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O patrimônio cultural: um espaço de disputas

No documento annelizifermino (páginas 59-63)

3. DIÁLOGO COM A TEORIA DE CAMPOS SOCIAIS DE PIERRE

3.4. O patrimônio cultural: um espaço de disputas

O campo configura-se como um espaço social regido por leis, disputas, tipos específicos de relações e dominação. O vínculo entre as representações sociais e o campo se configura na medida em que as representações ocorrem nos espaços sociais, de modo que estão subordinadas às formas de habitar circunscritas nos espaços em que se localizam (estruturadas relacionalmente a partir de posições objetivas). O espaço no pensamento bourdiesiano é fundamental na medida em que constitui os seres humanos tanto como indivíduos biológicos quanto como agentes sociais. No primeiro, os corpos estão situados em algum lugar físico – ocupam um lugar que funciona como localização – enquanto que no segundo a ocupação/localização ocorre por meio de posições sociais.

A distinção entre espaço físico e espaço social está em aquele (espaço físico) ser definido pelos limites recíprocos que o circunscrevem, e este (espaço social) ser definido pela lógica da exclusão mútua, ou seja, das distinções entre as posições que o constituem. No entanto, apesar de um não corresponder ao outro, há uma tendência do espaço social se manifestar, algumas vezes parcialmente e em outras mais completas, no espaço físico sob a forma de um determinado arranjo distributivo dos agentes e das propriedades (BOURDIEU, 2013). Quando as distinções estão refletidas no espaço físico, o espaço é compreendido por Bourdieu como espaço reificado e significa que elas foram apropriadas.

Outro conceito importante que apresentamos como parte do funcionamento do campo é o de capital. Sua distribuição, que é sempre desigual, posiciona os agentes dentro da estrutura. Como vimos, para Bourdieu muitas vezes o espaço social (o campo) se traduz no espaço físico. Nessa situação, a relação entre capital e espaço reificado se constitui pelos agentes, que se caracterizam no espaço através do domicílio (segundo critérios de localidade, tipo ou ausência) que ocupam, através das localizações de outros agentes e através das oportunidades de acesso e de apropriação de bens e serviços. O habitat, lugar físico socialmente qualificado, oferece diversos bens e serviços materiais ou culturais que são apropriados segundo às condições de cada agente (capitais disponíveis).

Cada habitat contribui com a configuração do habitus ao mesmo tempo que o habitus contribui através dos usos sociais para formar este habitat. Mesmo que, através de formas diferentes de apropriação, as pessoas se sintam integradas ao seu habitat, Bourdieu afirma que, nos espaços onde os agentes não conseguem preencher todas as condições que

tacitamente são exigidas de seus ocupantes, ocorre um sentimento de deslocamento em relação a este mesmo espaço. A dominação se traduz no espaço apropriado através da posse material e simbólica dos bens raros, sejam eles públicos ou privados, que estão distribuídos em determinado espaço. Segundo Bourdieu (2013, p.135), ―o espaço apropriado é um dos lugares onde o poder se afirma e se exerce‖. Nesse sentido, de acordo com os capitais possuídos, o agente é dotado da capacidade de mobilizar o necessário para o acesso aos bens e serviços. Essa capacidade possibilita minimizar o dispêndio e a distância ou mesmo promover um maior distanciamento devido à insuficiência de acesso a esses bens e serviços.

Partimos do principio de que todo espaço é hierarquizado e exprime as hierarquias e diferenças sociais que, segundo Bourdieu (2013), estão sob o efeito de naturalização – resultado das inscrições sociais duráveis na realidade. Outro importante aspecto é que muitas vezes o espaço habitado funciona como metáfora para espaço social, visto que há divisões sociais objetivadas no espaço físico que funcionam como principio de visão, divisão e categorização da percepção e da apreciação dos agentes. Nesta pesquisa, que pensa as relações entre os agentes no subcampo do patrimônio cultural, esses aspectos (diferenças sociais e divisões sociais objetivadas) estão operacionalizados na medida em que o patrimônio cultural, os bens materiais e imateriais, estão conformados em um espaço físico socialmente qualificado. O acesso e o nível de conhecimento traduzem a apropriação dos bens patrimoniais que também estão manifestos no espaço físico. Este contribui para a visualização da preferência e das formas de apropriações dos bens e serviços no campo, possibilitando a projeção das estruturas constituídas. Desse modo, as representações sociais sobre o patrimônio cultural, expressas através de imagens, opiniões e atitudes, por serem construídas dentro dos espaços sociais, inserem-se nas inscrições sociais naturalizadas, tanto nos corpos quanto na ordem social, que estão refletidas nos deslocamentos, movimentos do corpo (poses) e posturas praticados no espaço.

