudança de enfoque.

Os argumentos utilizados para justificar a adoção do conceito de competência poderiam se resumir nos seguintes: necessidade do trabalhador executar atividades em equipes — é citado inclusive o exemplo japonês (o toyotismo) para corroborar a mudança; a reestruturação produtiva exige maior personalização das tarefas em vez do trabalho despersonalizado do fordismo; os empregadores exigem no lugar de uma qualificação material uma competência que, segundo o documento, seria um

... coquetel individual,combinando a qualificação, em sentido estrito, adquirida pela formação técnica e profissional, o comportamento social, a aptidão para o trabalho em equipe, a capacidade de iniciativa, o gosto pelo risco (MEC/UNESCO, 2003, p. 94).

No cenário promissor descrito pelos especialistas da ONU, onde o conhecimento passa a ter um papel cada vez mais relevante — a idílica sociedade do conhecimento, denominada no Relatório de sociedade da informação — percebe-se a intenção de edulcorar a função das novas tecnologias que não estariam a serviço do capital, mas abstratamente a postos para a melhoria da comunicação entre os homens e o estreitamento dos laços entre estes.

Com a “sociedade do conhecimento ou da informação”, a educação retoma o seu papel redentor que a Teoria do Capital Humano havia lhe destinado na década de setenta do século XX. .

É por isso que a Comissão considera que o aparecimento de sociedades da informação corresponde a um duplo desafio para a democracia e para a educação, e que estes dois aspectos estão estreitamente ligados. A responsabilidade dos sistemas educativos surge em primeiro plano: cabe-lhes fornecer, a todos, meios para dominar a proliferação de informações, de as selecionar e hierarquizar, dando mostras de espírito crítico. São, ainda, responsáveis por preparar as pessoas para manterem a devida distância em relação à sociedade dos meios de comunicação e informação que tende a ser, apenas, uma sociedade do efêmero e do instantâneo... As tecnologias da informação e da comunicação poderão constituir, de imediato, para todos, um verdadeiro meio de abertura aos campos da educação não formal, tornando-se um dos vetores privilegiados de uma sociedade educativa, na qual os diferentes tempos de aprendizagens sejam repensados radicalmente. Em particular, o desenvolvimento destas tecnologias, cujo domínio permite um enriquecimento contínuo dos saberes, deveria levar a reconsiderar o lugar e a função dos sistemas educativos, na perspectiva de uma educação prolongada pela vida afora. A comunicação e troca de saberes já não serão apenas um dos pólos principais do crescimento das atividades humanas, mas um fator de desenvolvimento pessoal no contexto de novos modos de vida social. (MEC/UNESCO, 2003, p. 66)

Como se vê, a educação calcada nas novas tecnologias é a varinha de condão que transformará a sociedade e a levará para a sociedade da informação. Bem, não é difícil compreender por que entidades ligadas à ONU pintam um quadro tão cor-de-rosa num mundo cada vez mais polarizado entre ricos e pobres, não só entre os países, mas, no seio da própria população dos países centrais, o fosso tem aumentado com a política de corte dos direitos sociais, privatizações etc. A ONU, assim como os órgãos multilaterais, são os responsáveis pela reconfiguração do mundo sob a batuta do grande capital. Um relatório do próprio Banco Mundial atesta como a disparidade cresceu no mundo e destoa das perspectivas alvissareiras do Relatório da Comissão coordenada por Jacques Delors. O interessante é que o Banco Mundial não pode ser acusado de nutrir simpatias pela esquerda, mas também tem que municiar seus financiadores com dados verossímeis para que eles tenham um quadro da realidade para melhor poder atuar.

Mesmo nos países da OCDE, apesar de seu rendimento médio per capita de 20.000 dólares, mais de 100 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza oficial. Cerca de 30 milhões de pessoas estão desempregadas e mais de 5 milhões estão sem abrigo. Os países da Europa do Leste e CEI viram seu rendimento per capita de mais de 5% ao ano durante 1960/ 1980 deslizar para 1,3% ao ano (OLIVEIRA, 2000, p.128).

Mesmo o relatório da UNESCO fazendo ressalvas de que a educação não pode por si resolver os problemas postos pelo esgarçamento do tecido social, afinal, os membros não podem desconhecer a realidade totalmente senão o documento seria facilmente contraditado — é notório o otimismo pedagógico e tecnológico do Relatório.

Outro aspecto importante a ser destacado do Relatório é o conceito de competência, que passaria a justificar as mudanças no plano educacional, objetivando adequar os educandos às novas facetas do mercado de trabalho. Este conceito deriva da análise que o Relatório faz das transformações no campo produtivo, que são apologéticas e escamoteiam as contradições do capitalismo. Estas não são vistas como tais, mas como tensões: entre o global e o local; entre o universal e o singular; entre a tradição e a modernidade; entre as soluções de curto prazo e as de longo prazo; entre a competição e a igualdade de oportunidades; entre o incrível desenvolvimento do conhecimento e as capacidades de assimilação pelo homem; tensão entre o espiritual e o material.

A “globalização” é apresentada como uma panacéia que transformaria os países retardatários do capitalismo em nações desenvolvidas e o receituário apresentado é a adaptação, como analisa o conhecido pesquisador francês:

Tanto mais que, no tocante ao ‘progresso técnico’, a globalização é quase invariavelmente apresentada como um processo benéfico e necessário. Os relatórios oficiais admitem que a globalização decerto tem alguns inconvenientes, acompanhados de vantagens que têm dificuldades em definir. Mesmo assim, é preciso que a sociedade se adapte (esta é a palavra chave, que hoje vale como palavra de ordem) às novas exigências e obrigações, e sobretudo que descarte qualquer idéia de procurar orientar, dominar, controlar, canalizar esse novo processo. Com efeito, a globalização é a expressão das ‘forças de mercado’, por fim liberadas (pelo menos parcialmente, pois a grande tarefa da liberação está longe ser concluída) dos entraves nefastos erguidos durante meio século. De resto, para os turiferários da globalização, a necessária adaptação pressupõe que a liberalização e a desregulamentação sejam levadas a cabo, que as empresas tenham absoluta liberdade de movimentos e que todos os campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do capital privado (CHESNAIS , 1996, p. 25).

Percebemos, também, no discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso, a mesma palavra de ordem — adaptar-se — ser usada para justificar a reforma do Estado brasileiro, ou seja, o País galgaria os degraus necessários para atingir o patamar de nação capitalista avançada, subordinando-se de forma passiva ao mercado internacional e implementando as reformas exigidas pelo mercado (leia-se agências multilaterais).