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2.2 O NASCIMENTO DA CLÍNICA CURITIBANA

2.2.1 O PARANÁ MEDICO

O objetivo desta subseção é prosseguir a discussão sobre o nascimento da clínica curitibana, com enfoque nos periódicos que aqui se desenvolveram e a forma como ele se desenvolveram. A justificativa para a escolha do Paraná Medico é que ele foi um dos primeiros arquitetados pela Faculdade de Medicina do Paraná, dada a sua relevância de reunir pesquisa, teoria, prática, e dividi-la, sobretudo, com a classe médica paranaense e brasileira. Para tanto, será fundamental a abordagem que Paola

(2008) faz sobre esse periódico, já que ela traz ao centro seus principais artigos, desdobramentos e apresentações.

Conforme já dito, em 1912, se dá a criação da Faculdade de Medicina do Paraná, e subsequente especialização de um grupo de médicos que começa a lecionar no mesmo local, nas mais diversas áreas do conhecimento. Sendo assim, viram a necessidade de dividir tal conhecimento com outros profissionais da área, sobretudo, tendo em vista a forma como a linguagem desse material era constituída, bem como as conferências e reuniões que faziam em torno dessas. Isto é, nos parece que a ideia inicial da estreia desses fascículos não era a divisão com a comunidade em geral, mas a restrição para um grupo de intelectuais específicos que se viam em meio a problemas reais de saúde e controle de epidemias na cidade que crescia em um ritmo acelerado.

Então, em 19 de agosto de 1916 criam o Paraná Medico, em uma ramificação da Sociedade de Medicina do Paraná. Contribuem, em um primeiro momento com esse periódico científico, nomes como Miguel Santiago, Victor Ferreira do Amaral, João Cândido Ferreira, Reinaldo Machado, Leal Ferreira, assim como outros nomes (PAOLA, 2008, p.11). Santiago seria editor do fascículo até 1919, quando então assumiria Heráclides de César Souza Araújo.

A autora destaca, nesse sentido, que inicialmente já foi dado um valor político ao periódico, tendo em vista que, na apresentação, é possível notar que Miguel Santiago, responsável por essa, faz uma referência à classe médica do país. Ou seja, com essa noção de classe, ele delimita que as anotações sejam destinadas a um nicho bem específico da sociedade.

Além dessa preocupação mais institucional, a primeira edição demonstra uma inquietação com aspectos da higiene local:

O Paraná Medico já em seu primeiro ano de edição, 1916, revela preocupação com a higienização e saneamento do estado do Paraná, quando o Dr. Belmiro Valverde, em forma de pronunciamento em sessão ordinária da Sociedade de Medicina do Paraná, apresenta um relatório sobre Febre Tifoide e sobre Gripe, doenças consideradas epidêmicas na época (PAOLA, 2008, p.23).

Assim, a autora também relembra, nesse viés, conforme já apontamos no primeiro capítulo, que a Liga Pró-Saneamento havia sido fundada, e as aflições quanto à higiene e ao sanitarismo não só das cidades quanto dos locais mais afastados eram o caminho para tornar o Brasil civilizado, seguindo o discurso da época.

Dentre o intervalo de sua publicação, dos anos de 1916 a 1930, muitos foram os problemas enfrentados pelo periódico, principalmente a falta de recursos para continuar a publicação seja ela bimestral, trimestral ou anual. Paola (2008) percebe que entre os anos de 1921 e 1924 não houve edições do fascículo. A justificativa dada pela própria editoração era a da falta de recursos para tanto. Em 1925 houve seu retorno, que não durou até 1927, quando interrompido novamente. Nota-se, nesse momento, a falta de propagandas que pululavam em suas páginas no passado.

Em 1930 foi retomado pela última vez. Nesse ano, afirma Paola (2008), foram organizadas as suas duas últimas edições. Interessante é notar aqui que em 1931 esse periódico dá lugar a outro que é muito frequente em nossas fontes, conforme já dito, a Revista Médica do Paraná. Ou seja, podemos tratar a segundo como continuação do primeiro, cuja necessidade de um estudo mais meticuloso sobre as suas características gerais se faz necessário, a qual deixamos para outro pesquisador que venha a se debruçar sobre este tema.

A respeito da frequência de matérias públicas no periódico Paraná Medico, a autora levanta o seguinte: “A área de Sanitarismo e Higiene é bem significativa, com 11,1% dos artigos analisados, Parasitologia com 8,7% e Bacteriologia com 4,8% compõem um grupo que reflete as preocupações quanto à profilaxia do Estado” (PAOLA, 2008, p.31). Dessa forma, ela relembra que no período em que esses estudos são feitos, Curitiba ainda não contava com uma rede de esgoto e abastecimento de água eficientes, fazendo com que as autoridades da época, governo, médicos e professores, se preocupassem em demasia com o contágio e transmissão de doenças de cunho bacteriológico e viral.

Frente a isso, é plausível que digamos que o Paraná Medico é parte do que nós chamamos acima desse ato de clinicar, que utilizamos da abordagem de Foucault para refletir a respeito. Isto porque ele é um periódico que reúne o saber médico voltado a uma comunidade específica de médicos, com os mesmos interesses e abordagens semelhantes, reunindo em um mesmo lugar a nosologia, a teoria e a prática por meio de signos em forma de discursos ou de manuais. Ou seja, não que o fascículo seja toda a prática do clínico, tendo em vista que o ato de clinicar não requer apenas a parte escrita, falada e proferida, mas principalmente a prática, que é fundamental na cura e na recuperação dos doentes de várias comorbidades, inclusive a tuberculose.

Assim sendo, ele atua como uma parte desse ato e acaba por nos fornecer uma espécie de preâmbulo do que era a tarefa de clinicar na Curitiba moderna, tendo em vista que ele foi um dos pioneiros, sobretudo quando pensamos em higienização e sanitarismo das áreas urbanas e rurais do Paraná. Ele é capaz de reunir, então, os saberes em forma de discurso, assim como seus sucessores, como as teses médicas, que constam no presente estudo, bem como outros periódicos e anais que surgiriam da reunião em conselho de demais médicos posteriormente. Enfim, esse parece nos ser um compêndio do ato de clinicar, demonstrando que, de fato, a clínica médica se organiza de forma específica, com ramificações universais e frequentes, e foca nas doenças, não nos pacientes, com base a trazer uma cartela universal que possa ser seguida à medida que convém ao clínico, não se obrigando a trazer casos diretos, nem prontuários. Demonstrando, assim, a sua verticalidade em relação aos outros grupos que compõem a sociedade curitibana, que não fazem parte do nicho médico- científico e têm pouco acesso a essas informações veiculadas em material muito específico da área, com seus signos e sintagmas mais específicos ainda.

Em suma, para encerrarmos a questão do clinicar médico em Curitiba, uma outra seção foi organizada para tanto. Espaço esse que busca discutir a verticalidade desses saberes e como eles se conjuntaram nas instituições e na arquitetura conforme delimitamos no início deste capítulo.