No conceito de campo, o espaço social é elaborado como uma estrutura organizada por posições que se definem umas em relação às outras. Esse conceito compreende a um espaço de disputa de interesses e domínio entre seus membros a partir das relações estabelecidas através do posicionamento que ocupam neste espaço. As posições são determinadas pela distribuição de diferentes capitais (BOURDIEU, 1983). Através da seleção dos conceitos de campo e capital do arcabouço conceitual da teoria sociológica de campo, realizamos uma abordagem sociológica das representações sociais, fortalecendo a análise dos aspectos sociais que envolvem a produção de RS.

O patrimônio cultural é um microcosmo que funciona dentro do campo cultural e comporta uma dinâmica social, com valores e relações específicas, influenciada pela posição que os sujeitos ocupam na estrutura social. Nesse sentido, definida como micro organização ou mesmo subárea dentro do campo cultural, procuraremos descobrir as leis de funcionamento que o caracterizam e que o regulam. Assim, delimitando os valores e capitais que lhe dão sustentação e revelando as lutas, interesses e relações que os agentes procuram manter ou alterar (dinâmica social). De modo que será necessário localizar onde os agentes se situam no campo de poder e descobrir a estrutura objetiva de relações entre as posições ocupadas por aqueles em disputa (agentes e instituições), revelando a hierarquia existente nos produtos e produtores. O modelo abaixo ilustra o processo de formação destas posições.

Figura 4 : Formação de estrutura de posições do subcampo

Fonte: elaboração própria a partir dos conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu.

De acordo com Bourdieu, o que permite estruturar o universo social é a posse de diferentes tipos de capital, sendo a posição dos agentes no espaço das classes dependente do volume e da estrutura de seu capital. Portanto, é necessário observar nas representações sociais todos os recursos envolvidos (capital econômico, capital cultural, capital social e capital simbólico) e o grau de interferência destes recursos nas interações nesse espaço social. O campo envolve uma competição pela legitimidade cultural, está em busca de distinções que o caracterizam como específico, atribuindo-lhes marcas de distinção de um grupo, mas revestidos de legitimidade. Este reconhecimento e valor do patrimônio como um bem importante e que merece ser preservado pelos demais grupos sociais deve ser

+ capitais

(distribuição desigual)

Subcampo do patrimônio cultural

Agentes

=

Posições hierarquizadas

compreendido como envolvido em uma dinâmica de disputa e negociação entre os agentes dos diferentes grupos sociais, esta dinâmica age como produtora de significados.

Uma das características que distingue o subcampo patrimonial é que o patrimônio pode ser compreendido de diferentes formas dentro do campo, desde um conjunto simbólico ou uma instituição social até uma produção cultural. Esses bens são permeados de diferentes sentidos que podem servir como instrumento de dominação cultural, como ferramenta de identificações sociais ou coesão social e também como instrumento de democratização da cultura. As diferentes formas de compreensão correspondem às diferentes representações sociais acerca do patrimônio cultural.

Na análise a ser realizada sobre a representação social dos moradores acerca do patrimônio cultural marianense, a aplicação da teoria dos campos nos permite uma perspectiva sobre o modo como dentro deste campo os grupos consomem, produzem e acumulam capitais acerca do objeto patrimônio. Ao aplicar o conceito de campo ao espaço social em que se insere as representações sobre o patrimônio cultural, contextualizaremos sua produção nas relações estruturadas.

No documento annelizifermino (páginas 59-63)